10 agosto, 2016

O que não fazer quando tudo arde

No Carnaval, temos os corsos e os gigantones; no Natal, as rabanadas e o Menino Jesus; na Páscoa, o folar e as amêndoas; e, no verão, os fogos florestais. Somos, para o bem e para o mal, um povo rendido à tirania das tradições. Somos o país que arde e reage ao fogo. Que canaliza dinheiro para aviões, helicópteros, fatos especiais - porque é mais fácil, porque requer apenas um conhecimento rudimentar de engenharia financeira (tirar daqui para meter ali) -, somos o país que tarda em definir uma conveniente política estratégica para a floresta, um país que não age por antecipação, que não sossega enquanto não replanta a mata ardida, desconhecendo que, nalguns casos, isso é o mesmo que lançar gasolina para a fogueira.

Habituámo-nos a olhar para os incêndios como uma fatalidade nacional, encolhemos os ombros, rezamos, crentes e não crentes, para que os bombeiros atuem depressa. Depositamos nos seus ombros a total responsabilidade de nos livrarem deste mal que nos assola com uma brutalidade que só não é mais nociva porque já a inscrevemos no calendário. É rotina.

A época dos fogos (podem tentar convencer-me do contrário, mas decretar uma época dos fogos e dividi-la por fases é o mesmo que oficializar um convite a quem nutre especial atração pelas chamas ou vê nelas um sorrateiro proveito) começa sempre da mesma maneira e conhece sempre o mesmo desfecho.

Discutimos os meios, politizando os argumentos, andamos às cabeçadas sobre quem manda em quem, esgrimimos convicções sobre o valor do dinheiro que queimamos em aluguer de aviões. Sobre o que realmente importa discutir, zero. Nada.

Os fogos, para nós, são entidades abstratas que emergem da bruma a partir de julho e recolhem ao tugúrio sombrio em setembro. Os fogos, para nós, não são ameaças em janeiro ou fevereiro. Muito menos em outubro. Debater a limpeza das matas no inverno soa-nos quase insultuoso (para quê, se está a chover?), desenvolver programas de treino para os bombeiros meses antes de as sirenes soarem nos quartéis seria extemporâneo, porque nos habituamos a que eles, por via da sua bravura, ajam, por vezes, muito com o coração e pouco com a cabeça.

Mas não seria útil a um país que fazia (faz?) gala de ter na floresta uma das suas mais resplandecentes joias parar um pouco para refletir? Não deveria o Governo - este e os que o antecederam - promover uma ampla discussão nacional para, de uma vez por todas, deixarmos de assistir ao mesmo filme, ano após ano? A não ser que queiramos culpar a natureza pelo nosso infortúnio coletivo. Isso: a culpa é das alterações climáticas. Cheguem-lhes fogo.

* Este texto tem seis anos. Foi publicado originalmente neste jornal a 13 de agosto de 2010. Lamentavelmente, continua atual. O que prova que a nossa apetência natural para discutir os problemas continua a ser desproporcional à nossa capacidade para os resolver. Em 2022 falamos.

(Pedro Ivo Carvalho-JN)



Nota de RoP:

Como o autor da crónica do JN, mais do que os incêndios, o que mais inquieta, é a negligência dos sucessivos governos em matéria preventiva. Já repugna a a ladaínha do costume: são precisos aviões, carros de bombeiros (enfim dinheiro), tudo, menos o mais importante:  prevenção. Obrigar os proprietários dos terrenos, sejam eles do Estado ou particulares, a cuidar das matas, e inflingir pesadas coimas aos incumpridores. Ainda há dias, numa viagem pelo Douro, comentei com a minha mulher a anarquia urbanística implantada em plenos montes em zonas belíssimas no Douro, o que significa que os planos directores são uma treta. 


Por este andar nem o Douro profundo vai escapar.  É como eu digo, em Portugal despreza-se o rigor da lei. Só nestas alturas é que todos se lembram de chorar. 

Como o jornalista, também escrevi vários artigos sobre este assunto, que muita me perturba, e já se passaram uns anitos. Se viver, daqui a 20 anos, aposto que está tudo na mesma. Uma vergonha! Um deles foi publicado no extinto Comércio do Porto, em 2005, portanto há 11 anos! Como é possível levar a sério a classe política? Só mesmo os mentecaptos.

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2 comentários:

  1. Com esta gente que nos governa, estamos a falar de um País ou de uma República das Bananas...

    Abílio Costa.

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  2. COSTA DO CASTELO
    Como viver com este flagelo e muito menos viver com criminosos de fogo posto que são libertados.
    Este país ainda está em vias de ser alguma coisa, é um país de Padrinhos, centralista, injusto e incompetente. Qualquer dia vamos ver um filme de terror, o criminoso que manda o juiz para a cadeia, mata-se um governante por dá cá aquela palha, a mentira passa ser a verdade e o benfica tem que ser sempre campeão porque são 14 milhões de pessoas, eu não sei em que cinema vai esta longa metragem, mas, que eu não vou ver, garantidamente...

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...