01 abril, 2012

Dia das mentiras? E os outros 364?

Manuel António Pina
Hoje, oficialmente o dia das mentiras, proponho um desafio ao leitor, adivinhar quem repetidamente afirmou aos portugueses, olhos nos olhos e sem corar: «Nós não dizemos hoje uma coisa e amanhã outra.»

Talvez o leitor (e eleitor) precise de algumas pistas. Foi a mesma pessoa que igualmente afirmou: «Dizer que o PSD quer acabar com o 13º mês é um disparate»; e ainda: «Do nosso lado não contem com mais impostos»; e ainda: «O IVA, já o referi, não é para subir»; e ainda: «Se vier a ser primeiro-ministro, a minha garantia é que a [carga fiscal] será canalizada para os impostos sobre o consumo e não sobre o rendimento das pessoas»; e ainda: «Eu não quero ser primeiro ministro para proteger os mais ricos»; e ainda: «Que quando for preciso apertar o cinto, não fiquem aqueles que têm a barriga maior a desapertá-lo e a folgá-lo»; e ainda: «Tributaremos mais o capital financeiro, com certeza que sim»; e ainda: «Ninguém nos verá impor sacrifícios aos que mais precisam»; e ainda: «Não quero ser eleito para dar emprego aos amigos»; e por aí fora, que um ano é muito, muito tempo e a memória é curta, muito curta. 

Por algum motivo, o Dia das Mentiras é, nos países anglo-saxónicos, o April Fool's Day. Isto é, o Dia dos Tolos. «Tolos» são aqueles que acreditam nas mentiras inofensivas que, parece que desde a introdução do calendário gregoriano em França, no século XVI, mudando de 1 de Abril para 1 de Janeiro as festividades do Ano Novo, é tradição os media e os brincalhões dizerem hoje e logo desmentirem. E os que, num país onde já se realizaram, desde 1974, milhares de eleições, continuam a acreditar piamente em mentiras ditas em campanhas eleitorais e a levar a sério os mentirosos? (Outra pista: na pessoa que disse em campanha eleitoral todas as mentiras antes enunciadas  votaram em 5 de Junho do ano passado nada mais nada menos do que 2 159 742 portugueses...)

Fará sentido, num país onde profissionais da mentira mentem todos os dias do ano (e não falo só de políticos, falo igualmente de certos media), existir um Dia das Mentiras? Não seria mais apropriado existir antes um, um só que fosse, Dia das Verdades?

Nesse dia, ao contrário do resto do ano, só se diziam mentiras irónicas e improváveis que ninguém levaria a sério. Por exemplo: que a Dra. Manuela Ferreira Leite descobriu que é insuficiente renal crónica e agora defende que a hemodiálise para doentes com mais de 70 anos deve ser gratuita; ou que o Dr. Eduardo Catroga irá doar aos pobres e desempregados o seu salário de 639 mil euros na EDP porque a modesta pensão de 135 mil euros já lhe chega; ou que o trabalhador Américo Amorim vai finalmente sindicalizar-se; ou até que o árbitro Bruno Paixão decidiu ir a pé-coxinho a Fátima como penitência pelos pecados por pensamentos, palavras e, sobretudo, por obras cometidos no Gil Vicente-Sporting.

Nesse dia das Verdades, ou Dia das Mentiras Inacreditáveis, políticos, jornalistas e cidadãos comuns, só mentiriam a brincar ou, para variar (porque mentir sempre também cansa), apenas falariam verdade; os comerciantes cobrariam apenas o preço justo e revelariam aos clientes os defeitos dos produtos vendidos; os farmacêuticos diriam aos doentes acerca de certos medicamentos: «Beba um copo de água que faz o mesmo efeito»; os economistas com lugar cativo nas TV confessariam quando questionados sobre soluções para a crise: «Não faço a mínima ideia»; e Vitor Gaspar repetiria que Portugal voltará aos mercados em 2013 mas acrescentando: «Se Deus e a Sra. Merkel quiserem, claro...»

Talvez, quem sabe?, alguns acabassem por lhe tomar o gosto. À verdade, digo eu.

Nota de RoP:

Se o que esta brilhante crónica retrata, não correspondesse à mais profunda [mas lastimável] realidade, se não fosse uma súmula de factos, apenas requintados com umas pitadas de ironia, não me teria dado ao trabalho de a transcrever, letra a letra, sílaba a sílaba, uma vez que foi publicada na revista Notícias Magazine, incluída no JN de Abril, não me permitindo por isso a comodidade da colagem. 

Acrescentaria apenas que, a constatação e denúncia destes factos já não nos devia contentar o ego da nossa liberdade. Afirmá-lo, e escrevê-lo publicamente, já não devia bastar-nos. Numa Democracia adulta e séria  [cá está ela outra vez, a seriedade), há outra etapa a percorrer:  exigir que o crime passe a ter o respectivo castigo. Porque, mentiras desta gravidade, são pura traição à Pátria. 

2 comentários:

  1. Infelizmente para os Políticos governantes, todos os dias são dias das mentiras. Está no ADN dos nossos
    políticos, não saberem vender outra coisa que não seja banha da cobra.
    Quando a vida de milhões de pessoas, estão nas mãos de falhados!... estamos feitos.

    O PORTO É GRANDE, VIVA O PORTO

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  2. A Troika querida está surpreendida com o desemprego em Portugal... ah, ah, ah!

    A Troika querida já fala no corte do 13 e 14 meses, para sempre...cambada de FDP...

    Como diz um amigo meu, isto só lá ia de basuca.

    Abraço

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