07 outubro, 2015

Eu, abstencionista prevenido me confesso


Para as últimas gerações de políticos em Portugal - ou talvez para todas -, a última coisa que querem, é que os eleitores exijam responsabilidades severas pelas promessas feitas em campanha. Não será por acaso que durante toda a campanha eleitoral não se ouviu uma palavra sobre o assunto. E também já não espanta que nenhum jornalista se tenha lembrado de lhes colocar questão tão embaraçosa. Eles não estão para ultrapassar aquela linha limite de liberdade balizada no politicamente correcto e trocá-la pela liberdade absoluta de indagar aquilo que é realmente importante. Assim, tudo é mais simples. Mais uma vez se procura conservar a ideia que a "democracia" e as linhas que a regem em matéria de garantias são intocáveis, e ponto. Preferem habituar os cidadãos a encarar as eleições como uma espécie de jogo lúdico, fortuito, uma espécie de lotaria em que os políticos fazem o papel de números, do que correr o risco de lhes facultar o direito à fiabilidade na hora de votar. E tem de facto sido nestas precárias condições que  os eleitores se sujeitam a votar, sem nenhumas garantias.

Naturalmente que, para os interessados, é muito mais confortável terminar as campanhas eleitorais prometendo, ou então não prometendo nada, que apresentar garantias sérias de compromisso. Eu creio que os cidadãos eleitores ainda não perceberam que é essa a principal causa das péssimas prestações dos sucessivos governos pós 25 de Abril de 1974, e que explica também o sempre crescente abstencionismo. É também a nossa pouca exigência cívica que explica o falatório depreciativo contra os abstencionistas. É que, os abstencionistas assumidos (não confundir com negligentes), não dão votos, o tal papelinho precioso que, em vez de lhes facultar estabilidade social e económica, garante emprego e mordomias, aos carreiristas da política. Não se iludam, porque o que os políticos mais receiam não é a degradação da democracia, é a perda do cómodo caminho que escolheram para governar as suas vidas, porque governar a vida do povo nunca os comoveu. 

Há outro grande inconveniente nesse laxismo da classe política, que é continuarem a perder credibilidade enquanto classe. Pessoalmente, embora a eles me refira sempre de forma genérica, custa-me a acreditar que sejam todos uns malandros irresponsáveis, mas o facto de não se decidirem a purgar os respectivos partidos das suas "ervas daninhas", a par das más prestações governativas, faz com que, numa avaliação sintética, a má reputação se estenda a toda a classe, e se desvalorizem aqueles que individualmente deram o seu melhor. Surpreende-me que os partidos mantenham dentro dos seus quadros pessoas que só os envergonham, como é o caso, por exemplo, de Rui Gomes da Silva, e muitos outros, cujos líderes se recusam a assumir, face aos mesmos, uma postura crítica, quanto mais não seja perante os eleitores e perante a própria classe. Pelo contrário, calam-se como se o silêncio fosse a receita indicada para prevenir comportamentos similares no futuro. Não só não o fazem, como permitem que essas "ervas daninhas" se mantenham no activo, a conspurcar a classe  e a adensar a indignação da opinião pública.

Por ser recorrente a falta de auto-crítica nos partidos, e pela incapacidade de compreenderem as causas reais do abstencionismo, é improvável que a credibilidade político-partidária se robusteça nos próximos tempos. Quarenta e três por cento de desistentes votantes, não é o mesmo que 43% de eleitores sem vontade de votar. Salvo casos pontuais, pode até significar ser essa a fatia de eleitores mais conscientes. Deitar sobre as suas costas a responsabilidade pelos maus governos, é o mesmo que acusar a testemunha de um crime que outros cometeram de ser o seu autor, quando foram os votos dos eleitores que premiram o "gatilho" chamado voto.

A única maneira do eleitor se desvincular da acção negativa de futuros maus governantes, é simples: exigir garantias idóneas. E a única forma de um cidadão evitar cumplicidades convencionais com maus políticos e maus governantes, é a segurança que só o não voto permite.  O voto em branco, além de susceptível a manipulações (não há fraudes impossíveis), hoje em dia é pouco mais que ridículo.

De resto, a realidade dos resultados fala por si:  

  • Abstenções:          43% 
  • Votos em branco:   2,09%


5 comentários:

  1. Boas Tardes,

    Respeito a sua posição, não concordo!!!
    Muitos conhecidos meus não votam pois ainda estão à espera dos 50,01% de abstenção e por força dela o sonho de não ter governo (militares na rua pois a vontade do povo foi nenhum partido no Poder); outros ainda pois vencem sempre os mesmos (PS/PSD) o que de facto torna o acto de votar inútil.
    Mas ainda há os sonhadores idealistas como eu, que votaram PAN pela causa e qualidade (ainda tem, mas com o guito a entrar e os possíveis novos militantes pode vir a ser um novo BE), eu como vegetariano animalista e naturalista só poderia votar neles.
    Espero que mude, pois precisamos de votos diferentes, não pelas promessas mas pelas acções!!

