03 setembro, 2014

Un jour vous allez regressar de vez


Por incrível que pareça reparei hoje que tínhamos chegado ao fim oficial da "silly season" sem que tivesse aproveitado esse período para escrever uma crónica adequada ao estilo reinante nesta época. Se é verdade que os acontecimentos à volta do BES e do GES "estragaram" as férias a muita gente, a começar pelo batalhão de advogados que foi obrigado a fazer horas extraordinárias e a acabar nos acionistas que viram as suas poupanças reduzidas a cacos, também não é menos verdade que muitos outros setores da vida nacional (e até internacional) foram afetados por estas estórias, vendo-se obrigados a quebrar rotinas de muitos anos.

Do meu lado, vou salvar a rotina e assim sendo aqui vão três pequenas e inocentes estórias.
Primeira estória. Um motard americano meu amigo, passeando pelo nosso belo território, tomou contacto pela primeira vez com a necessidade de pagar portagens numa ex-scut no Sul do país. Uma vez que não estava familiarizado com a metodologia, foi alertado para a necessidade de ter de pagar a quantia em dívida por ter circulado nessa via sem estar devidamente habilitado para o fazer. Como é uma pessoa de boas contas, dirigiu-se a um dos locais que lhe indicaram para efetuar o pagamento, mas voltou de lá de mãos a abanar porque lhe disseram que nestes casos o pagamento só pode ser efetuado 48 horas depois e ele tinha lá ido logo no dia seguinte. Escravo da legalidade, adiou a saída do país por 24 horas e voltou, confiante, a tentar pagar depois de passadas as tais 48 horas. Verificou então que o pagamento continuava a não ser possível e a justificação que lhe deram foi que "tratando-se de motas, às vezes, demora mais, não se sabe quanto". Como é evidente, este meu amigo lá seguiu viagem, contrafeito e escusado será dizer que em relação ao pagamento, nada feito. Será que nos tais 300 mil espanhóis que viajaram em Portugal pelas scuts sem pagar não estarão muitos que só cá vieram um dia ou dois e tentaram pagar sem sucesso menos de 48 horas depois da "infração"? O meu amigo americano saiu de cá a achar que somos uns cromos. Já os espanhóis, provavelmente pensarão outra coisa bem pior.

Segunda estória. Outro amigo meu inscreveu o filho numa faculdade da Universidade Nova de Lisboa, com a antecedência que era possível ou exigida, referindo nessa altura o facto dessa matrícula estar condicionada à admissão do aluno numa outra universidade europeia a que se tinha candidatado. Veio a verificar-se algum tempo depois que o rapaz em questão foi admitido no estabelecimento que desejava, por sinal em Paris, pelo que nunca retificou a inscrição provisória efetuada em Lisboa e como é evidente não frequentou um único dia essa faculdade da capital. O pai, que por acaso até é professor universitário na mesma universidade, está a ser confrontado agora, mais de um ano depois, com a exigência de pagamento de um montante superior a mil euros que lhe é exigido como pagamento de propina, mais a multa, que é uma parte significativa, aplicada exatamente pela falta de pagamento da propina inicial. O pai do aluno já tentou várias vezes, dirigindo-se aos serviços pessoalmente e por escrito, perceber a razão de tal exigência e conhecer a legislação em que se suporta esta tentativa de enriquecimento, que ele julga sem causa, da universidade, sem nenhum sucesso. Será que é mais um corolário da política ainda agora evidenciada no último Orçamento Retificativo, de aumento de multas por tudo e por nada? No caso vertente, a informação que tem para um assunto a que não lhe dão resposta é que quanto mais tempo demorar a pagar, maior será o valor da multa a liquidar.

Terceira estória. A última e a mais curta. Ainda ontem vi, pela terceira ou quarta vez, um outdoor gigante que está no aeroporto Sá Carneiro, no piso das partidas, visível por todos os milhares de pessoas que lá embarcam ou lá se despedem de quem vai embarcar. No outdoor, obviamente feito a pensar nos nossos emigrantes que nos visitam por esta altura, pode ler-se: "Un jour vous allez regressar de vez. Fale com o BES para preparar esse dia". Será que é preciso acrescentar mais alguma coisa?

[do JN]

Nota de RoP:
Comigo passou-se algo semelhante. Este verão furtaram-me o carro. Como ainda faltavam cerca de 3 dias para prescrever o prazo de validade do IUC, entrei em contacto com a prestimosa Autoridade Tributária para comunicar o ocorrido e para enviar o comprovativo da participação que fiz num posto de comando da GNR. A resposta chegou, com o pragmatismo que se segue: 

«A Autoridade Tributária e Aduaneira apenas liquida o imposto de acordo com os elementos fornecidos por outras entidades, nomeadamente IRN e IMTT. Verifica-se que a viatura em apreço consta ainda como sua propriedade e, enquanto tal, o Imposto Único de Circulação é devido».

Respondi  para perguntar como era, no caso da viatura não ser recuperada (foi, passado 3 semanas), isto é, se me devolviam o valor do IUC, questão que ficou sem resposta. Voltei à carga, informando-os que iria pagar sob protesto, o que fiz, dois ou três dias depois do prazo expirado. Decorrido, mais ou menos um mês, recebi no correio uma notificação da AT para pagar uma coima "COM REDUÇÂO" de 25,00 euros  com um simpático prazo de tolerância de 15 dias a contar da data da mesma. 

Como percebi que isto não podia ser resolvido pela net, ou pelo correio, desloquei-me às Finanças para lhes "agradecer a deferência" e dar-lhes uns recadinhos que, calculo, não terão apreciado muito...  Pedi-lhes também que me explicassem como era possível darem-me  apenas 15 dias de "tolerância" quando a data da notificação indicava o dia 10 de Agosto e o carteiro só ma entregou no dia 1 de Setembro! Não me perguntem como, nem porquê, porque eu também não sei, o fulano que me atendeu depois de olhar para o computador chegou à conclusão que afinal a data era a da recepção e não a constante da notificação. Então, digam-me como é que eu, ou os senhores mesmo, podem provar a data da recepção se não tenho como fazê-lo? Surprise! Afinal eles (da AT) sabiam a data de entrega do documento, porque o carteiro a transmitia, mas nós contribuintes é que não, temos de confiar no que o carteiro diz! Fantástico, não é? Ainda insisti e perguntei-lhes como é que eu podia provar a recepção se nada assinei, mas eles ficaram a olhar uns para os outros com cara de parvos sem saberem o que dizer... O funcionalismo público é assim.

O facto é que, compreensão pelo que me ocorreu não houve nenhuma, e eu tive mesmo que pagar os 25,00 de multa. O Estado português "é tolerante" mas não tanto como se supõe... A tolerância está reservada a certos espíritos santos. Além de que, estas coisas de o Estado brincar com a vida de cidadãos honestos não são para tolerar. O Serrão olha para tudo com um fair play incompatível com a indignação que estes casos justificam. Por mim, continuo na minha: que se f.....a o Estado! 

1 comentário:

  1. Eles são compreensivos com Montes Brancos e afins......

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