24 outubro, 2014

As regiões na "armadilha constitucional"

Pedro Bacelar Vasconcelos


Socorrendo-me da opinião de António Cândido de Oliveira, assinalei aqui na passada sexta-feira a armadilha constitucional onde se pretendeu capturar a principal reforma da organização administrativa territorial que continua por cumprir: a criação das regiões.
Explicava aquele ilustre professor de Direito Administrativo que a revisão constitucional de 1998 conseguiu a proeza de, sem apagar as regiões da Lei Fundamental, condicionar a sua criação a exigências praticamente impossíveis de cumprir. Com efeito, a sua instituição concreta ficou dependente da realização de um referendo duplo - o único referendo obrigatório previsto pela nossa ordem jurídica! - e da sua aprovação pelo voto favorável de uma maioria definida com deliberada ambiguidade. Não satisfeitos com a imposição da prévia consulta popular, os redatores do novo artigo 256.º da CRP submeteram a criação das regiões a regras excecionais que agravam o regime comum dos referendos, previsto no artigo 115º da CRP.
O fracasso do referendo sobre a criação de oito regiões administrativas realizado em 1998 estava assegurado. O seu destino não teria sido diferente mesmo que se tivesse evitado a derradeira habilidade de retalhar as cinco regiões-plano que, na visão do legislador constituinte originário, desde 1976, deviam suceder a uma circunscrição anacrónica, desacreditada pela manipulação intensa a que foi submetida pela ditadura: o distrito. Com a revisão constitucional de 1989, as regiões-plano desapareceram da Constituição mas persistiram as cinco regiões de planeamento no âmbito das atuais Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional - cujo papel e competências não pararam de crescer desde a integração europeia, em 1986. Triunfou novamente a visão centralista e antidemocrática que pretende que a regionalização seria um luxo e que, apesar dos eventuais benefícios que a prazo pudesse trazer às populações, não existiriam atualmente os recursos financeiros disponíveis para suportar os custos da sua instituição imediata. A falsidade do argumento é todavia fácil demonstrar. Basta constatar o papel insubstituível que as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional continuam a desempenhar na gestão dos fundos europeus, sob a direção estrita e conforme os caprichos e conveniências do Governo de Lisboa.
As regiões não são um devaneio fútil para tempos de prosperidade e abundância. Pelo contrário, tal como aqui não nos cansamos de repetir, a regionalização pode ser um poderoso instrumento para suprimir as disfuncionalidades criadas pela multiplicação de órgãos desconcentrados dos ministérios - Saúde, Educação, Emprego, Segurança Social, Agricultura, Ambiente, Economia, Obras Públicas ou Administração Interna. A criação deste nível intermédio entre as autarquias locais e a administração central, no âmbito territorial das atuais Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, seria um fator de racionalização e poupança, um estímulo para o planeamento e o desenvolvimento económico e social, capaz de mobilizar recursos e libertar energias, combinando proximidade e diversidade, gerando complementaridades ignoradas, promovendo dinamismos virtuosos e fazendo emergir novos projetos e novos protagonistas. Nos corpos técnicos das atuais CCDR - com a experiência e as competências que desenvolveram - mais o que restasse de útil da extinção dos organismos desconcentrados dos ministérios, encontrariam os governos das regiões, eleitos pelos cidadãos, uma sólida estrutura permanente.
Um renovado ímpeto reformador deve marcar o novo ciclo da mudança política que já se iniciou e reconduzir ao centro do debate público as reformas ambiciosas de que este Governo desistiu ainda antes de as lançar... Desde que haja uma séria "vontade política", é possível avançar no caminho da criação das regiões administrativas, o que requer certamente muita imaginação e prudência para evitar a "armadilha constitucional" que, como sabemos, apenas em sede de revisão constitucional poderá ser definitivamente "desarmada".

2 comentários:

  1. Os ditadores, os imperialistas, os, ou aqueles que gostam de mandar em tudo e todos, é gente que não quer regionalização de maneira nenhuma. PCs Bloquistas, PSs e os outros dois da direita que nos governam, (então muito menos estes) quando se fala em Regionalização ficam logo incomodados, ou com um riso amarelo dizendo: Vamos falar disso mais tarde porque o momento é de outros assuntos mais importantes. Sabe uma coisa, são todos uns pulhas, uns políticos que só olham para o seu ego...
    Um abraço.
    Abílio Costa.

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  2. Deacon Blue25/10/14, 11:01

    Bom dia,

    A regionalizaçao é impossivel num país governado por politicos corruptos como acontece em Portugal.
    Para lá chegarmos têm de mudar acultura do povo, as mentalidades,e quem governa, o que manifestamente é improvavel nas próximas décadas. Já temos outro na costa.....e vai ser mais do mesmo até porque a economia aponta para recuperaçao e a pressao externa será aliviada...

    Trabalho na Catalunha e acho que o tema é um pouco parecido. Eles defendem a independencia em outras prespetivas mas a única acho que realmente acho que faz sentido é a económica, ou seja, os governos centrais e todo aquele mundo de gente e influencias necessita de dinheiro e a nao podem prescindir da receita de uma regiao com a importancia da Catalunha.

    Lá como aquí, é tudo a mesma "merda".


    Deacon Blue

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