O fim da nossa história
Portugal está sem destino. Deixou de ser um país colonial. Já não é um "bom" aluno da «Europa» . Pior ainda, apesar de muito esforço e de muita propaganda, não se conseguiu "modernizar". O "atraso" continua e até aumentou. Não se vive hoje como se vivia durante Salazar, mas também não se vive numa mediocridade tranquila. Pelo contrário, o mundo muda e a insegurança cresce. O mundo muda e Portugal não se adapta: o desemprego cresce; as pensões diminuem, a educação é um artifício, o serviço de saúde vai pouco a pouco empobrecendo e o fisco oprime toda a gente. No meio disto, o país não quer, nem está à espera de nenhuma reviravolta dramática. A «Europa», por que antigamente suspirava, obriga à imobilidade. É uma espécie de paragem definitiva, para além da qual nada existe - é pelo menos, por enquanto, um verdadeiro "fim da história".
De resto, trinta e tal anos de regime criaram um cinismo político geral. À volta do PS e do PSD há meia dúzia de fanáticos, que ninguém leva a sério, e uma corte de carreiristas, que ninguém respeita. Tendo governado o país simultânea ou alternadamente, nem o PS nem o PSD inspiram hoje qualquer confiança. Colonizaram o Estado e a administração local por interesse próprio e cometeram (ou permitiram que se cometessem) erros sem desculpa. Desorganizaram a sociedade, ou mesmo impediram que ela se fosse por sua vontade organizando, e levaram Portugal a uma espécie de paralisia de que não se vê saída. Apesar de um ou outro protesto melancólico e corporativo, o público já não se interessa pelo seu futuro, ou pelo seu presente, colectivo.
Nem Sócrates, nem Ferreira Leite percebem, no fundo, o que se passa. Sócrates persiste em repetir a sua velha ladainha, inteiramente desacreditada, com o entusiasmo de 2006. Ferreira Leite (a tia "tia Manuela", como agora popularmente lhe chamam) critica a evidência e recomenda os remédios do costume. Cada um à sua maneira, os dois falam uma nova "língua de pau", que os portugueses não ouvem ou que não registam. Talvez por isso, não falam muito e quando falam, excepto pelas querelas de partido e pelo vaguíssimo contraste entre o maior "liberalismo" de Ferreira Leite e o improvisado "neo-keynesianismo" de Sócrates, concordam no essencial. O PS e o PSD são o regime e não podem ou tencionam tocar no regime. A reforma de Portugal, se por absurdo vier, não virá dali.
(De Vasco Pulido Valente, in PÚBLICO)
OBS:
Mais um que "não sabe o que diz"... Ao fim e ao cabo, nada que nós aqui não tenhamos concluído.
Aproxima-te um pouco de nós,e vê. O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos,as consciências em debandada,os carácteres corrompidos. A práctica da vida tem por única direcção a conveniência. Não há príncipio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita,absoluta indiferença de cima abaixo! Toda a vida espiritual,intelectual,parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretárias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce,cresce,cresce. As quebras sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. A renda também diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguer. A agitagem explora o lucro. A ignorância pesa sobre o povo como uma fatalidade. O número das escolas só por si é dramático. O professor é um empregado de eleições. A população dos campos, vivendo em casebres ignóbeis, sustentando-se de sardinhas e de vinho,trabalhando para o imposto por meio de uma agricultura decadente, puxa uma vida miserável,sacudida pela penhora; a população ignorante,entorpecida, de toda a vitalidade humana conserva únicamente um egoísmo feroz e uma devoção automática. No entanto a intriga política alastra-se. O país vive numa sonolência enfastiada. Apenas a devoção insciente perturba o silêncio da opinião com padre-nossos maquinais. Não é uma existência,é uma expiação. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte:o país está perdido! Ninguém se ilude. Diz-se nos conselhos de ministros e nas estalagens. E que se faz? Atesta-se,conversando e jogando o voltarete que de norte a sul,no Estado,na economia,no moral,o país está desorganizado-e pede-se conhaque! Assim todas as consciências certificam a podridão; mas todos os temperamentos se dão bem na podridão!
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Escrito em 1871 por Eça de Queirós
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Com algumas diferençazitas, mas a cena mantém-se quase inalterável, giro, não é?
Ontem, como hoje...
ResponderEliminarSerá que ainda bem menos que amanhã???
Não é possível!
Oportuníssimo, como sempre, Eça!
"Este Governo não cairá porque não é um edifício, sairá com benzina porque é uma nódoa" Eça Queiroz.
ResponderEliminarEça sempre actual, o mesmo se tem passado com os diversos governos que têm "governado" este pobre e desorientado país!
Abraço,
Renato Oliveira