24 abril, 2008

Os mistérios de Sócrates

Se fosse possível auscultar a seriedade intelectual do ser humano, saberíamos exactamente qual é o estado de espírito de José Sócrates quando se ouve a si próprio e, preferencialmente, qual o nível de credibilidade que podíamos atribuir aos seus permanentes manifestos de optimismo tantas vezes deslocado da realidade. Como não é possível, só podemos intuir.

Ora, a minha intuição diz-me que Sócrates leva demasiado a sério a sua auto-confiança. Tão demasiado a sério, que se esquece do fundamental, que é do feedback do seu discurso nas massas, sem condicionalismos de classes e territórios. Não o fazendo, preferindo ignorar a sua condição de simples mortal passível de errar, Sócrates arrisca-se a cometer um erro bem mais grave: o do autismo.


Esquece, que antes dele, houve outros "Sócrates" (com nomes menos sugestivos), igualmente candidatos a filósofos, que também estavam cheios de certezas e que raramente se enganavam. E antes desses, outros igualmente 'seguros' imitaram o estilo sem contudo nunca terem conseguido dar provas da sua eficácia. Todos seguros à partida, mas todos derrotados no fim. Pouco ou nada do que desenvolveram das suas políticas agora se aproveita, o que nos leva a garantir sem margem para hesitações que se enganaram.


Apesar disso, o estilo fanfarrão, teórico, autista, continua, o que prova que Sócrates nada aprendeu com as asneiras dos outros. E é dramático que tal esteja de novo a acontecer, porque não é Sócrates nem "sus ministros" quem mais irá sofrer com as asneiras (eles ficam sempre bem, como os altos cargos empresariais o atestam no pós-política), é o país e a sua população. O cenário vai repetir-se, e é abominável que permitamos que se repita.


O Tratado de Lisboa é a menina dos olhos de Sócrates. Ele baba-se com o feito e imagina que nós portuenses também. Eu estou a borrifar-me para o Tratado de Lisboa, como muitos de nós se começam a borrifar para a entrada de Portugal na União Europeia, como outros começam a borrifar-se para a valia da nossa democracia. Tudo isto vem sendo contestado, até a própria Liberdade, porque se calhar a sua prática, em termos políticos, não é tão "livre" como parece.


A Liberdade é um bem precioso, mas numa sociedade moderna e justa, pouca valia tem se isolada de outros valores. Esses valores passam por uma distribuição mais equilibrada da riqueza, pelo acesso igual à justiça, por uma valorização de competências razoável, pelo respeito das regras do trabalho entre empregadores e empregados. Todos em teoria concordam com tudo isto, mas sabe-se que na prática (que é o que conta) as coisas não se passam assim.


E os jornalistas - os tais menssageiros do povo - sabem-no, mas também pouco se incomodam, desde que se mantenham encaixados em qualquer orgão informativo que lhes dê o pão. No JN de hoje, a autora desta crónica não encontrou tema melhor para abordar do que os dotes de alquimia do 1º. Ministro. Foi a mutação de um das letras dos três "D" do Movimento das Forças Armadas (MFA) que a inspirou. Segundo escreve, o "D" de Descolonização (a escôlha é dela) foi subsítuído pelo "E" de Europa, servindo para associar o 25 de Abril à ratificação (sem recurso a referendo) do Tratado de Lisboa. Que imaginação!


Já Rui Moreira, na recepção que concedeu a Sócrates, fez com apropósito o que dele se esperava , aproveitou a rara oportunidade de o ter na plateia para lhe acenar com os lembretes da Regionalização, do TGV e do Aeroporto Sá Carneiro. A mais não é obrigado.


Vamos lá a ver se Sócrates tomou boa nota dos seus reparos. Saiu sem dar uma única dica e isso pode querer dizer tudo. Veremos.

2 comentários:

  1. Meu caro permita-me o abuso, mas deixo-lhe o discurso do Rui Moreira, que acho muito bom e a quem já tive oportunidade de felicitar.
    Senhor Primeiro-Ministro, Excelência,
    Senhor Ministro de Estado e das Finanças,
    Senhora Governadora Civil do Porto,
    Senhor Presidente da Junta Metropolitana,
    Senhores Presidentes de Câmara,
    Senhor Presidente da CCDR,
    Senhores Deputados e autarcas,
    Senhores representantes das autoridades militares, civis e religiosas,
    Senhores representantes da comunicação social,
    Senhoras e Senhores convidados,
    Senhoras e Senhores associados,

