08 setembro, 2010

Jornalismo de "serviço"

A entrevista "non stop" que, desde que foi condenado, Sua Inocência tem estado ininterruptamente a dar às TVs  teve o mais respeitoso e obrigado dos episódios na RTP1, canal que é suposto fazer "serviço público".

Desta vez, o "serviço" foi feito a um antigo colega, facultando-lhe a exposição sem contraditório das partes que lhe convêm (acha ele) do processo Casa Pia e promovendo o grotesco julgamento na praça pública dos juízes que, após 461 sessões, a audição de 920 testemunhas e 32 vítimas e a análise de milhares de documentos e perícias, consideraram provado que ele praticou crimes abjectos, condenando-o à cadeia sem se impressionarem com a gritaria mediática de Suas Barulhências os seus advogados, o constituído e o bastonário.

Tudo embrulhado no jornalismo de regime, inculto e superficial, de Fátima C. Ferreira, agora em versão tu-cá-tu-lá ("Queres fazer-lhe [a uma das vítimas] alguma pergunta, Carlos?"). O "Prós & Contras" só não ficará na História Universal da Infâmia do jornalismo português porque é improvável que alguém, a não ser os responsáveis da RTP, possa chamar jornalismo àquilo.

Manuel António Pina [JN]


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RoP

Creio que a crónica acima reproduzida e brilhantemente salpicada pela habitual ironia do autor, diz praticamente tudo sobre o estado circense a que chegou a  Justiça [e a Comunicação Social] em Portugal. Convirá  contudo acrescentar que, apesar da salgalhada em que a Justiça se deixou envolver, com responsabilidades repartidas entre o Poder Político e Judicial, não é possível acreditar que os juízes sejam todos incompetentes e, consequentemente, decidam todos sempre mal.

O excesso de mediatismo de alguns julgamentos, sendo pernicioso para as investigações [e às tantas até, para as sentenças] permite ao leigo cidadão ouvir toda uma panóplia de pareceres jurídicos que o devem deixar completamente baralhado. Se lhes juntarmos alguns clichés, muito bem difundidos, por juristas, advogados e juízes, então é que a confusão é total. Um paradoxo completo, é ouvir esta gente falar em "justiça popular" como uma coisa aberrante, e ao mesmo tempo vê-la bem representada, a promovê-la, em tudo quanto é comunicação social... O programa Contra Informação da RTP foi - como diz o cronista Manuel António Pina -, apenas mais um desses maus exemplos. A Justiça, tem de pautar-se pela eficácia e sobriedade, e resistir tenazmente aos holofotes das vaidades pueris. Não é isso que está a acontecer.

Este tema da Justiça é-me particularmente caro, porque me perturba imenso o seu contrário, e é isso que explica sua a repetição neste post. Em relação ao escândalo Casa Pia, fosse o Carlos Silvino o único suspeito, e o julgamento já tinha terminado há muitos anos e poucos se preocupariam  com a Justiça da decisão. O problema para os Tribunais, nem sequer estaria na outra meia-dúzia de arguidos que mereceram a atenção dos investigadores e que geraram a multiplicação dos processos, mas mais na sua qualidade, no seu status. Não há volta a dar-lhe, digam o que disserem os senhores juízes e advogados, a Justiça não é igual para todos. Quando há entre os suspeitos figuras públicas poderosas, sabe-se como logo se movem influências ao mais alto nível no sentido de abortar as investigações judiciais. Neste processo, não falta quem suspeite que além dos agora condenados, outros poderosos também o deviam ser, e ... safaram-se!

É por todo este lodaçal, a que poucos podem dar-se ao luxo de escapar, que o mais sábio de todos  acaba por ser o Zé Povo, porque observa e intui sobre a aplicação da justiça, não só baseado na sua empatia ou desprezo pelos suspeitos, mas com base neste profuso cruzamento de dados, de informações e interesses, "julgando" simultaneamente as performances dos outros protagonistas [advogados de defesa, de acusação e juízes incluídos].  

Os Juízes não são todos competentes, é natural, mas exactamente por serem humanos e poderem errar, é  que lhes é exigível uma competência acrescida para assim errarem menos que os outros [os incompetentes].  Isto aplica-se  também aos advogados e aos jornalistas, porque participam directa ou indirectamente nestas acções.

