A RTP3 vai passar em breve a ter emissão em sinal aberto. É uma boa notícia, ainda que não seja do agrado dos operadores privados. Precisamos de projetos descentralizados, que promovam outra agenda informativa e que criem renovadas elites. E isso é uma obrigação do operador público.
Em Portugal, a informação jornalística faz-se maioritariamente com factos e fontes de Lisboa. Em consequência, o espaço público por onde circulamos revela-se cada vez mais rarefeito, de tão asfixiado que está por um restrito grupo de elites que se vai perpetuando em diferentes palcos do poder também graças a uma lógica monocórdica que se instalou nos média. Ao nível da Imprensa, o "Jornal de Notícias", com a sua Redação central no Norte, rasga o domínio de uma Imprensa pensada a partir da capital, mas é o operador público de média quem tem mais responsabilidades na promoção da diversidade informativa e isso vai acentuar-se com a integração da RTP3 na televisão digital terrestre (TDT). Sendo emitido em sinal aberto, o canal público de informação tem de apresentar uma identidade distintiva dos seus congéneres do cabo e isso passa, acima de tudo, por uma informação diferenciada, mas que procure em permanência a audiência.
Alterando a plataforma de emissão, a RTP3 vai precisar de ajustar a sua filosofia de programação e apurar a linha editorial de informação. E isso consegue-se pela qualidade do serviço, pela diferenciação relativamente à concorrência e pela promoção de um valor internacionalmente invocado em matéria de serviço público de média (SPM): a diversidade. Que, neste caso, poderá assentar em três eixos: o da programação, o da agenda informativa e o dos convidados chamados aos plateaux.
Uma grelha de programação de um canal de informação público tem de ser ousada nos formatos que emite, rigorosa nos noticiários que produz e criativa na forma como concebe cada produto. A RTP3 será de imediato confrontada com a dúvida acerca da integração de programas que falem de futebol. Não é por serem âncoras de audiência que esses formatos aí se legitimam (ainda que o SPM tenha a obrigação de reter audiências), mas porque reúnem interesse público e conquistaram créditos nos últimos anos. No entanto, a oferta do canal de informação não se pode esgotar aí, principalmente em horário nobre. Todos sabemos que as grelhas televisivas são conservadoras, mas a RTP3 tem obrigação de arriscar. Convém lembrar que a história da televisão portuguesa mostra que o risco compensa...
A agenda informativa dos média vive hoje um gravíssimo problema de saturação e de mimetismo. Em Portugal, as redações seguem uma estrutura circular de informação, concentrada em acontecimentos que ocorrem em Lisboa. Há um país que está longe da capital e que é invisível para todos, porque não é mediatizado. Ora, tendo várias delegações no país e no estrangeiro e centros de produção descentralizados, a RTP está numa posição privilegiada para promover uma agenda diversificada. O "Jornal da Tarde", na RTP1, e o "Jornal 2", na RTP2, são projetos que todos os dias ganham forma a partir do Centro de Produção do Norte e é graças a isso que esses noticiários integram uma agenda de acontecimentos diferenciada e com indiscutível interesse (do) público. Há que reforçar esses formatos (alargando equipas e promovendo-os mais) e criar outras réplicas na RTP3. Para que os públicos se revejam numa TV informativa que pertence a todos.
Tendo desenvolvido estudos académicos sobre os convidados dos plateaux informativos da TV portuguesa desde o início dos anos 90, tenho constatado invariavelmente que apenas a RTP consegue quebrar o domínio absoluto de Lisboa. E isso acontece porque o operador público emite em determinadas franjas horárias a partir do Norte. Essa descentralização da emissão, que deveria ser mais acentuada, é o elemento mais diferenciador da TV pública portuguesa. E essa variável deve ser mais explorada nos próximos tempos no canal de informação que passa a ser acessível a todos. Portugal precisa de novas elites, de ter acesso a outros modos de pensar o país e o Mundo. E não atirem o argumento de falta de massa crítica fora de Lisboa. O "Jornal 2" prova diariamente que é possível criar um estúdio informativo diversificado. É preciso renovar as elites da TV cujo pensamento vai fossilizando. Eis aqui uma oportunidade que a RTP3 não pode perder.
Felisbela Lopes (JN)
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