11 dezembro, 2016

Quem inventou o Trump?

Há uma espécie de concurso entre as elites europeias e americanas de esquerda: quem insulta mais Donald Trump? Quem consegue escolher os epítetos mais violentos? Racista, boçal, cretino, sexista, corrupto, inculto e xenófobo estão entre os mais utilizados. Isto para além das classificações brandas de fascista e populista.

No entanto, o problema não é o de qualificar Trump nem de sublinhar a sua incultura e a sua falta de sofisticação. O problema consiste em saber por que razão foi eleito. Contra a opinião sondada e publicada, este senhor foi escolhido por 60 milhões de americanos que, creio, não são todos racistas, machistas, bandidos, milionários, fascistas e corruptos. E, se fossem, a questão era ainda mais difícil: como é possível que houvesse tantos assim?

O problema não é o de classificar os defeitos de Trump e seus apoiantes nem de mostrar como são violentos, intolerantes, xenófobos e déspotas. O problema é o de saber por que razões perderam os virtuosos, os democratas, os liberais, os intelectuais, os jornalistas e os artistas. O problema é o de saber por que razão os pobres, os desempregados e os marginalizados não votaram em quem deveriam votar, isto é, em quem pensa que a solidariedade, a segurança social, o emprego e a igualdade são exclusivos dos democratas e das esquerdas.

As esquerdas em geral, incluindo artistas, intelectuais, jornalistas, liberais americanos e progressistas europeus, não suportam não ter percebido nem ter previsto o que aconteceu. Como não admitem que são, tantas vezes, responsáveis pelas derivas políticas dos seus países.
Já correm pelo mundo explicações fabulosas sobre estas eleições. As mais hilariantes são duas. Uma diz que, além dos machistas e dos racistas, votaram em Trump os analfabetos, os desesperados, os marginalizados pelo progresso, os desempregados e os supersticiosos. A outra diz que o fiasco das sondagens, dos estudos de opinião e dos jornalistas se deve ao facto de os reaccionários terem vergonha de dizer em quem votariam! Por outras palavras: quem não presta votou em Trump; e quem votou em Trump enganou-nos!

Tal como os democratas em geral, as esquerdas atribuem sempre as culpas das suas derrotas aos defeitos dos outros, da extrema-direita, dos ricos, dos padres, dos fascistas, dos proprietários, dos patrões, dos corruptos e agora dos populistas. Não pensam que os culpados são ou também são eles, os democratas, ou elas próprias, as esquerdas. Raramente se dão conta de uma verdade velha, com dezenas de anos, mas sempre esquecida: as democracias não caem por serem atacadas, não são derrubadas pelos seus inimigos, caem por sua própria responsabilidade, porque enfraquecem, porque se dividem, porque perdem tempo e energias com quezílias idiotas e porque deixam que o sistema político perca de vista as populações. Também, finalmente, porque acreditam nas suas virtudes, porque confiam na sua racionalidade e porque consideram que têm o exclusivo da bondade e da compaixão.

As esquerdas (nas suas versões americana e europeia) apresentam-se cada vez mais como uma soma de sindicatos e de clientelas: mulheres, negros, operários da indústria, desempregados, pensionistas, homossexuais, artistas, intelectuais, imigrantes, latinos ou muçulmanos. Todas as minorias imagináveis, incluindo as mulheres que o não são. Às vezes, resulta. Mas acaba sempre por não resultar. As esquerdas abandonaram as ideias e os direitos universais dos cidadãos e valorizam as suas circunstâncias étnicas, sociais ou sexuais. Como também abandonaram a capacidade de pensar a identidade nacional, entidade ainda hoje vigorosa e reduto de referências pessoais e culturais.

Acima de tudo, a arrogância e a superioridade moral, cultural e política das esquerdas têm destes resultados: afastam-nas do povo e favorecem os inimigos da democracia.

(António Barreto) 

3 comentários:

  1. Caro Rui Valente,
    Tinha eu percorrido 2/3 do texto e perguntava a mim mesmo o que se estaria a passar com o autor do blog. Uma olhada rápida ao pé de página e suspirei de alívio. Autor da "proeza opinativa" : António Barreto. Tudo ficou claro para mim naquela amálgama social de "mulheres, negros, operários da indústria, desempregados, pensionistas, homossexuais, artistas, intelectuais, imigrantes, latinos ou muçulmanos". Foram estes que conduziram os sobrinhos do Tio Sam a este desequilibrado passo da sua história. Então querem lá ver que as "esquerdas" é que são responsáveis pelo resultado do escrutínio eleitoral que decorreu na mais" avançada" democracia do Mundo ? Tão avançada que até se exporta como se vê no Médio Oriente.
    Quando o autor do "manifesto" procura bodes expiatórios para o que aconteceu, mais não está do que a distrair os distraídos. Ele sabe melhor que ninguém de quem é a responsabilidade do aparecimento dos populismos e pretende sacudir a lama do capote. Só peca por defeito na análise. Esqueceu-se de mencionar Putin. O grande "responsável" pela vitória de Trump ( diz a CIA) através dos hackeres russos.
    Haja pachorra para aturar tanto barrete.

    Cumprimentos

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  2. Olá Guilherme Olaio!

    O António Barreto é um homem inteligente, mas entra frequentemente em contradição com ele mesmo, com a sua veia esquerdista.

    Apesar disso, acho que ele tem alguma razão quando fala das culpas das esquerdas (nacionais e europeias), particularmente da "esquerda" PS, porque na era Sócrates aquilo foi uma salada russa de demagogia e oportinismo. E senão veja. O próprio partido comunista e o BE podiam agarrar muito bem no trunfo da regionalização para se destacarem do PS e do PSD, e contudo fogem ao assunto.

    Essa é uma das fraquezas da nossa esquerda, sobre isso não tenho a mínima dúvida. Agora, acho que o texto de A. Barreto tem uma linguagem um tanto excessiva, dando por momentos a entender que está a proteger a direita, mas eu não o interpretei dessa maneira.

    Um abraço

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  3. Acho que o comentário do Guilherme Olaio reforça o que diz o António Barreto, sobre as esquerdas não terem capacidade autocrítica. E - desculpe que lhe diga - enfia-se de pés juntos na poça do último parágrafo, a poça d'"a arrogância, superioridade moral, cultural e política das esquerdas".
    Quem te avisa, teu amigo é: o Rui Valente percebeu bem que o texto do AB tenta chamar a atenção da (nossa) esquerda para os erros de análise da situação. Chama precisamente a atenção para o erro de procurar noutros a culpa do resultado. O Guilherme vem dizer que o AB procura bodes expiatórios: não, ele enumera os que a esquerda lista como possíveis. E aos quais o Guilherme Olaio junta mais um: afinal foram foram os hackers russos, ao mando do Putin... Bem, pelo menos continua a ser uma explicação circunscrita ao globo terrestre, vá lá.

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...