A sociedade portuguesa não consegue sair do espartilho de subdesenvolvimento que a sufoca desde há longos anos, por duas razões essenciais: a corrupção e a incompetência consentidas. Mais adiante, explicarei melhor porque digo "consentidas".
A corrupção tem duas escalas, a grande e a pequena corrupção, sendo que a primeira gera e icrementa a segunda. Enquanto a grande corrupção é praticada ao mais alto nível do poder, tanto político como económico e manipula enormes quantidades de dinheiro e o próprio património nacional, a pequena corrupção não faz mais do que "seguir o exemplo" da grande, numa categoria de valores e influências mais baixa, mas não menos perniciosa.
Expressões como estas: "vê lá se falas ao Manel", "o meu filho está desempregado, vê se consegues arranjar um lugarzinho para ele na tua empresa", "fala lá com o médico teu amigo, para internar a minha mãe no hospital", foram e ainda são , o dia a dia da vida em Portugal e ninguém, por mais íntegro que seja, pôde - pelo menos uma vez na vida - dar-se ao luxo moral de lhe escapar.
Em Portugal ( não apenas), é esta a rotina "normal" da vida. É assim, que a lei do desenrascanço dita as regras do jôgo com que se progride ou não, na vida. É talvez por isso que os mais honestos são quase sempre os mais prejudicados e quando esta "norma" se quebra, os psicologicamente mais débeis, optam muitas vezes pela fuga para a frente, enveredando pela criminalidade mais violenta. É enfim, o tudo ou nada a que agora estamos a assistir em Portugal.
Aliada à corrupção, está sempre a tal outra razão, a incompetência, que emperra o bom funcionamento das instituições públicas e particulares, blindando por consequência qualquer iniciativa para a combater.
Além desta irmandadade tácita entre corrupção e incompetência, existe um outro factor não menos influente que contribui para a sua manutenção na sociedade e a intensifica, que é o trocadilho usado por gente responsável (incluindo pela classe política) na aplicação de certas palavras. Uma delas, talvez a mais deturpada desde o 25 de Abril para cá, é a palavra denunciar.
O período pós-revolucionário viveu estigmatizado por sinais e expressões que serviam para nos demarcarmos dos outros, dos capitalistas, dos comunistas, dos latifundiários, dos ditadores, dos fachistas, etc. Entre elas, houve uma que quando proferida era imediatamente conotada com o antigo regime ou com a PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), chamava-se: bufo. Tinha uma relação directa com a traição aos valores da democracia e com o colaboracionismo com o regime anterior.
Foi a partir daqui que se estabeleceu a confusão na mente das pessoas, que se abriram as portas ao laxismo e às cumplicidades do silêncio ferindo de morte o são desenvolvimento da democracia.
Nas fábricas, nas repartições do Estado, nas empresas, nas escolas, os colaboradores (e chefes) aplicados e competentes preferiam omitir a negligência e abstenção ao trabalho de alguns dos seus colegas, do que correr o risco de serem apelidados de "bufos". Como não prevaleceu o bom senso, imperou a lei da rôlha travestida de solidariedade.
A corrupção e incompetência consentidas tiveram no pretenso"bufo" um aliado invisível mas poderoso.
O que se está a passar no Ensino é um pouco isso, e para nosso azar os melhores ministros, aqueles que querem de facto reformá-lo têm tido dificuldades de percurso e de fazer passar a mensagem. É no que dá a mistura da competência com a mediocridade e a total falta de coordenação entre ambas.
Como em todas as áreas de actividade, há bons e maus professores, muitos dos quais não têm o menor perfil para o cargo, mas o medo de denunciarem os maus profissionais por eventuais complexos delatores, leva-os a acompanhar a corrente fazendo com que se confunda o todo com a parte. Só teme as avaliações quem "deve", quem não tem confiança no trabalho que produz.
A permissividade é inimiga da optmização do trabalho em todas as áreas. Denunciar a insuficência profissional e o incumprimento do dever é um acto de civismo tão nobre como denunciar um crime, desde que - evidentemente - acompanhado de provas irrefutáveis.
