07 abril, 2015

Repensar as nossas possibilidades

Mariana Mortágua



Lembrei-me das entusiasmadas palavras do primeiro-ministro, que apregoava o novo e saudável modelo económico português, assente na justiça social, e livre do endividamento, a propósito de duas pequenas notícias que saíram a semana passada. A primeira, uma investigação do "Dinheiro Vivo", diz-nos que as empresas cotadas do PSI-20 distribuíram, no ano passado, mais de 1,8 mil milhões em dividendos, acima do valor de 2007. Ao mesmo tempo, nos últimos oito anos, aumentaram a dívida em 23%, para 37 mil milhões de euros.
Apesar da crise, dos despedimentos, dos prejuízos e da necessidade de investimento, as grandes empresas portuguesas estão a distribuir mais dinheiro aos acionistas do que faziam antes da entrada da troika no país, quando vivíamos "acima das nossas possibilidades".
A PT é, aliás, um belíssimo exemplo disto mesmo. Uma empresa que, há 20 anos, antes de António Guterres lhe ter aberto as portas às maravilhas do mundo privado, valia mais 75% do que vale hoje, depois de por lá ter passado o melhor CEO do Mundo. Entretanto deu mais de 11 mil milhões a ganhar em dividendos aos seus acionistas, embora a dívida se fosse acumulando. Não é a única.
A EDP, que cobra as astronómicas contas de eletricidade em Portugal, lucra cerca de mil milhões ao ano. Em 2014 distribuiu 67% desse valor em dividendos, quase nada ficou em Portugal. Ao mesmo tempo, o gigante elétrico apresenta uma dívida de 17.083 milhões de euros, cerca de 10% do PIB português.
Mas vamos à segunda notícia, outro exemplo de como a austeridade pode ser tão seletiva. A REN prepara-se para pagar aos seus administradores mais 26% em 2015, ao mesmo tempo que corta 2% nos custos totais com pessoal. Há que fazer escolhas, não é?
Já nos bons velhos tempos de 2013 a PT pagava à volta de 1 milhão a Zeinal Bava, mas isto foi, é claro, nos bons velhos tempos. Hoje a PT não se pode dar a estes luxos. Mas a EDP pode, e paga um valor semelhante a António Mexia. Na GALP o salário de CEO chega aos 1,7 milhões.
Salários milionários, dividendos impossíveis e dívida. Tem sido esta a fórmula da maior parte das grandes empresas portuguesas, na sua maioria privatizadas, a operar em lucrativos monopólios naturais. Era assim antes da troika, e continua a sê-lo depois.
A nova economia que Passos Coelho apregoa não passa da mesma velha e relha economia. Mudaram os donos e os CEO.
[do JN]                                                                                                                                                
Nota de RoP: 
É uma pena que os partidos à esquerda do PS (BE, PCP, PEV, etc.), não se determinem a constituir-se como alternativas de governo. Desta maneira, - e apesar dos fracassos históricos dos partidos do arco governativo -, acabam dando alguma "razão" a estes últimos,  quando os tratam como partidos menores, e demagôgos. É que, se há demagogia (e incompetência) provada e comprovada, é exactamente a dos partidos que têm "governado" o país. As aspas, dizem tudo.  





























1 comentário:

Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...