11 junho, 2009

Os plantadores de ditaduras

A coluna "Sobe e desce" do Público de hoje presenteou com uma flecha ascensional a cada um, pelos respectivos discursos do 10 de Junho, Cavaco Silva e António Barreto. A seta atribuída a Cavaco é, a meu ver, exagerada, porque o senhor PR pouco mais fez do que é previsível fazer-se em protocolos deste género. Uns recadinhos de circunstância [para impressionar], do tipo, "a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas depende da forma como aqueles que são eleitos actuam no desempenho das suas funções", e outros, misturados com alguma demagogia, estilo, "cada cidadão tem obrigação de participar na vida pública, não sendo aceitável que existam portugueses que se considerem dispensados de dar o seu contributo, por mais pequeno que seja", traduziram-se naquilo a que os franceses costumar chamar um déjà vu.
Já o discurso de António Barreto foi mais pragmático, pareceu mais autêntico e directo. Não deixando de ser também circunstancial, conseguiu, contudo, emprestar às palavras uma carga de inconformismo de que Cavaco não é capaz. Dizer isto, "Portugueses precisam de exemplo, mais do que sermões", ou, "não usemos os nossos heróis para nos desculpar. Usemo-los como exemplos. Porque o exemplo tem efeitos mais duráveis do que qualquer ensino voluntarista", não é nada de bombástico, mas é menos protocolar e incomoda sempre um pouco o público alvo [perceptível no rosto crispado de alguns presentes]. Foi um discurso contra-natura e honesto.
Já Cavaco continua a levar-se demasiado a sério, convencido que a pose e o status, chegam para se tornar credível. Sê-lo-à, por certo, para alguns, de outro modo, custaria a perceber o endeusamento esquisito que certa prole teima em colar à sua imagem, mas não pode, nem deve convencer-se que tem razão só porque diz algumas coisas.
Tal como o António Alves, sinto-me insultado pelo senhor PR, com as afirmações que fez sobre os abstencionistas. Eu, sou dono da minha vontade e das minhas ideias e não admito ao senhor PR que menorize a minha assumidíssima posição de desprezo por actos eleitorais à medida dos interesses da classe política. Votar para conduzir para cargos europeus pessoas cujo trabalho e consequências para o país me são totalmente ignorados, seria [como ele diz], obrigar-me a passar a mim mesmo um atestado de incompetência.
Teria sido bem mais útil e corajoso que o senhor PR tivesse sabido convencer o seu amigo Dias Loureiro do mau exemplo que deu ao país por ter permitido que uma instituição com a dignidade do Conselho de Estado fosse manchada com as suas negociatas em offs-shores, do que tratar os portugueses como atrasados mentais. Eu só votarei quando os senhores políticos conseguirem restaurar a minha confiança. Até lá, não quero ser responsável por toda a porcaria e falta de vergonha que as eleições têm parido há uns anos a esta parte. Eu critico-os porque não acredito neles. Ponto.
Para mim, votar em branco seria credibilizar uma democracia na qual não acredito. Acredito sim, que votando neste modelo de "democracia", sem rei nem roque, onde os políticos perderam completamente o sentido de missão, estaria a contribuir insanamente para a proliferação de autênticos plantadores de ditaduras. Essa responsabilidade, esse dever "cívico" senhor Presidente, eu não quero. Passo.

4 comentários:

  1. e a refinada hipocrisia de ter tido a lata de homenagear um homem (Salgueiro Maia) a quem recusou uma pensão quando ele já estava doente com um cancro terminal no mesmo ano em que atribuiu pensões a dois ex-pides

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  2. isso, é o que alguns chamam "politicamente correcto"...

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  3. Para mim, a abstenção em massa só pode ter uma leitura: Falta de confiança nos políticos.

    Também me senti,durante largo tempo, tentado a ignorar as eleições.

    Após reflexão, concluí que isso poderia ser mal interpretado. Se pretendia vincar a minha desconfiança nos políticos, entendi que a melhor forma seria ir ao sufrágio anular o voto. E assim procedi.

    Pena é que a mensagem jamais será entendida!

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  4. É exactamente o que cita António Alves que retira a dignidade à democracia.
    O senhor PR deve-me uma explicação para a homenagem que hoje presta a um cidadão exemplar, que foi sempre a antítese destes oportunistas que (se) governam...

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...