15 dezembro, 2013

Portocentrismo


 

Porto, Gaia e Matosinhos resolveram criar uma liga de cidadesquecendo o passado dividido, por vezes conflituoso. Procuram uma Frente Atlântica, que poderá mesmo dar origem a uma associação de municípios, para perseguir interesses comuns. Aquilo que, em abstrato, seria uma boa ideia tem todas as condições para se transformar num movimento divisionário típico do pior portocentrismo.

A forma mais benigna de olhar para esta nova liga é considerá-la um exercício exploratório de um objetivo de união mais amplo. Vale aqui recordar que Rui Moreira defendia há 10 anos a criação de uma única cidade, unindo o Porto, Gaia e Matosinhos, invocando a mais óbvia de todas as razões: não existe fronteira real entre as três. É bom de perceber que não é aceitável que três presidentes recém-eleitos coloquem sobre a mesa a fusão dos respetivos municípios, sobretudo quando tal não estava explícito nos seus manifestos eleitorais. Assim, iniciar um processo de aproximação mais técnico e menos político permitiria ir, paulatinamente, entranhando a ideia da cidade única. A verdade é que os três autarcas emprestaram à iniciativa um simbolismo político mais amplo do que um simples processo incremental de aproximação.

Abre-se, assim, espaço para uma leitura menos prosaica, que é a de que o Porto vira costas à região. A história recente da região Norte revela um espaço geográfico, administrativo e político muito dividido e muito desequilibrado, que entrou numa deriva de empobrecimento verdadeiramente vergonhosa. E, por muito que o Norte grite contra o centralismo de Lisboa, quase sempre com razão, a suposta liderança desta região tem também sérias responsabilidades nesta rota de insucesso. O Porto, sempre mais preocupado com o seu umbigo, não tem sabido nem querido liderar. Satisfaz-se com o exercício do controlo dos fundos do Programa Operacional Regional, capturando por completo as estruturas de decisão, esquecendo que, com isso, enfraquece toda uma região e, por maioria de razão, definha ele próprio.

A prova acabada desta visão curta é a declaração que os autarcas do Porto, de Gaia e de Matosinhos vão assinar contra "o reforço centralista" da RTP. É claro que o Centro de Produção da estação de televisão pública em Vila Nova de Gaia tem de ser preservado, e sobre isto sou insuspeito pois já o defendi neste mesmo espaço, mas o que estes três autarcas parecem ignorar é que esta é uma infraestrutura que serve e interessa a toda a região Norte. A lista de subscritores de tal documento teria de ser mais regional e menos portocêntrica.

Mas é ao nível da Área Metropolitana do Porto (AMP) que a nova Frente Atlântica causa mais engulho. A AMP foi recentemente redesenhada, num exercício cínico de lhe conferir uma massa crítica esmagadora face às restantes NUT3 do Norte. Foram assim considerados metropolitanos municípios como Arouca, Oliveira de Azeméis e Vale de Cambra, o que não deixa de ser surpreendente. A razão reside, naturalmente, na perspetiva de este ser um nível territorial supramunicipal privilegiado na atribuição de fundos europeus. Tal facto faria supor um aguçado apetite pelo controlo do Conselho Metropolitano. Surpresa das surpresas, assim não foi. Os municípios de maior peso mostraram-se muito desinteressados no processo, acabando por ser eleito presidente Hermínio Loureiro, um autarca muito competente que, todavia, representa um município de menor peso.

Percebe-se agora que havia já uma estratégia autónoma para a captação de fundos por parte de Porto, Gaia e Matosinhos, a qual será, quer queiramos, quer não, conflituosa com a estratégia que estava já a ser iniciada pelo Conselho Metropolitano do Porto. O facto de este órgão não ter tido conhecimento da nova liga de cidades é bem elucidativo.

O desconforto está instalado a todos os níveis. Na capital, o que me preocupa pouco, mas também na CCDRN, na AMP e em muitas das mais importantes cidades e municípios da região.

Não escondi o meu ceticismo quando, no seu discurso de tomada de posse, Rui Moreira se referiu a uma liga de cidades. Achei a ideia demasiado vaga para merecer uma referência explícita. Esperei. Confesso hoje que o meu ceticismo, ao invés de se diluir, se intensificou. Temo que possamos ter mais do mesmo.

Nota de RoP:

Sempre embirrei com esta mania, [ainda mal resolvida], de relacionar o protagonismo do Porto com o portocentrismo [versão "regionaleira" de centralismo que alguém, em má hora, se lembrou de inventar]. Em primeiro lugar, porque a responsabilidade  de descentralizar ou concentrar o poder, parte, antes de mais, de quem o detém, ou seja, do Governo central, e não das autarquias, cujas competências já de si limitadas pouco podem fazer e decidir a nível nacional contra a macrocefalia do poder do Terreiro do Paço. Em segundo lugar, porque por vezes se confunde o dinamismo próprio e histórico de cada cidade/região com a vontade intrínseca de nelas concentrar o poder, secando todas as outras. O Porto, tal como Braga [o autor do artigo é bracarense], tem a sua história ligada à do país, ainda mais importante que a da própria capital.