    Permitam-me me que inverta a ordem protocolar do discurso e que comece por agradecer a presença do Senhor Primeiro-Ministro neste nosso jantar anual.
    Faço-o, porque tive que esperar por este dia, em que fui eleito para o meu oitavo mandato anual como Presidente da Associação Comercial do Porto, para saudar a primeira visita de um Primeiro-Ministro de Portugal a esta casa, na qualidade de nosso convidado.
    Faço-o, também, porque a sua visita, Senhor Primeiro-Ministro, coincide com um dia muito especial, em que celebramos o primeiro centenário da inauguração da nossa sede, o Palácio da Bolsa, cuja construção se concluiu depois de mais de sessenta conturbados anos, em 1908.
    Senhor Primeiro-Ministro,
    Sei bem que os ilustres convidados que hoje nos honram com a sua presença, se impacientam e o querem ouvir a si. Mas, permita-me, ainda assim, que aproveite esta circunstância para lhe dirigir algumas palavras.
    Em primeiro lugar, faço-o para lhe dar conta do que se passa nesta casa, porque sei que o Senhor Primeiro Ministro - e também o Senhor Ministro de Estado e das Finanças - gostam de boas notícias. Aliás, o país precisa de ouvir boas novas. Creio que se justifica também uma pequena nota sobre o que é a Associação, para evitar os equívocos sobre a sua natureza.
    Ora, a Associação Comercial do Porto está viva e de boa saúde. No ano transacto, investimos nas obras de reabilitação deste Palácio uma verba muito próxima de dois milhões de euros. Fizemo-lo com o recurso aos nossos fundos próprios mas também, ao abrigo do Programa Operacional Norte Medida 1.6 e ainda graças aos nossos mecenas (Portugal Telecom e Caixa Geral de Depósitos), com o apoio do IGESPAR e da SRU e com o auxílio dos cientistas da FEUP e o concurso de várias empresas portuguesas. Uma obra, senhor Primeiro-Ministro, que ficará perpetuada através de um livro que hoje apresentamos e que será, também, uma referência para todos os que se interessam pela recuperação do nosso património.
    Apesar do impacto destas obras nas contas da Associação Comercial do Porto, pelo seu custo e pelas restrições que impuseram na fruição e na consequente exploração do Palácio da Bolsa, conseguimos apresentar um resultado positivo de dimensão inédita. E, recordo que estes resultados foram obtidos depois de termos custeado, sem quaisquer patrocínios, um importante e relevante estudo sobre o modelo aeroportuário nacional, que encomendamos à Universidade Católica e que contou com a colaboração de especialistas portugueses e estrangeiros. Um estudo que teve um significativo impacto prático. Além disso, a Associação Comercial do Porto continua a proporcionar uma programação cultural relevante e apoia também várias instituições de solidariedade social. Aliás, toda a receita do jantar de hoje reverte a favor do Stella Maris de Leixões, uma instituição assistencial de grande relevo.
    Senhor Primeiro-Ministro,
    A Associação Comercial do Porto é pois, hoje, uma instituição sustentável e viável. Não depende de apoios ou de subsídios de poderes públicos ou privados. Naturalmente, esta instituição é hoje diferente da que Ferreira Borges idealizou e que os burgueses liberais da cidade adoptaram. Mas, cento e setenta e quatro anos depois da sua fundação, cem anos depois da conclusão das obras deste Palácio das Ideias Nobres, ainda acreditamos que, e cito, devemos inquirir das necessidades e promover a prosperidade e ilustração da comunidade de negócios e da população em geral. São estes os valores supremos desta casa desde a sua fundação, uma missão nobre e sempre actual. Por isso, queremos ser uma voz independente, que se empenha de forma livre e desinibida pela defesa intransigente desses seus objectivos estatutários. Por isso, exercemos a nossa acção avaliando as consequências das políticas públicas e influenciando os seus decisores, sobretudo quando elas atingem questões consideradas vitais para o desenvolvimento da cidade e da região.
    .
    E, acreditamos também, minhas Senhoras e minha Senhores, que enquanto formos viáveis, esta ingerência pode sempre ser feita à margem de quaisquer concessões políticas. São essas as razões que nos animam para continuarmos a pugnar pelos princípios e pelos ideais que estão na génese desta instituição.
    Senhor Primeiro Ministro, Senhor Ministro de Estado e das Finanças, Minhas Senhoras e Meus Senhores, Excelências,
    Estamos numa Casa de Liberdade. Estamos na Casa da Praça, no Antigo Tribunal do Comércio do Porto, no Palácio da Bolsa, no Senado informal das gentes do Porto, das suas pessoas de bem. Estamos hoje aqui reunidos para uma celebração de que esta instituição, a cidade e os seus bons cidadãos se orgulham.
    Temos hoje a presença do Senhor Primeiro Ministro, o nosso convidado de honra. Temos também o prazer de contar com a presença, entre nós e neste Pátio das Nações, do Senhor Ministro de Estado e das Finanças, um portuense ilustre. Temos, ainda, o prazer de contar com a presença da Senhora Governadora Civil, do Presidente da CCDR, do Senhor Presidente da Câmara do Porto e da Junta Metropolitana, bem como de outros ilustres autarcas. Temos, entre nós, os representantes das mais importantes instituições da cidade, entre as quais destaco as nossas Universidades e, naturalmente, do Futebol Clube do Porto, com quem partilhamos as cores e a bandeira do liberalismo. Temos, entre nós, representantes do Senhor Bispo do Porto e da Misericórdia, do Corpo Consular, da Polícia Judiciária. Temos, enfim, alguns dos mais ilustres jornalistas do Porto e muitos representantes da sociedade civil entre os quais destaco os empresários e os empreendedores que são os herdeiros dos nossos fundadores.
    Não poderia, por isso, desperdiçar esta ocasião. Permitam-me pois, que dê nota de algumas dos temas que nos são caros.

