05 julho, 2011

Os vira-casacas


Está nos livros: onde existe uma grande dependência do Estado, mudanças no poder trazem consigo mudanças na opinião de muitos. Não antes, mas depois ou, pelo menos, a partir do momento em que se torna óbvia a derrota da "situação", como se dizia antigamente. O povo crismou-os: "vira-casacas". Os mesmos que até aí aplaudiam, servilmente, o poder descobrem, subitamente, o seu engano. Coerentes na sua vocação de bajuladores, continuam a aplaudir o poder. O novo. Encontramo-los entre os empresários, grandes ou pequenos, os gestores, públicos ou privados, os comentadores. Por toda a parte. Representam o pior da espécie humana, se é legítimo atribuir-lhes essa pertença pois falta-lhes coluna vertebral. Governo que se deixe rodear por eles, lhes dê ouvidos ou se deslumbre com os encómios em que se especializaram, está a meio caminho do autismo. A outra metade será da responsabilidade dos que vêem a política como se de um jogo de futebol se tratasse. Em conjunto, actuam sobre a componente narcisista que há em quase todos os homens públicos. Falam-lhes da história e de como esta os verá. São piores do que as sereias o eram para Ulisses. Alguma dessa gente já apareceu, ou reapareceu, em força, nestas duas semanas.

2. As medidas simbólicas que o Governo tomou foram erigidas, por eles, quase em reformas estruturais. Vai-se a ver e parece que os membros do Governo não pagam quando viajam pela TAP (vá-se lá saber a razão!) pelo que, para além do bom exemplo, a medida apenas granjeou a simpatia das tripulações da transportadora área nacional que, nesses voos, terão mais lugares em executiva para usufruírem das suas mordomias. A extinção dos cargos de governador civil e director-adjunto dos centros distritais de Segurança Social vão na direcção certa, conquanto o impacto nas contas seja diminuto. Quanto às poupanças decorrentes de um menor número de ministros e secretários de Estado, não são certas (depende de quanto vierem a custar os assessores) e podem ser pírricas se, com a constituição de superministérios, o Governo perder em eficácia numa altura em que era decisivo que funcionassem bem. Numa sociedade em que o simbólico tem importância, estas decisões são acertadas. Dão um sinal e apontam um sentido de mudança. Porém, se o Governo se deslumbrar com a amplificação que os seus zelotes lhe deram, corre o risco de repetir o percurso do anterior executivo.

3. Mesmo perante uma medida intrinsecamente má - o aumento de impostos associado à retenção do equivalente a metade do 14.º mês, isto é, cerca de 3,5% do rendimento - muitos não tiveram pejo em a elogiar. Como se uma medida pudesse ser boa ou má consoante a cor de quem a toma. A medida é má. Ponto final. Não há benefício da dúvida ou estado de graça que lhe valham. Porventura a menos má, em comparação com outras. Não sabemos, nada nos foi dito. Talvez se tenha tornado inevitável perante o propósito, que subscrevo, de dar um sinal de garantido empenhamento no cumprimento dos objectivos estabelecidos. Em excesso de zelo, alguns escribas e comentaristas invocaram como justificação a eventual derrapagem das contas públicas cujo estado teria sido ocultado. O Governo não o fez, não sabemos se para manter a promessa de Passos Coelho, se por saber não ser seguro que os resultados no 1.º trimestre comprometessem o objectivo de 5,9% para o défice anual. Saúda-se a honestidade intelectual, bem como se aceita que, por precaução, tenha posto mais peso nestas medidas (isto é, aumentado a percentagem e o âmbito da tributação).

4. Mais receita é uma forma de combater o défice. Errada - Portugal já tem uma carga fiscal excessiva. Inevitável - no curto prazo, não é fácil cortar significativamente nas despesas. Palpita-me que não ficaremos por aqui, nas receitas, e anseio por saber o que se vai fazer do lado da despesa e, em especial, no que toca ao estímulo à competitividade e emprego. Só então se poderá fazer uma análise séria.
[No JN]

4 comentários:

  1. Carvalho Guimarães05/07/11, 17:51

    Boa Tarde
    Provavelmente não irão gostar do comentário mas cá vai na mesma.
    Estou farto de críticas .Façam favor de apontar soluções, pode ser?