Denunciar não é igual a bufar, a diferença é quase antónima, embora os dicionários não o atestem. Em suma: é a isto que chamo corrupção e incompetência consentidas, porque alguém as encobre em antigos pactos de silêncio e teme a denúncia do que está mal.
Simplificando: denunciar os maus exemplos, está para a sociedade como o duche matinal para o nosso corpo.
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Meu caro, Rui Valença:
ResponderEliminarVim ao seu blogue porque, também eu, amo o Porto.
Comecei a ler o seu texto, que está bem escrito. Só lamento que tenha estragado tudo no fim.
Claro que há bons e maus professores, mas a manutenção dos últimos no sistema não é culpa da falta de denúncia, que não aprovo. A culpa é do próprio sistema que incentivou (E não pense que esta Ministra quer mudar alguma coisa na qualidade do Ensino!)a mediocridade. Mais: deu de mão beijada habilitações a quem não as tinha; considerava bons professores os que "andavam a fazer flores" fora da sala de aula e que pouco faziam dentro dela.
Não sei se é professor, mas não me parece. Se fosse, compreenderia. Nunca "bufei", mas enquanto me mantive no Ensino, sempre protestei pelo caminho que a Escola estava a seguir. De viva voz, em relatórios (pode ver alguma coisa no meu blogue: http://luardejaneiro.blogs.sapo.pt), actas, etc.
O problema é das políticas educativas que, aliás, continuam. Esta ministra aparece, agora, como a grande reformadora. Mas olhe que fartos de reformas estão os Professores. Acho que não houve um único ano em que não houvesse mudanças e reformas. No essencial, ficava tudo na mesma.
Os Professores não têm medo de ser avaliados, não concordam é com sistemas de avaliação burocráticos e injustos.
Agora... responda-me a uma pergunta: Acha bem os Professores serem avaliados e os alunos não?
Não me vai dizer que é avaliação passar de ano quase obrigatoriamente.
Como diz o filósofo José Gil:
"Nisto tudo, uma questão me intriga: porquê, tanto ódio, tanto desprezo, tanto ressentimento contra a figura do professor?"
Acredite! Os Professores há muito que são alvo duma campanha abjecta de desacreditação.
Procure encontrar o motivo disso!
Elisabete Neves
Já agora:
http://amaroporto2.blogs.sapo.pt
Não estará a confundir as coisas?
ResponderEliminarNo processo de avaliação não se trata de "bufar", mas, analisar, e problema é que há quem não tenha "espírito" para isso.Porque dizem só querem é ensinar, dar aulas...e agora vão ser obrigados a avaliar colegas e acham que essa não é a sua função.
Cumprimentos
Cara Elisabete,
ResponderEliminarO "exemplo" que dei dos professores não foi para apontar as causas de todo este imbróglio à volta da classe nem muito menos ofendê-la, mas como uma das razões de muitos problemas da sociedade em Portugal, em todos os sectores. Não tenho nada contra os professores. Sou do tempo em que ninguém se escandalizava por apanhar os palmatoadas nas mãos na primária.Até eu levei algumas e não foi por isso que ainda hoje a considero a melhor de todas as minhas professoras. Hoje está instalada uma cultura de laxismo, os maus profissionais tem os mesmos benefícios que aqueles que se esforçam e esse será sempre um mau princípio.
Agora, quanto à performance da Ministra, não sei bem o que pensar,mas parece-me que tem um problema de comunicação e que está muito mal acompanhada, como aliás acontece noutros ministérios.
Mas também lhe digo, que muito ajudaria que nas Escolas, como nas fábricas ou qualquer outro lugar de trabalho, as pessoas se empenhassem em responsabilizar os trabalhadores cujo comportamento ponham em causa a honorabilidade profissional de quem se esforça e isso, receio muito que não esteja a acontecer pelas razões que referi no post.
Cumprimentos
Caro Dragão
ResponderEliminarCreio que a m/ resposta ao comentário da Elisabete responde ao seu.
Abraço
Cara Elisabete,
ResponderEliminarSe quiser uma "prova" do meu respeito pelos professores basta ler uns posts mais abaixo a referência que fiz ao Prof. Nuno Crato.
Abraço