26 agosto, 2019

O Museu

Valter Hugo Mãe

Um Museu Salazar na casa onde o ditador nasceu não é possível que seja isento de saudosismo. Há uma atmosfera de capela na ideia impossível de apagar. Qualquer que seja o nome que se dê a este espaço, o perigoso enfoque está criado. Por mais que se destituam os conteúdos de ideologia, o gesto corrompe-se por definição. Os malfeitores devem ser lembrados pelos lugares onde mataram e onde morreram, é isso que nos ensina e nos urge lembra


Não é verdade que favorecer a memória de Salazar como um "filho da terra", figurão na História do país, seja só uma liberdade democrática, porque não é. É uma desfaçatez. Salazar mandou assassinar, criou campos de concentração, torturou, mentiu, falseou eleições, dispôs do país e das colónias como se fossem sua mercearia e seu jogo de soldadinhos. Por isso, o que diz respeito à saudade de Salazar não é opinião, é desfaçatez. Não é exercício democrático, é branqueamento de um regime que assassinou, torturou, mentiu e empobreceu os bolsos e os espíritos dos portugueses e de todos os povos de que os portugueses tiveram a ilusão de ser proprietários.

O museu que tinha de haver era o que se perdeu com a sede da PIDE. Aí, sim, haveria de se espanar o saudosismo. A simples ostentação daquelas portas e daquelas paredes serviria para se contar a História a partir do prisma da decência; aquele que imediatamente diz que nenhum poder se pode arrogar a perseguir os seus opositores. Ninguém nos pode voltar a diminuir na liberdade de pensamento e de expressão. Não nos podem matar.

O entusiasmo de Leonel Gouveia, eleito pelo PS na autarquia de Santa Comba Dão, é, no mínimo, inusitado. Já sabemos que o diabo encontra meios de colocar os néscios ao seu serviço, também já suspeitávamos que muita da Esquerda trabalhasse na verdade para a mais pura Direita. Que fizesse um favor tão grande ao fascismo é que não estaria à espera. De Centro Interpretativo a lugar de velas é um passo. Com o rumo que o Mundo leva, se não formos mais espertos, o que vemos a acontecer espantados em outros países regressa ao nosso em esplendor. Quero dizer, para matar as saudades dos assassinatos e dos desaparecimentos, e da tortura e da mais elementar mentira. Vai ser uma curiosidade, depois, ver onde nasceu o novo ditador para cuidar de lhe manter a casinha em pé e ir para lá interpretar o raio que parta.
*Escritor


Nota de RoP:

Costuma dizer-se, que mais cedo se apanha um mentiroso que um côxo. Quantos Leonel Gouveias deste país andam por aí a exibir bandeiras do PS, com o amor a Salazar no coração?  

Haverá uma diferença assim tão grande entre o espírito de um salazarista e de um centralista? Olhem que não, olhem que não...

3 comentários:

  1. Sim, deve-se contar, os assassinatos, os campos de concentração, as torturas, mentiras, o falseamento de eleições, o empobrecimento, no tempo de Salazar.
    Mas também relatar a bandalheira que foi a 1 República que aliada à crise económica de 29 permitiu a chegada do Vimieiro ao poder, criando-se posteriormente o mito (em parte) do salvador da pátria.
    É isso que eu mais receio, que a nossa democracia caia no descrédito e volte um "botinhas".

    Luís (O MEU, O TEU, O NOSSO FCPORTO)

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  2. Luís,

    muito ficará por dizer, se quisermos falar da história de Portugal, e nem tudo nos fará orgulhar da mesma. Os descobrimentos foram talvez a nossa imagem de marca mais corajosa, mas também censurável, porque invadimos terras habitadas por outros... Do que dessa imagem aproveitamos de relevante, foi zero.

    Monarquia e República, Ditadura e Democracia. Nada resulta para nós, porque não temos vocação
    para grandes actos e grandes projectos. Isso dá trabalho, e exige seriedade, e na política portuguesa gosta-se de trabalhar pouco e angariar muito dinheiro. Ou seja, poder.

    Resumindo, não é possível escrever-se tudo num simples artigo de jornal.

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  3. Eu de todas preferia sempre a democracia... Mas esta...

    A.C.

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...