16 dezembro, 2016

A reforma que não existe (II)

David Pontes
(JN)
Às vezes, desculpem lá, tem mesmo de ser. Temos mesmo de nos fazer os chatos do "eu não vos dizia?" Não para enaltecer as nossas qualidades de videntes, mas para tornar bem claro que há comportamentos que estão escritos nas estrelas e que por muito que deem palha ao burro ele só come se quiser.

Em abril deste ano, escrevi, numa crónica com o mesmo título desta, sobre a morte anunciada da reforma do Governo para as áreas metropolitanas (AM) que, nas palavras do ministro Eduardo Cabrita, faria com que os eleitores tivessem "quatro boletins de voto" nas próximas eleições autárquicas.

Depois de meses de propostas e reuniões, António Costa despejou a banheira e o bebé no último debate quinzenal, deixando cair a eleição direta dos líderes das AM em "benefício de um maior consenso". O consenso já sabemos qual é: em ano de eleições autárquicas ou quando estamos na Oposição, somos a favor da descentralização, depois no Poder é só uma questão de promessa não cumprida.

Para além da conceção esdrúxula desta reforma, já se tinha percebido que dificilmente a solução colheria os votos do PCP ou do PSD e que o presidente da República (que no passado torpedeou a regionalização) dificilmente deixaria passar uma lei sem que ela tivesse a aprovação de dois terços da Assembleia. António Costa, hábil como poucos, remeteu agora a questão para os presidentes das AM a quem convidou para apresentarem as suas propostas aos grupos parlamentares. Reparem, o primeiro-ministro socialista faz depender uma reforma que inscreveu no programa do Governo da iniciativa de um presidente de câmara do PSD e de um independente...

Resta-nos pois esperar que o bom senso de Hermínio Loureiro e de Basílio Horta ajude a que se avance alguma coisa na definição de competências de um organismo que ainda pode melhorar muito. Talvez possamos cultivar uma ténue esperança que a experiência autárquica do primeiro-ministro o incentive a dar alguns passos na descentralização do Estado para os municípios.
Mas se olharmos para a forma como esta "reforma" foi descartada, se lhe somarmos a vontade de, a bem da "geringonça", não ter grandes picardias eleitorais com o PCP, é plausível dizer que um partido, que nem candidato próprio terá na segunda cidade do país, não diz "que se lixem as eleições" autárquicas, mas andará perto de querer levantar ondas o menos possível no próximo ano eleitoral.


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