O Porto não seria a melhor cidade do turismo europeu 2013 senãotivesse
o Douro. Tudo o que se passa no rio e na região devia ser também
responsabilidade da segunda cidade/região do país. E é por isso que a
sentença de morte final da UNESCO, indiferente à destruição extrema
praticada pela EDP sobre o rio Tua (a par do que está a suceder no rio
Sabor), é um momento histórico no pior sentido. Representa a falência
acéfala dos autarcas do Douro e do Norte, mas também dos burocratas
políticos que na Comissão de Coordenação da Região Norte calaram e
assinaram de cruz o que convinha ao governo da ocasião.
A decisão da UNESCO representa ainda que o presidente da EDP, António Mexia, conseguiu o apoio obediente da ministra do Ambiente, Assunção Cristas, e assim pôr fim irreversível a dois rios extraordinários e uma linha de comboio única - que só outro futuro económico recuperaria com a grandeza correspondente ao seu potencial turístico.
Mas este crime envolve muitos nomes. Um deles é Durão Barroso (como primeiro-ministro e presidente da Comissão Europeia). Bruxelas sempre tratou com o maior desprezo as causas dos ambientalistas, que o alertaram em tempo contra estes danos gigantescos. Depois, José Sócrates foi o protagonista da mais brutal insensibilidade da Esquerda ao desenvolvimento sustentável, como se continuar a pôr "muros de Berlim" nos rios, em pleno século XXI, fosse sinónimo de energia limpa ou de inteligência humana.
Os 300 milhões pagos pela EDP ao Governo Sócrates para obter as concessões do Plano Nacional de Barragens foram grátis. Os especialistas (que ainda restam sem avenças com a EDP) já demonstraram vezes sem fim que as novas barragens são as novas scut - vão condicionar a factura de energia dos portugueses por décadas, acrescentando maiores parcelas onde elas já representam 50% da nossa conta fixa, haja ou não haja consumo.
Os autarcas do Douro não quiseram ver tudo isto, porque são políticos como Judas - pensam nas 30 moedas. Chamam ao betão das barragens "desenvolvimento" e às sandes dos trabalhadores das obras "animação do comércio local". É verdade que a pobreza atual da região precisa de iniciativa. Mas esse é que é o drama: depois das obras destruidoras do ecossistema e da paisagem, o que voltará não será pobreza, será ultrapobreza. Espreitem as outras regiões com barragens no Norte e indiquem uma onde haja "desenvolvimento" com turismo de natureza extraordinário...
Esta decisão é ainda reflexo do que representa o novo turismo do Douro - um turismo de cruzeiro, de passeata, premiadíssimo - mas à custa dos durienses 'índios da Amazónia': cuidem da paisagem a custo zero, para nós brindarmos com champanhe e baile à passagem do navio... Fica zero no Douro. Zero. É turismo canibal. E como os barcos não sobem o Tua ou o Sabor, é-lhes indiferente. Só que um património da humanidade é mais do que subir o rio. É uma memória, é um conjunto de factores que são assim há séculos e séculos. Isso está bem patente num pequeno filme de 18 minutos disponível em www.pan.com.pt/valedotua - feito altruisticamente por voluntários do Partido dos Animais e da Natureza.
Em todo este processo das barragens houve a corajosa luta de algumas associações ambientalistas. E ouviu-se uma voz empresarial dissonante: a família Symington, líder mundial do vinho do Porto. Numa carta à UNESCO, Paul Symington alertou para as consequências ambientais da criação de dois lençóis de água no Tua e Sabor, que porão em causa o ambiente climático ancestral da região, e para o seu impacto nas vinhas. E afirmaram: "Qualquer projeto que danifique esta paisagem única irá comprometer o futuro de todos os envolvidos na produção de vinho e no trabalho associado à região".
Há uma razão para isto: os Symington estão no Douro há mais de um século, vivem daquele delicado ecossistema. Vão lá continuar mesmo depois das infinitas autárquicas e seus caciques, dos Mexias presentes e futuros, de governos monárquicos, ditatoriais ou democráticos. É gente como eles que vai sofrer com a ganância e a destruição irreversível. Com decisões tomadas em gabinetes políticos ou financeiros por gente 'fashion', de plástico, rodeada de ar condicionado e alcatifas fofas. Um dia, isto explode nas ruas (como na Turquia ou no Brasil).
Nota de RoP:
Talvez não precisasse de fazer este reparo, porque quem lê habitualmente o Renovar o Porto sabe que é verdade publicar aqui neste espaço, e com bastante frequência, crónicas de jornalistas e de figuras públicas, independentemente de concordar, ou não, sempre com elas.
Vale isto por dizer, que não sou um anti-jornalista fanático, sou sim - e nesse aspecto -, radicalmente contra, o corporativismo carreirista que inibe os bons profissionais de se demarcarem frontalmente do lixo intelectual e moral de muitos dos seus colegas.
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