03 dezembro, 2015

Aves de arribação






RAFAEL BARBOSA
JN
1 Por definição, uma ave de arribação nunca fica muito tempo no mesmo sítio. Não é certo sequer que arribe, num ano, no mesmo local do ano anterior. É um ser egoísta, voga ao sabor de interesses exclusivamente particulares, sem prestar contas, sem preocupações com o impacto que a sua ausência, prolongada ou definitiva, possa ter sobre o ecossistema.
Um perfil zoológico que assenta como uma luva a muitos capitalistas que também protagonizam comportamentos selvagens. É o caso da decisão iminente dos novos donos da TAP sobre o fim dos voos de longo curso a partir do Aeroporto do Porto. Como alertou Rui Moreira, em cima da mesa está a concentração dessas operações em Lisboa, remetendo a aerogare nortenha para o nível de apeadeiro, com as consequências que isso terá no ecossistema dos negócios e do turismo. Não foi preciso esperar muito tempo, como se vê, para comprovar as consequências de transformar uma empresa pública numa empresa privada, ou seja, uma ave doméstica numa ave de arribação. A TAP é agora livre de trocar o estuário do Douro pelo do Tejo. E no futuro pela baía de Guanabara. É essa a natureza das aves e do capital de arribação, alojar-se onde lhes sejam garantidas maiores probabilidades de reprodução. E é também por essa razão que, em muitas sociedades evoluídas que optaram pela economia de mercado, há setores estratégicos que são mantidos na esfera pública, total ou parcialmente. O alerta de Rui Moreira é importante, mas assenta no equívoco de que o consumidor tem escolha. Fazer escala em Frankfurt ou Istambul é uma escolha tão má como fazer escala em Lisboa. Na verdade, nem à TAP devia ser permitido desistir do Porto, nem o Porto se devia dar ao luxo de desistir da TAP.
2 A baía de S. Paio, no estuário do Douro, é um poiso habitual de aves de arribação. Nem todas, no entanto, têm a graciosidade da garça-real, que por ali aparece no inverno. Na margem de Gaia, vão nascer três torres de oito e nove pisos. O projeto inclui nove edifícios, mas é pelos três junto ao rio que a Douro Habitat - empresa de capital de arribação israelita - quer começar. São os que têm melhor vista sobre as garças, o que antecipa lucros fabulosos aos patos-bravos. Uma espécie que gozou da proteção de Luís Filipe Menezes: não só os premiou com o aumento da área de construção e a possibilidade de acrescentarem dois andares a cada torre, como permitiu que ocupem leito de cheia. Decisão que, pasme-se, contou com a autorização da Agência Portuguesa do Ambiente, cuja única preocupação foi garantir que os prejuízos de futuras enchentes do Douro sejam "da exclusiva responsabilidade do requerente". Os patos-bravos também arribaram na Agência do Ambiente. Só pode ser essa a explicação.

2 comentários:

  1. A ser verdade os portuenses e Nortenhos ficariam mais bem servidos em irem a Madrid do que irem a Sul de portugal. Isto é mais uma prova, que o vendilhão lesa pátria Passos Coelho e seus discípulos, vendiam tudo mas não salvaguardavam nada, então se fosse só a Norte melhor ainda.
    Estou convicto que este Governo de António Costa não vai deixar que isso aconteça, era simplesmente uma vergonha.

    Abílio Costa.

    ResponderEliminar
  2. Por tudo isto é que os PAFiosos não queriam perder o poder, para continuarem a garantir negócios para os familiares e amigos, este exemplo da TAP e uma gota de água no oceano das privatizações que eles fizeram, a EDP os CTT os transportes públicos de Lisboa e Porto, foi um assalto ao bem público em beneficio dos privados, tudo isto a pretexto da troika.Deviam ser responsabilizados pelo mal que fizeram ao país, eles e quem votou neles.
    Abraço
    Manuel da Silva Moutinho

    ResponderEliminar

Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...