    Senhor Primeiro-Ministro,
    O Norte, e a cidade do Porto em particular, não vivem tempos felizes. Seria impossível fazer hoje um retrato da situação e seria inconveniente apontar um diagnóstico e sugerir-lhe uma terapia. Conviremos, todos nós aqui presentes, que há questões exógenas que nem o uníssono das nossas boas vontades conseguiria contrariar e que há, também, causas endógenas. Não faltam, por isso, razões de queixa cruzadas e muitas culpas que todos partilhamos.
    Mas, é inequívoco que o Norte e a cidade do Porto, que no passado foi um bastião ao qual o país recorreu em tempos de extrema necessidade - e é por isso, afinal, que os portuenses são conhecidos e se orgulham do cognome de tripeiros - precisam hoje de muito apoio e de um grande alento. E, Senhor Primeiro-Ministro, merecem essa solidariedade não só por esse crédito do passado e por razões imperiosas de coesão nacional, mas também pela vontade indómita que continuam a demonstrar.
    Um bom exemplo desta vontade resulta de um episódio que se iniciou nesta casa, há meses atrás, quando o Senhor Primeiro-Ministro, aqui reunido com alguns dos maiores empresários da região, os exortou a apresentarem uma alternativa credível para a privatização autónoma do aeroporto Francisco Sá Carneiro. Essa era, como todos sabem, uma questão que há muito preocupava a Associação Comercial do Porto e, por isso, o seu desafio surgiu no tempo e no local certos.
    Ora, a resposta não se fez esperar. O seu repto, Senhor Primeiro-Ministro, foi prontamente correspondido pela Sonae e a Soares da Costa, que prontamente anunciaram estarem disponíveis para esse investimento, dando uma eloquente demonstração de que, ao contrário do que pressagiavam alguns profetas da desgraça, o empreendorismo do Norte está, afinal, bem vivo.
    É justo por isso, que saúde a sua visão política, Senhor Primeiro-Ministro. É justo também que cumprimente os investidores, que elogie a Junta Metropolitana - que em boa hora se empenhou por este tema tão importante – e me regozije com a disponibilidade das universidades e associações empresariais em apoiar o referido projecto. Também nós, ACP, estamos disponíveis e empenhados em dar o nosso contributo.
    Por isso, e porque urge avançar, peço-lhe, Senhor Primeiro-Ministro, que ordene que o processo de privatização avance de imediato e sem mais delongas, para que o nosso aeroporto possa ser um grande activo e um factor primordial no desenvolvimento da região, a exemplo do que tem sido o porto de Leixões.
    Permita-me, Senhor Primeiro-Ministro, minhas Senhoras e meus Senhores que, a propósito do porto de Leixões e do seu progresso e desenvolvimento, abrir um breve parêntesis neste meu discurso.
    Na última reunião de Direcção, e por unanimidade, foi deliberado atribuir um voto de louvor e a entrega, a título excepcional, da medalha de prata da Associação Comercial do Porto ao seu presidente cessante, pelo empenho, dedicação e serviços prestados á Região Norte enquanto liderou os destinos desta fundamental Instituição da Região.
    Chamo pois o nosso consócio, senhor Doutor Ricardo Fonseca para receber esse galardão.

