O Porto, cidade de históricos pergaminhos, conhecida também pelos valores da sua gente – essa espécie de “alma de muralha” como Agustina lhe chamou – vive presentemente tempos desiquilibrados. Se por um lado está num momento de reconhecimento internacional, por outro sente-se uma desigualdade entre a oferta de novos serviços e bens trazidos pelo turismo e as ânsias da sua população.
A cidade nunca esteve como agora, com um sentimento tão pujante com os turistas que enchem as suas ruas. Os portuenses orgulham-se com o reconhecimento que internacionalmente a Invicta tem tido, seja como primeiro destino turístico de muitas revistas da especialidade, ou até em artigos de importantes jornais como o New York Times. O Porto, de facto, está na moda. Há lojas novas com novos conceitos. Novas ideias de exploração turística nunca até agora pensadas. Até a nível cultural as coisas mudaram. O próprio orgulho na cidade parece florescer entre as populações mais jovens.
Ora, toda esta euforia que anda à volta da cidade, apesar de louvável, pode, num futuro não muito distante, trazer problemas ao Porto, com situações que ocorrem já noutras cidades como Barcelona ou até, mais próximo de nós, Lisboa. De facto, uma massiva exploração turística, aliada a uma ganância de transformar o centro da cidade num gigantesco hotel, pode fazer com que a Invicta perca a sua alma: os seus habitantes de sempre. Aqueles que fazem as estórias da História milenar da cidade. Uma população envelhecida não está a ser substituída. A voragem turística leva a que os portuenses se sintam expulsos da cidade. Moradores de uma vida inteira no centro histórico são pressionados pelos senhorios para abandonarem as suas casas. Além disso, casas que eram apenas de habitação passam a estar desordenadamente ocupadas por hostels e pensões. Os ainda moradores do centro histórico até dizem que estão proibidos de terem vista para o rio, como a comunicação social tem assinalado, exprimindo que a cidade onde nasceram começa a ser pequena demais para eles.
Há uma população que está a desaparecer. Grave também é que quem quer voltar a habitar o centro histórico, perpetuando a memória de ser portuense, está a sentir-se expulso. Em certos aspectos os portuenses começam a sentir que não têm poder de compra para usufruir da sua própria cidade: nem na visita a certos locais como Museus ou monumentos, nem no andar nos eléctricos ou no funicular dos Guindais que se destinam, pelo preço, a turistas deixando de ser meios de transporte comuns (e pense-se no declive que o eléctrico vence nas linhas 18 e 22, que fazem dele um meio de locomoção essencial para as populações mais idosas). Perde-se assim uma espécie de alma que é o Porto: os seus moradores, esse lado inexplicável e secreto que também caracteriza as cidades com História. E essa perda traz como que uma sensação de vazio.
Verdadeiramente, o que pode interessar a um turista comum uma nova cidade como o Porto? Não apenas os seus monumentos e História. Interessa-lhe também a vida dessa cidade, as experiências dos seus habitantes. O seu lado mais íntimo, que lhe permite viver a cidade o mais próximo da forma como os seus habitantes a vivem/experimentam. Ora, o Porto atravessa o perigo de isso perder. Querendo aproximar a cidade de padrões mais europeus, locais outrora típicos, de todos e para todos, como certos cafés ou restaurantes, tornam-se “lounge” ou “gourmet” – sítios que há em todo o lado – e até um dos mais famosos pratos, a francesinha, tem alterações que a fazem ser tudo menos… francesinha. Tudo isto traz uma sensação de plasticidade, de falso, que antes não existia no Porto. Antes podia haver menos oferta, mas não faltava genuinidade.
Concluindo. Sentimos que o Porto parece estar a viver como no fio de uma navalha. Muito do que é intrinsecamente tripeiro se perde com a invasão turística sem plano. Muito do que fez o Porto ser o que é pode estar à beira de desaparecer, perdendo a cidade a sua alma, as suas peculiaridades. Queremos nós, portuenses, ter uma cidade típica, com uma identidade forte, ou uma cidade essencialmente turística, sem habitantes no seu centro histórico, uma cidade como já tantas outras?
João Sousa Dias
Estamos a caminhar para uma sociedade cada vez mais injusta, onde só os ricos têm acesso a tudo, qualquer dia temos que pagar portagem para entrar na nossa cidade, será este o preço que temos de pagar pelo progresso? Como dizia hoje o PR não se deixem enganar por um qualquer D.Sebastião.
ResponderEliminarAbraço
Manuel da Silva Moutinho
Nem oito nem oitenta... Queremos as duas coisas.
ResponderEliminarAbílio Costa