Os meus amigos já o sabem há muito tempo, mas agora tenho de o dizer em voz alta para a mobília ouvir: não vou à bola com o fado e está a fazer-me um nervoso miudinho a histeria, disfarçada de consenso nacional, gerada pela gentileza da UNESCO em incluir a canção de Lisboa na lista de 90 obras-primas consideradas património oral e imaterial da Humanidade, em que figuram as festas funerárias dos indígenas mexicanos, o teatro de marionetas siciliano e os tambores da aflição, uma dança de cura popular entre os tumbuka, uma tribo do Norte do Malawi.
O fado, que bebe a alma e mergulha as raízes na indolência dos 
cânticos mouros, veste-se de negro para cantar o luto, o sofrimento, a 
dor, a desgraça, o amor perdido, o ciúme doentio, a miséria e a saudade,
 ou seja, é uma canção em permanente marcha atrás, uma antologia de 
valores que detesto e de sentimentos perniciosos que abomino.
Ao 
apregoar a submissão aos ditames do destino, o fado foi, de braço dado 
com Fátima e o futebol, uma das fundações do aparelho ideológico do 
Estado Novo, que reabilitou e integrou um género musical que medrou nas 
casas de prostituição dos bairros pobres da Mouraria e Alfama. 
No
 tempo em que o vinho dava de comer a um milhão de portugueses, o fado 
era a peça fundamental da doutrina da resignação de um povo anestesiado 
pelo religião e que, na sua doce e alimentada ignorância, rejubilava com
 as vitórias internacionais da nossa selecção no hóquei em patins, 
modalidade a que mais ninguém ligava pevas.
Sei que o fado se 
renovou, com a transfusão de vozes novas como as de Camané, Aldina 
Duarte, Ana Moura, Mariza ou, mais recentemente, de Carminho. Sei que 
mesmo nos tempos da Outra Senhora o choro da guitarra acompanhou 
belíssimos poemas do Ary dos Santos, do David Mourão Ferreira ou do 
O'Neil. Não me atrevo a beliscar sequer o tremendo talento de Amália. E 
se me oferecerem o Fado, do Malhoa, vou logo a correr pendurá-lo na 
parede da sala. Mas isso não chega para me fazer gostar do fado, uma 
canção triste que não rima comigo.
Não gosto do fado, como também 
não gosto do Benfica - clube cujo fado, desde a maldição de Bella 
Gutman, é não ter imagens a cores dos seus êxitos europeus para mostrar 
aos adeptos que não os puderam viver por terem 50 anos ou menos. Mas 
isso não me impede de reconhecer o talento de Eusébio, elogiar a 
liderança de Borges Coutinho ou admirar a resistência dos seus adeptos 
às adversidades. 
Tenho um enorme pó à fatal e indolente 
resignação face ao destino que é o programa de vida do fado. Em vez de 
nos agarrarmos ao passado e de fazermos uma festa com a bondade da 
UNESCO em acolher o fado numa lista étnica (uma distinção de importância
 equivalente à vitória do Benfica na Taça Latina), devemos olhar para o 
futuro. O povo está coberto de razão quando diz que tristezas não pagam 
dívidas. E nós temos uma data delas para pagar.
Nota de RoP:
Outro portuense e português, que [como eu] não vai à missa  do fado. Se a distinção da UNESCO fosse pela negativa, no sentido de considerar o fado como símbolo do centralismo português ainda fazia sentido. Mas tratá-lo com honrarias imateriais da humanidade, só mesmo em Lisboa.  
 
 
 


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
E na gala do Fado? Estava lá tudo, presidente da República, 1º Ministro, presidente da Câmara de Lisboa... só faltava o Cardeal Cerejeira.
ResponderEliminarAbraço
O fado não é canção nacional, o fado é canção de Lisboa.
ResponderEliminarO Minho se fizer uma forçazinha à UNESCO, e se o senhores influentes da capital derem uma ajudinha; o Malhão vai ser a canção minhota na UNESCO...
Mas tudo bem, para quem gosta de fado.
O PORTO É GRANDE VIVA O PORTO.