O meio ministério da Inovação (a outra metade é da Economia), inventor desse incomparável provincianismo consubstanciado no Allgarve, brindou-nos com nova campanha de promoção turística.
Segundo li, o objectivo é "vender Portugal como a Costa Oeste da Europa". Ou, traduzindo "The West Coast of Europe". A ideia, produzida pelas mentalidades típicas da capital que há um século e meio nos coloca na cauda da Europa, é sofisticada o país da modernidade e da mudança até é capaz de alterar a geografia. Redesenhar os mapas. Basta de sermos um país do Sul. Daí são a Espanha, a Itália e o Chipre (e por que não a Croácia, Malta, a Albânia?).
Sendo maus alunos de Geografia, estão obviamente confundidos: querendo, porventura, significar mediterrânico, esqueceram-se do Sul de França. Abaixo, pois, o Sul! Os países do Sul são atrasados, digo eu. "Temos de sair do Sul", escrevia o responsável pela Campanha, acrescentando que o Oeste, onde o país foi geoestratégica e turisticamente reposicionado, é o "símbolo do desenvolvimento e da democracia". Além de mudarem a geografia, os transformadores da realidade alteraram a História.
O símbolo da Democracia de que falam não é a civilização grega, porque do Sul, e o desenvolvimento não são os países do Norte da Europa, o Canadá ou os States. Nada disso. A Oeste. Reformule-se, portanto, tudo quanto pensávamos.
Mas o mais espampanante é a escolha dos novos símbolos da portugalidade. Os nossos ícones. As imagens de marca que nos representam Cristiano Ronaldo, Mourinho, Mariza, acompanhados de et ceteras que, salvo a Vanessa Fernandes, ninguém conhece. Nem de vista nem de ouvido - gente certamente escolhida pela proximidade da capital.
Para aumentar o pendão internacionalista, as fotografias - como nesta Costa Oeste não há fotógrafos - são de um estrangeiro (by Nick Night, dizem os enormes painéis ou outdoors com que o Terreiro do Paço inundou as capitais europeias, levando-lhes a luz da sua Civilização - novo farol do Ocidente, perdão, da West Coast).Como temos de sair do Sul, custe o que custar, nem que seja desmantelando o espírito do país, alteraram também as cores que o representavam. Portugal já não é verde, vermelho, ocre, rosa (havia um chamado "rosa Portugal", para esta gente parolo e reaccionário), amarelo, castanho. Já não é sol, nem luz, nem Sul. Agora é azul (desmaiado) e branco. É nórdico. Além da Califórnia (The West Coast, mas com dois milhões de pobres), os transformadores querem-nos da Finlândia, dos gelos e neves. Desmaiados.
Somos portanto nórdicos, mas sem a Nokia ou a Ikea e apenas com os despojos de um país que substitui Camões, Garrett, António Vieira, Verney, Gama, Cabral, Ribeiro Sanches, Magalhães, Eça, Pessoa, Vieira da Silva, Saramago e muitas mais inutilidades. Um país que está a ser transformado em sucedâneo de si próprio, representado por futebolistas, fadistas e etc..
À cultura e à História sucede o pontapé, a corrida, a estratégia da bola e o gorgeio plangente. Decididamente, a capital do centralismo só nos dá anedotas depois de, através do mais monumental tiro no pé da incompetência mediática, ter feito eleger como o grande, o maior português, um ditador que compôs as finanças, mas nos fez atrasar décadas em relação ao Mundo, lança agora, como estratégia de afirmação, um país virtual, estranho a tudo quanto somos.
O pior é que, além de utilizar os outdoors para poluir a paisagem e a Imprensa lá de fora, dando de nós a imagem de um Sul parolo a fingir que não é, esta campanha cobriu, de alto a baixo, um dos mais belos edifícios do Porto o Paço Episcopal. A nobreza barroca, a elegância talvez nasoniana daquele magnífico monumento, viu-se travestida com os retratos do Cristiano Ronaldo e da Mariza (sem menosprezo por eles, que não têm culpa destas mirabolâncias de quem tem posses para comer sardinha e quer passar por comer lagosta).
Lá do céu, onde paira, o notável bispo D. João Rafael de Mendonça, cujo amor à arte impulsionou a construção do Paço, a estas horas, deve estar a comentar aturdido para os anjos que o rodeiam: "Meu Deus! No que este país está a transformar-se!"
Quanto ao resto, por mim, que sou nortenho e, para o que vejo, conservador e nunca me senti inferiorizado no Atlântico Sul, prefiro Camões e um outro Portugal a este que nos tentam impingir.
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