11 agosto, 2016

Chega de enganar!

Por esta altura, no pedaço de terra em que estou, encravado entre o Neiva e o mar, o fumo e a cinza que há 48 horas planam e caem fazem-me chorar os olhos.

O cheiro de despedida da natureza, forçada a morrer, dá-me a ideia exata do oxigénio que muitos dos que hão de vir já não terão. É por isso asfixiante perceber que as cenas fecundas que Aquilino descreve na "Casa Grande de Romarigães" que escolhi para me acompanhar neste verão são já idílicas e absolutamente inverificáveis: "(...) Voltou-se para o grande baldio, vestido com a serguilha russa do matiço, pespontado de sobros, carvalhos, cerquinhos e pinheiros, uma frondosa mata a sudoeste, tudo a crescer à rédea solta da natureza, irreprimivelmente, apesar do dente dos releixos e da podoa dos lenhadores. A água reluzia aqui e além nos algares das chãs e nos estirões retos das regueiras, perdida e tão mal empregada que era abusar da bondade de Deus não a encaminhar para onde criasse flores e frutos. (...)".

Tirando isto que, não sendo pouco, soa a choro sobre leite derramado, é forçoso que cada português meta a mão na consciência e veja e aceite a sua quota parte de responsabilidade.

É que, ao contrário, do discurso comezinho, e acriticamente amplificado pela Comunicação Social, o principal problema da nossa floresta não é público, é privado! Não é o sistema contra os incêndios que tem de melhorar (é impossível não ser grato ao esforço abnegado dos nossos operacionais), é o sistema de prevenção que tem de ser implementado e que, doa a quem doer, tem de ser regulamentado e imposto a todos os proprietários florestais.

Um honroso apego à terra que se torna atávico quando impede a sua própria proteção, tem sistematicamente impedido a implementação de variadas e úteis experiências como as que têm tentado organizar sistemas de limpeza e recolha sistemática de coberto vegetal, ou mesmo as que o ordenamento nacional estipula, como as zonas de intervenção florestal com os respetivos planos de gestão e de intervenção específica.

São sempre minguados os resultados por duas razões claríssimas e bem conhecidas: ou não se conhecem os donos das parcelas ou se conhecem na perfeição, mas não deixam que se intervenha, se altere ou se mexa seja no que seja.

A culpa não é do Estado ou do Governo ou do sistema. A culpa é nossa que não cuidamos nem deixamos cuidar do que sendo nosso é de todos! Sou, portanto, a favor que se declare por força de lei a obrigação de todas as parcelas florestais passarem a ter dono - em não aparecendo na hora própria revertem a favor do inventário público - e de todas, sem restrição públicas e privadas, serem obrigadas ao respeito de normas de organização, limpeza e gestão. Fica, claro, o desafio de uma legislação sensata e de um sistema de fiscalização rigoroso e duradouro.

Fica igualmente clara a impopularidade da coisa.

As dolorosas imagens do Funchal que me entram pela TV e as que retenho na memória de uma viagem dorida entre Lanheses e Viana são penhor coletivo da promessa eleitoral que todos os partidos têm por dever fazer e cumprir.

(Cristina Azevedo/JN)



Nota de RoP:

Estou de acordo com parte deste artigo de Cristina Azevedo. E digo em parte, porque sou absolutamente avesso a esta moda de generalizar culpas, e de misturar o público com o privado, quando cabe ao público (Estado) disciplinar o privado. Ainda hoje ninguém me explicou, tintim por tintim, onde, como e quando, contribuí para a dívida nacional e por que a tenho de pagar. Que querem, tenho este hábito teimoso de controlar as minhas próprias decisões (boas, ou más). e como ainda estou por saber se vivi, ou não, acima das minhas possibilidades, recuso-me a ser empacotado em acções que não cometi, nem participei. 

Tenho lido muitas crónicas sobre incêndios, quase todas muito bem elaboradas, mas no fim, os autores tendem sempre a desresponsabilizar quem devem: o Estado. Sim, o Estado! Seria absurdo culpabilizar o Estado por manicaísmos esquerdistas, poupando os privados das suas obrigações. Não é isso que defendo. Neste grave (e já antigo) contexto, que são os incêndios, não acredito que os privados passem a ser mais zelosos com a limpeza dos seus terrenos por sua livre iniciativa, ou porque alguém de boa fé (como a Cristina Azevedo) o recomenda. Se assim fosse, este problema já tinha sido resolvido há muitos anos! Não falo dos incêndios naturais, porque na natureza ninguém pode mandar, mas desde que haja vontade política, é possível  prevenir, controlar e minimizar danos. 

