03 outubro, 2007

As novas elites

As reacções à vitória de Menezes têm sido elucidativas acerca do pensamento de certas "elites" sobre a democracia. Até agora, sempre que esta lhes proporcionava as vitórias e os desejados empregos, o sistema um homem um voto era apresentado como o verdadeiro paradigma para as sociedades humanas se governarem; devendo todos os cargos de poder ser directamente eleitos segundo ele. Mas - sim, há sempre um mas -, esse princípio só é verdadeiro se forem eles os eleitos. Caso o "povo" os ignore, e eleja outros fora do círculo dos ungidos, o princípio deixa de ser verdadeiro e passa a ser classificado como verdadeira perversão à ordem natural das coisas.

A Internet, e outros fenómenos, são responsáveis por uma fantástica revolução ainda mais transformadora das realidades sociais que a queda do Antigo Regime. Mais uma vez as aristocracias caem e são substituídas por novas elites. A Internet, além do acesso generalizado às fontes de informação, permite hoje algo ainda mais importante: permite a todos produzir informação e opinião sem intermediários. Já não precisamos de demiurgos. Já não precisamos daqueles cujo poder era a sonegação da informação e a sua libertação na quantidade e qualidade condizente com os seus próprios interesses. O mesmo se passa na produção de ideias: se todos tivermos acesso à informação necessária, munidos com ela, todos somos capazes de a analisar, comparar realidades, tirar conclusões e produzir novas ideias. Hoje em dia os que lêem opinião nos blogues já superam em muito os que a obtêm nos meios tradicionais. O número dos que produzem ideias e as publicam, com acesso praticamente gratuito e universal, é de tal modo elevado que já não são sequer realidades comparáveis. Todo um conjunto de novas elites tem vindo a emergir. Elites diferentes; já não hieráticas e hierarquizadas, mas adhocráticas e comuns; efémeras, temporárias e perecíveis; que se formam para levar a cabo um determinado objectivo e se desfazem de seguida para, mais à frente, noutro lugar, noutro tempo, se voltarem a formar com elementos diferentes e objectivos diferentes. Um dia até os partidos serão assim. Serão os "partidos causa", que se reunirão em defesa duma causa e objectivo para depois desaparecerem quando esse objectivo for conseguido, dando lugar a outros partidos diferentes com novos objectivos e novas matrizes. Às velhas elites, as aristocracias da cátedra, dos media e da política, acontecer-lhes-á o mesmo que aconteceu aos carroceiros quando inventaram os automóveis: ficaram desempregados. Podem sempre fazer o que fez a aristocracia que sustentava os Romanov na Rússia: aprender a conduzir e transformarem-se em motoristas de táxi nas ruas de Paris.

O que se passou no PSD é já em parte a manifestação de todas estas novas realidades pós-modernas. Acreditem que os grupos de discussão e troca de informação baseados na Internet tiveram um contributo importante na "hecatombe".

Mas fantástico, verdadeiramente fantástico, tem sido assistir a distintos "democratas" como Mário Soares, Francisco Louçã, Marcelo Rebelo de Sousa e Pacheco Pereira, entre outros - tudo gente centralista, elitista e nada liberal -, a diabolizarem o princípio das eleições directas para todos os órgãos de poder, acusando-o de abrir as portas ao, segundo eles, horrível "populismo". Álvaro Cunhal deve neste momento rebolar-se de riso no túmulo: afinal ele tinha razão, não há nada melhor que o Centralismo Democrático. Este é imune a surpresas: são sempre eleitos aqueles que a "vanguarda" considera adequados. O problema é que o "povo", depois de lhe tomar o gosto, jamais deixará fugir o poder de decidir quem manda.

2 comentários:

  1. Muito bem A. Alves. Magnífico trabalho.
    Por que é que não publicou na Baixa?
    Acho que o Tiago publicava.

    Abraço

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  2. a questão não é essa. pareceu-me que está um pouco fora do espírito da baixa

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...