(Extraído do Público)
Numa das minhas habituais caminhadas pela Baixa, passei há dias pelo local onde havia, antigamente, o Jardim da Cordoaria. E digo que "havia" porque ele, que resistira estoicamente ao ciclone de 1941, deixou de facto de existir em 2001. O que existe agora, no Campo Mártires da Pátria, depois de uma intervenção arquitectónica mal sucedida, é um campo revolvido e destruído.
Numa das minhas habituais caminhadas pela Baixa, passei há dias pelo local onde havia, antigamente, o Jardim da Cordoaria. E digo que "havia" porque ele, que resistira estoicamente ao ciclone de 1941, deixou de facto de existir em 2001. O que existe agora, no Campo Mártires da Pátria, depois de uma intervenção arquitectónica mal sucedida, é um campo revolvido e destruído.
O jardim, que tinha tanto de beleza como de má fama, está hoje deserto. Ninguém, de boa ou má fama, está interessado em calcorrear a céu aberto os seus caminhos destruídos, confrontar-se com a visão inestética dos limitadores metálicos do que foram efémeros canteiros rapidamente transformados em obstáculos salientes pelo meio do que resta do saibro lá colocado, com as tubagens arrancadas do que deveria ter sido um sistema de rega, ou com as linhas dos eléctricos. Ninguém se senta nas pavorosas campas de granito que alguém imaginou poderem ser úteis como bancos de jardim. Tudo o que lá está é, em suma, desagradável, pouco acolhedor e feio, um cemitério com direitos de autor, onde jaz a memória da vaidade descontrolada de uma época irresponsável em que, por aqui e por ali, se destruiu muito do Porto romântico que conhecíamos.
Foi por essa época, da Porto 2001 que se arrancaram as árvores da Parada Leitão, que para quem não saiba divide a Reitoria do animadíssimo Piolho, e que se estragou, também, a Praça Carlos Alberto, que só não ficou ainda pior porque a câmara não deixou concluir a obra, ou "desobra", que estava prevista, e que incluía, pasme-se, um imaginativo tanque de água! Agora, por sinal, colocaram lá, atrás do imponente monumento aos mortos da Grande Guerra e à porta do Palácio dos Viscondes de Balsemão, uma horrorosa estátua que pretende homenagear Humberto Delgado, mas que mais parece uma caricatura alusiva e de fraco gosto à PSP.
Aliás, a pobreza da nossa estatuária contemporânea, patente em praças e rotundas de todo o país, e que tem o seu ponto alto, no Porto, na tenebrosa estátua em pedra em que o Bispo D. António nos é recordado em formato de Batman, é um tema que deixo para abordar em crónica futura.
Não falta, é certo, quem acuse a câmara de ser responsável pela degradação do Campo Mártires da Pátria, mas será talvez mais justo dizer-se que o problema dele está na sua génese e na sua pavorosa concepção. Só assim se percebe que, em menos de uma década, o mobiliário urbano tenha ficado em pantanas e que haja sinais tão claros de erosão das suas superfícies. Nessa medida, o jardim é irrecuperável, e não justifica que se invista no seu impossível restauro, já que o que nasce mal não endireita pela sua manutenção. A solução passa, por isso, pela construção de um novo jardim que aproveite, na medida do possível, o que ainda resta do passado. É uma obra cara cujo resultado pleno apenas será visível ao fim de muitos anos, porque bem se sabe como os substitutos dos arbustos e árvores que se cortam em minutos demoram muitos e muitos anos a crescer, e que deveria fazer parte de um plano estratégico de intervenção regular nos jardins da cidade.
No caso dessas infelizes intervenções mais recentes, é preciso intervir sem peias ou constrangimentos pelos direitos dos seus autores, recuperando a traça original, onde for caso disso. No caso dos que sobreviveram, como o Carregal, São Lázaro, Arca d'Água e Passeio Alegre, será preciso ir replantando as espécies que vão envelhecendo ou morrendo. Para isso, dispõe a cidade de excelentes paisagistas que conhecem as suas tradições e o seu património. Quando, no século XIX, os terreiros das antigas feiras foram transformados em jardins, optou-se por conceber espaços agradáveis. E é essa a ideia a manter e o segredo, porque os jardins são muito mais do que desenhos geométricos e conceptuais. São salas de estar comuns e comunitárias, onde convivemos uns com os outros e com a natureza, e que por isso terão sempre que ficar a dever mais ao belo e à própria natureza, do que à pedra, à monumentalidade e à técnica.
Economista
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