O autor tem razão quando refere que o Norte "tem empobrecido nos últimos anos o seu espaço geográfico, administrativo e político", mas mais por culpa do marasmo dos nortenhos em geral, do que por culpa exclusiva dos portuenses, porque de facto, ainda não foram capazes de se unir e afirmar como um contra-poder respeitável. Mas, não me parece oportuno, nem feliz, que no momento em que Rui Moreira consegue dar o primeiro passo no sentido de juntar as forças políticas do Grande Porto, coligando-se estrategicamente com as câmaras de Matosinhos e Vila Nova de Gaia, se veja nisto a intenção de virar as costas ao resto da região. Pelo contrário, pode ser o primeiro dos pequenos grandes passos que será preciso dar, com a inclusão das principais cidades nortenhas. Francamente, não creio que Rui Moreira tenha uma visão tão curta e mesquinha da descentralização.

Por isso me parece algo precipitada a conclusão de José Mendes, de mais a mais, quando a presidencia da CCDR-Norte não tem sabido bater o pé às decisões arbitrárias do governo central, como aconteceu recentemente, com o cancelamento abrupto de uma conferencia previamente marcada com o Governo no sentido de o informar sobre as necessidades e os destinos dos fundos europeus. O Dr. Emídio Gomes, limitou-se a calar e obedecer. O que me leva a concluir que este artigo foi redigido sob o efeito de alguma pressão, com os preconceitos regionalistas do costume, esses sim, divisionistas. 

Falar de portocentrismo depois de tantos entraves e marchas-atrás à Regionalização, é um contra-senso. O poder não está no Porto. O Porto é vítima do centralismo, tanto quanto Braga, o Norte e, sobretudo, o nordeste transmontano.

8 comentários:

  1. TOTALMENTE de acordo com o comentário do Rui Valente.

    E se alguém tem protagonizado alguma luta contra o nefasto CENTRALISMO são pessoas do Porto, o rsto é quase um marasmo total e por vezes um abanar de cabeça (sim).

    A José Gomes dou-lhe muita atenção no programa Polo Norte (excelente)do POROCANAL, mas aqui meteu AGUA da GROSSA.

    Eu gostava de ver este comentário do Rui Valente enviado para o José Gomes ao cuidado do programa POLONORTE mediado pelo Jornalista David.

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  2. O nome do articulista é José Mendes, vice-reitor da Universidade do Minho (se não me engano).
    Vou mesmo enviar o post com o comentário.

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  3. É mesmo José Mendes foi lapso meu.

    Acho bem oportuno o envio do comentário do Rui Valente talvez ao cuidado dele - José Mendes -, programa POLONORTE.

    Vejo com muita atenção este programa POLONORTE às sextas - 23h - e com frequência não dou o tempo por perdido.

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  4. Acredito que a ideia dos presidentes das Câmaras do Porto, Gaia e Matosinhos é benigna, que José Mendes foi demasiado rápido areagir, nem sequer esperou para ver. Mas com o tempo tudo se esclarecerá e o fundamental, regionalizar, reinvindicar o que é de direito para o Norte, será feito por todos e não apenas por alguns.

    Abraço

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  5. Caro Rui Valente,

    Este "medo" que existe na região Norte, do Porto se tornar numa nova Lisboa é real. Basta falar com algumas individualidades do Minho, Alto Minho e Trás dos Montes para perceber isso.
    Se eu sei disto, também os políticos do Porto o sabem e deveriam ter tido algum cuidado na gestão desta matéria até porque este "medo" é aproveitado por todos aqueles que estão contra a regionalização.

    Para mim regionalização não é criar novos centralismos, por isso a ser criada uma região norte, a sua sede politica e administrativa seria na cidade de Vila Real.

    Abraço

    F. Couto

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  6. Sem Braga não haverá nunca Região Norte. Rui Moreira devia obrigatoriamente essa noção e não tentar impor factos consumados sem reunir na mesma mesa todos os interessados.

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  7. Rui Moreira colocou o carro à frentes bois. Devia primeiro ter falado com todos os interessados. Sem Braga não haverá Região Norte.

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  8. Viva António!

    Eu estou convencido (se calhar mal, admito)que o Rui Moreira sabe disso, e que no momento oportuno alargará a Frente Atlantica a outras regiões. Tem de ser.

    Um abraço e um Bom Ano!

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