Por mais que certos "peritos" em matéria de Justiça se esforcem por aligeirar o protagonismo oferecido a Carlos Cruz num programa de Televisão, a RTP cometeu a maior de todas as injustiças que foi permitir a um cidadão, aquilo que não é permite a outros. O facto de se tratar de uma figura pública, só torna mais obscuro e sectário o critério dessa injustiça. Não é pelo status social, político ou económico que se mede a qualidade humana de uma pessoa.

Carlos Cruz foi o que foi, mas a Justiça ouviu as vítimas durante 8 longos anos e decidiu que ele não passa de um pedófilo. Não devo, não posso acreditar que um Juíz ou Juíza,  por mais incompetente que seja, fosse capaz de o condenar a ele e aos outros arguidos, por crime tão repugnante como o de que foi acusado sem estar na posse de testemunhos suficientemente credíveis. Imaginar esta hipótese é de per si pérfido e doentio.

E já agora pergunta-se: por quê tanto medo de um provável erro jurídico, só agora, neste casos? Cheira-me que é só uma questão de status a espernear fúteis vaidades...

 

7 comentários:

  1. Eu acredito, e eles também sabem que não são inocentes, agora que o processo foi longo e penoso para os arguidos!... lá isso foi.
    Porque passou pela maõs de vários juíses? - talvez houvesse necessidade de o fazerem. Mas houve alguma gentinha política e não só, que já se safou desta... que eu lamento; mas é esta a justiça que temos.
    Eu não acredito nesta justiça e você?...

    O PORTO É GRANDE VIVA O PORTO.

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  2. Tem toda a razão, a justiça bateu no fundo, mas o jornalismo, Minha Nossa Senhora, é uma nojeira, escapam muito poucos, fretes e mais fretes, branqueamentos, omissões, boicotes, vale tudo. Queiroz, por exemplo, tem feito muitas asneiras, mas a campanha de caça ao homem, que lhe tem sido movida, é uma vergonha. Como diz o M.Machado, isto só lá vai a pau de marmeleiro.

    Um abraço

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  3. opiniões eu leio e ouço muitas.
    Provas concretas é o que eu espero. Então, como cidadão impoluto, tipo Pina, também arrotarei sentenças...

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  4. Há vítimas e há culpados. Até aqui tudo de acordo. A minha dúvida vem a seguir: as estas vítimas CORRESPONDEM estes acusados?

    Não digo que sim nem que não. As peripécias porque desde o início passou este processo, com pressões quer de um lado quer do outro, inibem-me de ter opinião convicta, para além de que, como quase todos, penso, não estar por dentro do processo, tendo tido acesso a ele, como toda a gente, através da comunicação social. Aliás, sobre este aspecto, relembro que as críticas que Manuel António Pina agora faz à mediatização do caso, (apesar de justas) só pecam por tardias porque, como sabemos também, elas não são somente de agora, dado que desde o início a comunicação social (principalmente jornais e tvs), escolheram o "lado" que mais defendiam, dando-nos portanto a conhecer A SUA versão do decorrer do julgamento.

    abraço

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  5. Muito bem LAM...

    Até Pina já raciocina à "taxista"

    Pobre País... Dizem que os ricos têm a justiça que querem e pagam, mas dizem também, volvidos uns minutos, que nenhum assaltante fica preso...Vão ao Juiz e saem logo para mais um assalto. Toda a gente está de acordo que a Justiça em Portugal não presta, mas se ao fim de 8 anos, tentar culpar e meter na cadeia alguém famoso, ou com mais dinheiro,com ou sem razão, vem ao de cima a inveja...Que bem...

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  6. Fernando B,

    «Toda a gente está de acordo que a Justiça em Portugal não presta, mas se ao fim de 8 anos, tentar culpar e meter na cadeia alguém famoso, ou com mais dinheiro,com ou sem razão, vem ao de cima a inveja...Que bem...»

    Não percebo lá muito bem porque é que as críticas que são feitas à RTP pelo tratamento dado ap Carlos Cruz têm de ser relacionadas com a inveja...


    Então, acharia correcto que a você, ou mim, ou a qualquer outra pessoa rica, ou pobre, na mesma situação de Carlos Cruz [salvo-seja!] não nos fosse dada a mesma oportunidade para nos defendermos na Televisão, e por várias vezes?

    Afinal de contas o que a RTP está a fazer com ele é discriminação positiva, coisa que devia ser proibida de fazer, em nome da própria JUSTIÇA!

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  7. Boa tarde Rui,

    De acordo consigo...

    Eu referia-me ao post do LAM, exclusivamente. Deveria ter sido mais assertivo, mas tinha acabado de chegar do Dragão... compreende-se...

    Abraço

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...