    ResponderEliminar
  2. Carvalho Guimarães,

    está no seu direito, de estar farto de críticas ou de outras coisas que não são para aqui chamadas.

    Acontece, que ninguém o obriga a passar por aqui, e depois, meu caro, as soluções, compete aos eleitos apresentá-las, porque é para isso que são pagos! A nós, ninguém nos paga para apresentar soluções.

    Uma sugestão:

    terá você soluções para apresentar?
    Aceitam-se propostas, esteja à vontade. Okey?

    ResponderEliminar
  3. Eu continuo a pensar que é tudo farinha do mesmo saco... Mas também acho que mudaram os ventos, mudaram algumas vontades. Por exemplo: se as agências de rating baixavam o rating, há poucas semanas atrás, era porque havia razões, agora, malandras, bandidas, têm de acabar.
    O estado estava gordo, tinha de ser emagrecido, baixar o défice pelo lado da receita e através de impostos, nem pensar, agora, lá vai o 13º mês, mas era inevitável, tinha de ser, isto estava pior do que pensavamos... enfim, mais do mesmo.
    Ah e para terminar, o rio disse que a linha Porto/Vigo não é relevante, não faz falta nenhuma...

    Soluções, pois, é difícil, quem quer mudar, encontrar gente e caminhos diferentes, tem tantos e tão grandes obstáculos que desiste e baixa os braços.

    Um abraço

    ResponderEliminar
  4. Caro Sr. Rui Valente
    ...Ora aqui está : de críticas está farto-e está no seu pleníssimo direito!- o sr.Guimarães! Soluções, manda ele apontar e,qto a mim ,existem, não são poucas e vão,grosso modo, desde o descalabro da atribuição do rendimento mínimo garantido,até ao uso e abuso da frota automóvel (topo de gama) dos srs governantes,mordomias de todo o género(telemóveis,cartões de crédito,gasolinas,viagens ...) da classe política e E.P.'s,passando pelo regabofe dos acessores "disto e daquilo" a nível de simples autarquias-a maior parte endividadas até ao tutano,por mor de gestões ruinosas,irresponsáveis e - quantas ! criminosas!? mas,"abençoadamente" impunes.Já se reparou,p.ex., em qtos seguranças "circulam" um qualquer sr. ministro ? Qto(nos) custa uma qualquer cerimónia a pretexto de coisas a MAIOR PARTE DELAS : show off ?!...Continuo a pensar que tão cedo NÃO teremos ninguém com tomates para pôr a coisa a funcionar e acabar cos os desmandos! Tanta inépcia consentida, desculpando as asneiras dos políticos,durante anos e anos a fio,só poderia p.e., ter chegado ao que culminou(?) em : cortes indiscriminados nos salários,na saúde,na educação,nas pensões,na esperança e solidariedade dos mais necessitados.Para que a tragédia seja plena e convenha, é ver o festival de opinions makers a enxamear as TV´s,a "justificar" a fatalidade deste povo que só não é (ainda) grego porque não... calha.E é vê-los cagando sentenças : - Já tudo se previa...Era um dado adquirido... PORRA! Ninguém nos avisou porquê, se já sabiam tudo?! Lembra-se, o meu amigo, do filme "Camões" em que este, mesmo flechado,sangrando e quase cego, investia como podia contra o inimigo e ia dizendo :"-Não faz mal, é por ...PORTUGAL !" ?...
    Pessoalmente, de Camões,tenho pouco, mas que "arranjava" soluções p'ra "crise",ai isso -seguramente, tivesse eu ... arco e flechas.
    Cumprimentos renovados
    João Carreira

    ResponderEliminar

Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...