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    Continuando, Senhor Primeiro-Ministro, permita-me que lhe refira algumas outras questões, que têm estado na agenda da Associação Comercial do Porto.
    Em primeiro lugar, a necessidade de avançar com a regionalização porque, dez anos depois de ter sido recusada, não se vislumbra uma outra forma de contrariar a progressiva concentração e centralização do país. Percebe-se hoje que, ao contrário daquilo que tanto os defensores e os opositores da regionalização nos fizeram crer, o resultado do referendo foi entendido pelo poder central como uma carta-branca para a progressiva centralização e concentração do Estado. A verdade é que, dez anos passados a situação é insuportável porque, como reconheceu o Senhor Dr. Mário Soares, “a descentralização, desejada por adversários e partidários da regionalização, que implica a reforma do Estado, continua por fazer”.
    Mas, há também questões que nos preocupam e que não dependem, sequer, de um referendo. Por um lado, há uma questão subjacente às infraestruturas e que tem a ver com a dimensão estratégica dos grandes investimentos. Ora, Senhor Primeiro-Ministro, por muita que seja a boa vontade e por muito que se aplauda o voluntarismo de quem decide, as grandes obras públicas não podem deixar de estar condicionadas a uma visão estratégica. No caso do TGV, por exemplo, é inevitável que este modo de transporte e o seu desenvolvimento sejam condicionados a um conjunto de exigências óbvias. Uma ligação à Galiza não pode deixar de ser cuidadosamente ponderada em função dos fluxos expectáveis de passageiros e mercadorias e não pode deixar de ser articulada com o nosso aeroporto e o nosso porto de mar, sob pena de poder vir a funcionar como um dreno que nos retira vantagens competitivas. No caso da ligação Lisboa-Porto, é também necessário definir prioridades que passam pela exigência de, num prazo relativamente curto, se conseguir agilizar o transporte de passageiros por ferrovia em menos de duas horas. Independentemente dos desafios futuros e a mais longo prazo que possam ser compatibilizados com essa primeira carência, o Norte e o Porto não podem esperar 5 ou mais anos por uma ligação de alta velocidade. O Norte e o Porto exigem uma solução para esse período de transição.
    Por fim é indispensável que o Governo olhe para esta área metropolitana com o mesmo cuidado e carinho com que olha a Região de Lisboa. A reabilitação urbana, por exemplo, em que os municípios do Porto e de Gaia se têm empenhado, necessita de um impulso semelhante ao que o Governo promete, na capital, para a zona ribeirinha.
    Senhor Primeiro-Ministro,
    Muito mais haveria para lhe dizer, hoje. Gostaria de ter tempo para lhe falar da nossa Universidade, e do CREN. Gostaria, é claro, de lhe falar na conveniência de promover a dispersão territorial de competências dos instrumentos públicos, para que o interior do país não fique condenado ao envelhecimento e ao esquecimento. Gostaria, também de lhe falar na conveniência de o Governo apoiar as iniciativas das nossas universidades com o mesmo entusiasmo que tem apadrinhado o Lisbon MBA. Tudo isto são temas que Vossa Excelência bem conhece, com os quais se vê confrontado todos os dias e sobre os quais o queremos ouvir.
    Permita-me que lhe diga, ainda assim, que reconheço as dificuldades que a governação encontra, quando tenta introduzir as reformas indispensáveis. Compreendo a dificuldade crescente para se mobilizar o espírito de sacrifício dos portugueses, massacrados por anos sucessivos em que passaram ao lado do progresso e do crescimento dos seus vizinhos europeus e que agora temem que as esperanças que lhes prometiam venham a naufragar nas águas agitadas da economia mundial.

    Mas, Senhor Primeiro-Ministro, e atrevo-me a interpretar também o sentimento de muitos dos nossos associados, acredito que o seu impulso reformista é meritório e patriótico. Uma palavra que, infelizmente, caiu em desuso, mas que soa bem neste Pátio das Nações.
    Acredito que é, afinal, a única opção viável nesta conjuntura e, por isso e por muito que exija mais sacrifícios, terá consequências benéficas para Portugal. E, Senhor Primeiro Ministro, posso-lhe garantir que contará sempre com a nossa opinião sincera, independente e firme – e eu sei bem que ela é por vezes incómoda - mas também que com o nosso empenho e com os nossos contributos nas importantes reformas que o Governo a que Vossa Excelência preside tem vindo a encetar.
    É sobre tudo isto, Senhor Primeiro-Ministro, que agora o queremos ouvir.

    Muito obrigado.

    Eu tenho-o guardado, portanto se não achar conveniente mantê-lo em forma de comentário, esteja à vontade.
    Um abraço

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  2. Caro Vila Pouca,

    Tudo bem. Agradeço-lhe a atenção. Um forte abraço

    Rui Valente

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