    Abraços

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  2. Boa tarde Frederico Cotta!

    Democracia é também aceitar a opinião dos outros. Mas, se bem terá entendido, com a minha idade, já passei a fase ideológica. O Frederico está naturalmente a passar pela sua. Compreendo-o muito bem. Eu cheguei a uma fase mais baça mas também mais pragmática. Os governos são para governar o país, o país é o povo, o seu bem estar geral. Enquanto não surgir na "arena" política um partido cujos responsáveis se determinem a dar garantias a sério aos eleitores, não voto. Excepto se de repente algum partido consiga dar uma volta de 180º á tradição e se destaque pela boa governação. Aí, estarei pronto a voltar às urnas. Nunca, antes.

    Um abraço

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  3. Caro Rui Valente,
    Sabendo como se sabe que os Partidos políticos pretendem representar as classes sociais em confronto, cabe aos cidadãos a cada momento, pela sua militância, participação e fiscalização apurar até que ponto estão sendo bem representados e contribuir para que os programas sejam cumpridos, as linhas de orientação seguidas e a matriz ideológica respeitada.
    Que isto é demais para o nosso povo? Aceito. Porém, não há volta a dar. São mesmo assim. Perante a demissão do povo abre-se caminho ao aparecimento dos oportunistas. Tomam conta dos aparelhos, desvirtuam os princípios e o povo só se preocupa com o seu currículo, depois de tais “novíssimos príncipes “ se instalarem. Demasiado tarde.
    Dito assim duma forma simplista, eu sei ! Todos acabamos por conhecer indivíduos com o perfil adequado à idiossincrasia dos Partidos do chamado “arco da Governação”. Sem grande esforço todos nós conhecemos alguém que cabe perfeitamente no PSD, outros mais empertigados no CDS e outros que por pudor (pudor em política partidária? Eu sei que é demais) se juntam no PS. Misturados estes “ ingredientes” em 40 anos, deu nesta bebida sensaborona de que se alimentam os 3.723.410 eleitores que neles votaram .
    Erro crasso é admitirmos que não existe uma luta de classes. Se as classes existem, é certo e sabido que procurarão sempre, atingir um plano superior ao de que dispõem a cada momento.
    O PS chegou a gabar-se que era interclassista, isto é : se há uma CGTP para representar uma classe e capaz de “ mostrar os dentes”, há que “cozinhar” uma outra, UGT, amarela e desdentada, para ser usada quando convém na Concertação Social.
    Da luta de classes fazem parte os PODEROSOS; a CLASSE MÉDIA e os OUTROS.
    Caracterizando:
    PODEROSOS : Sector Financeiro( Banca, Seguros etc.) Património; Comunicação Social (TV, Jornais etc.);
    CLASSE MÉDIA : Os que fazem funcionar a EDUCAÇÃO; a SAÚDE; os TRIBUNAIS; os PORTOS; os AEROPORTOS; os TRANSPORTES etc.
    OS OUTROS : Os que constroem as Escolas, os Hospitais, os Tribunais, as Estradas, os Portos, os Aeroportos, os que Pescam, os que Cultivam, os Escritores, os Artistas, os Poetas etc.
    Se há coisa que o Pobre odeia (já se fala em 2.000.000 de pobres) é a POBREZA. Por isso votar nos partidos dos ricos não faz muito sentido. Mas nunca passar pela vergonha de votar num Partido que fala de Pobres. Era para eles a suprema humilhação, logo, vão engrossar o número de 4.059.465 que não votaram.
    Quando a base social da pirâmide se aperceber (se é que alguma vez ,tal acontecerá) da sua importância na sociedade, talvez o número de Pobres diminua, a Democracia melhore e a Isabel Jonet vá para o desemprego. Até lá continuarei com o meu voto militante e nunca atraiçoado.
    Cumprimentos

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  4. O ideal de facto, era que todos os cidadãos se envolvessem mais na política para a regenerar e mudar por dentro. Mas, será que os partidos estão preparados para o permitir?

    A realidade, é que os pobres, sendo a classe que em tese, devia ser a parte mais interessada, é também a que tem menos atracção pela política. Preferem algo que lhes dê pequenas alegrias, identidade, e em pouco tempo, mesmo que essas alegrias sejam os sucessos do clube de futebol.

    Só posso confirmar uma coisa, é que os partidos da oposição, ainda não foram capazes de cativar os eleitores como verdadeiras alternativas de governo. Ainda não perceberam que o que muitos querem ouvir é algo que lhes transmita confiança, que passa pelas tais garantias que a palavra de honra e as promessas já não são capazes de lhes dar.

    Eles não perceberam que cada mandato fraudulento, de inversão do prometido e exarado em programa, correspondem pelo menos a 4 anos de decepção para os eleitores. Esse número foi ultrapassado vezes de mais. Assim a credibilidade morre.

    Mas compreendo e concordo com muito do que disse.

    Um abraço


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  5. Caro Rui Valente,
    Chegamos a um impasse, porque o que diz é correcto e avisado. Concordo em absoluto.
    Cumprimentos

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...