Nas últimas décadas assistiu-se à saída dos advogados da primeira linha dos grandes combates sociais e à entrega das lideranças políticas aos economistas e aos homens do dinheiro. Os compromissos irredutíveis que antes se estabeleciam com as pessoas, com os seus direitos fundamentais e com a sua dignidade, cederam o lugar a outro tipo de compromissos mais virados para o dinheiro, para as empresas e para os negócios.
Os pais fundadores do atual regime democrático, ou seja, os líderes dos quatro principais partidos políticos que emergiram com a Revolução do 25 de Abril de 1974, eram homens de formação jurídica, profundamente comprometidos com os problemas sociais, que sabiam, como sabem os advogados, que a primeira exigência do Direito é o respeito absoluto pela pessoa humana.
Hoje, os dirigentes do país só se preocupam com dinheiro, como ganhá-lo e como o multiplicar nem que seja à custa dos mais desumanos sacrifícios impostos às pessoas. Estas não passam de números ou de pontos nos gráficos com que ilustram a sua visão da realidade. E quando há problemas é a realidade que está errada e, por isso, tem de ceder, nem que seja à força, perante a coerência formal das suas teorias.
Hoje, quem não tiver dinheiro não tem direitos. O Estado exige dinheiro - e cada vez mais - aos idosos para terem acesso à Saúde. E se o não tiverem que morram, então, sozinhos e abandonados em suas casas. O Estado exige dinheiro - e cada vez mais - a quem precisa de ir a tribunal para defender os seus direitos e interesses legítimos. Quem o não tiver que faça justiça pelas próprias mãos. O Estado exige dinheiro - e cada vez mais - aos estudantes para poderem estudar. Se o não tiverem, então que abandonem o ensino e vão explorar as excelentes oportunidades que o desemprego lhes oferece ou então que emigrem. São os próprios governantes que dizem aos jovens para procurarem outro país porque em Portugal não têm futuro. Não há melhor forma de ilustrar a forma como os nossos dirigentes encaram as pessoas e o país.
Na Justiça tudo é permitido para fomentar negócios privados. Em vez de dignificar e facilitar o acesso à Justiça pública, à Justiça soberana, o Governo está deliberadamente a dificultá-lo para obrigar os cidadãos e as empresas a recorrerem à Justiça privada, como as arbitragens, na qual alguns membros do Governo têm interesse direto e bem conhecido. É a velha tática de degradar deliberadamente os serviços públicos para obrigar as pessoas a recorrerem aos privados.
Este Governo, que se apresenta como o campeão do liberalismo em matéria económica, atua na Justiça como se o regime fosse uma ditadura querendo controlar (e criminalizar) todos os aspetos, por vezes os mais insignificantes, da vida dos cidadãos. Quer combater a criminalidade como nas épocas mais obscurantistas se perseguiu a bruxaria.
A fúria legisladora do Governo no mundo da Justiça ameaça a própria Justiça. Não há, nunca houve nem haverá Justiça digna desse nome num país onde as leis fundamentais são mudadas com esta vertigem. Será que os membros do Governo não pensam individualmente nas consequências para o país dessa instabilidade legislativa? Será que os deputados da maioria perderam todo o sentido de dignidade da sua função de legisladores e estão ali apenas para aprovar obedientemente todos os disparates legislativos que lhes sejam remetidos pelo Governo? O que se passou com a tentativa de criminalizar o enriquecimento ilícito a reboque de um tabloide de Lisboa, atropelando sem qualquer hesitação alguns dos princípios fundamentais da nossa Constituição, não os fará pensar, por um momento que seja, na dignidade da função de deputados?
Ou será que eles se conformam em estar ao serviço dos delírios legislativos de um Governo que não tem uma visão global e integrada dos problemas da Justiça e apenas está interessado em fazer ajustes de contas com os seus próprios fantasmas e criar condições para que em torno da Justiça floresçam e prosperem o mesmo tipo de negócios privados que outros fizeram florescer e prosperar em torno da Saúde?
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21 maio, 2012
Justiça e Política (1)
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