Mais do que uma vez disse que tinha “mixed feelings” em relação ao Brexit, era sensível a argumentos a favor ou contra a permanência do Reino Unido, embora estivesse convencido que no fim ganharia o “remain” por uma pequena margem. Depois do assassinato da deputada trabalhista, pensei que o efeito perverso seria inverter as tendências que apontavam para a vitória do “Brexit” e foi isso que pareceu nas últimas sondagens. No entanto, nada disso se verificou e basta olhar para o mapa dos resultados para percebermos como a divisão do voto no referendo penetrou fundo no tecido social, nacional e político inglês. Vai muito para além dos anátemas com que os europeístas quiseram exorcizar um monstro que em grande parte criaram quando estão há décadas a erodir a democracia na Europa.
“Take our country back” é um slogan poderoso, entre outras coisas, porque é verdadeiro. O “país”, sob formas mais ou menos capciosas e nunca legitimadas pelo voto com a clareza que é precisa nestas matérias, tinha de facto sido “roubado”, como aliás acontece com muitos países da Europa, a começar pela Europa do Sul. Querer impor sanções a Portugal e Espanha e não à França, porque “a França é a França”, como diz Juncker, é o exemplo do que é a Europa de hoje, indiferente ao voto nacional, comportando-se de forma diferente conforme o tamanho dos países, e correndo para punições como um polícia velho. Aliás o referendo inglês teve algo de parecido com o grego: as tácticas do medo reforçaram o sentimento nacional.
No Reino Unido não votaram os anti-emigrantes contra os amigos dos emigrantes, porque o benefício que Cameron levou para a campanha, dado por uma Europa sem princípios, foi exactamente a excepção para o Reino Unido de poder retirar direitos aos emigrantes. No Reino Unido não votaram os velhos contra os jovens, o campo contra cidade, os populistas emotivos contra os “racionais”, os que olham para o “futuro” contra os que olham para o “passado”. Votaram os escoceses a favor da independência da Escócia por via do sim à Europa, votaram os irlandeses do Norte que não querem uma fronteira externa da União ao lado da República da Irlanda, e votaram os mais pobres e mais excluídos, tirando o tapete ao Partido Trabalhista, e recusaram o voto a tudo quanto é grande interesse, a começar pelo capital financeiro e pelas grandes empresas que são, há muito, mais internacionalistas do que qualquer Internacional Comunista.
Era uma combinação muitas vezes contraditória de intenções de voto? Era, mas as democracias são assim. E os ingleses têm uma velha democracia, e um conjunto de “peculiaridades”, que permitiram a E. P. Thompson um dos mais notáveis ensaios sobre como o adquirido democrático e liberal, penetrou tão fundo no Reino Unido sem paralelo na Europa, e “pertence” a todos. Dohabeas corpus, ao julgamento por um júri, do respeito pelas tradições próprias mesmo quando parecem irracionais e pouco eficazes, como seja a recusa do sistema métrico, ou a condução pela esquerda, a resistência ao controlo de identificação, a momentos que só podiam acontecer em Inglaterra como o apoio dos homossexuais aos mineiros durante as grandes greves contra Thatcher, que ainda hoje faz com que um dos sindicatos mais duros do Reino Unido, participe por gratidão nas paradas gay. Existe uma forte cultura nacional identitária. Umas coisas são mais importantes, outras menos e nem todas são boas, mas isso é que significa “ser inglês”, um complexo de história, cultura, tradição, laços de identidade, que justificaram o “take our country back”.
Os burocratas europeus e os interesses internacionais do dinheiro não percebem esta realidade, e acham que é um anacronismo, mas Jean Monnet, um dos fundadores de uma Europa que já não existe, percebia-o bem demais. E por isso defendia uma Europa de iguais, de “pequenos passos”, de solidariedade e que, para existir, tinha de ter em conta a diversidade das nações. Uma classe política como a portuguesa, que andou anos a jurar nas campanhas eleitorais que não era federalista e que agora acordou toda federalista e hiper-europeia, não percebe isso, porque há muito perdeu os laços com a identidade nacional e aceita tudo. Aceita tudo agora porque o modelo económico imposto é próximo dos seus interesses, porque se a política europeia fosse keynesiana, havíamos de os ver todos anti-europeus.
(do Público)
Oxalá.
ResponderEliminarMas as pessoas estão tão comodistas que mesmo pagando empréstimos toda a vida (20,30,40 anos), e com os níveis de desemprego da nossa sociedade, querem "estabilidade" e de repente são todos super europeístas.
Sinceramente gabo a paciência de indivíduos como o Pacheco Pereira para explicar coisas tão óbvias a tanto burro comodista.
O Pacheco Pereira é um homem que não aprecia o desporto, e o futebol é um deles.
ResponderEliminarNão gostei da forma como lidou com o caso Apito Dourado, quando sabia que as coisas de que acusavam Pinto da Costa eram mais um modo de atingir um fim (acabar com a hegemonia vitoriosa do FCPorto) do que factos substancias de corrupção. Falhou por se ter deixado entrar na onda puritanista dos media centralistas sem incluir nas críticas o clube mais corrupto e promíscuo do país que é o Benfica. Esquecendo isso, é dos poucos políticos cujas ideias mais respeito. Num dos últimos programas onde se falava do "vôo de Paulo Portas para a Mota Engil, era ver espalhado no rosto dos outros dois comentadores o embaraço que as críticas de Pacheco Pereira lhes provocava...É ele que dá credibilidade ao programa Quadratura do Círculo e é por ele que o vejo. O Chico Balsemão não é burro...
Totalmente de acordo. Já odiei o Pacheco Pereira, já o ignorei, agora leio quase tudo o que escreve pelo simples facto de que faz sentido.
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