Quanto aos incendiários, eles existem é verdade, mas não queiram tapar o sol com a peneira pondo nas suas costas a responsabilidade por todo um país estar a ferro e fogo. Nessa, já nem os bébés acreditam.

7 comentários:

  1. É uma questão cultural que tem rapidamente ser revertida.

    Os privados não cumprem a lei e o Estado não a faz cumprir. Porque de autarcas estamos conversados, os meninos não vão fiscalizar nada porque senão, não serão reeleitos. E há privados a apagar fogos imagine-se. Só num manicómio. A Força Aérea parece que não serve.

    Depois temos, claro, o eucalipto, "essa árvore autóctone"! Da Austrália claro.
    Uma árvore tão adaptada ao nosso solo e ao nosso clima, como um Inuit ao Deserto do Sahara.

    Depois há idiotas a reclamar mais meios. É o que temos meu caro. Um circo visto do espaço.

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  2. Sabe o que lhe digo Soren,

    nós somos o terceiro mundo da Europa, mas ficamos muito orgulhosos pela conquista do Europeu da bola. Qualquer dia tempos um Trump português, e não faltam eleitores por cá como os americanos que o apoiam, gajos prontinhos a fazer o mesmo. Broncos!

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  3. Concordo. Já faltou mais. E o que não falta por aí é "trampa". E não é só em Portugal, por toda a Europa a trampa está a ganhar terreno.

    Quando a maioria da população nem tem noção que existe um governo mundial, que mais podemos esperar? E falamos da região do planeta com os mais altos níveis de educação.

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  4. A minha convicçao é que 90% dos fogos tem origem criminosa.

    Sao normais os fogos à noite ou que começam em duas ou tres frentes.

    Quem esteve em Africa sabe que não é assim tão facil pegar fogo ao mato ou floresta.

    Antigamente limpava se a mata mais próxima das casas para se aproveitar para cama dos animais . Mas só a proxima...

    Hoje as aldeias só têm velhos... a desertificaçao é um facto... Não há quem faça esses serviços e se houvesse seria bem caro.

    Agora o arvoredo não é ajustado à geografia como é o caso do eucalipto, as casas por vezes estão em sitios pouco indicados e a vigilancia que compensaria e não existe poderia ajudar a resolver significativamente o problema.

    E em breve teremos provavelmente um problema de agua potavel.
    E quem salva o interior?

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  5. Reordenamento territorial (florestal, urbano e industrial), é por aqui que este flagelo tem de começar a ser resolvido. Mas tem mesmo. O problema é que em Portugal este "tem mesmo", não vale nada, é mais uma intenção que vai para a gaveta. Para mim, basta-me estes comportamentos para me assegurar da falta de seriedade da classe política. Foi isto que me levou a renunciar ao voto. Condenar-me-ia toda a vida por contribuir no acesso ao poder desta canalhada. O país está como está por causa de quem o tem governado. Todos eles têm nome...

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  6. Só este ( e já é reincidente pelos vistos) parece ateou 26 fogos:

    http://www.msn.com/pt-pt/noticias/nacional/ex-bombeiro-detido-por-atear-26-fogos-em-oliveira-de-azem%C3%A9is/ar-BBvJ0KO?li=BBoPWjC&ocid=mailsignout

    E não falta quem queira negar a evidencia.

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  7. Por aqui, ninguém nega a evidência. Há pirómanos? HÁ! Agora, a parte que muitos renegam: as florestas são regularmente limpas? Não! Há fiscalização? Não! O ordenamento da floresta é uma realidade? Não? Outras questões: os incêndios são da culpa exclusiva dos pirómanos? Não! Há outros pirómanos. A saber: madeireiros, proprietários, etc., etc. Finalmente: há fogos espontâneos gerados pelas altas temperaturas do verão?
    Há! Só que, quando os governantes não cumprem com a sua parte, controle da limpeza das matas os efeitos são 100 vezes mais devastadores. Ponto.

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...