08 dezembro, 2010

O último crédulo

Luiz Fernando Veríssimo, filho do grande escritor Érico Veríssimo, é provavelmente o maior humorista brasileiro vivo, por muito que não seja largamente conhecido em Portugal. Entre os personagens que criou, conta-se a velhinha de Taubaté, cidade do Estado de S. Paulo. Estava-se no tempo da ditadura militar - aliás no seu ocaso - e o " ditador de serviço" era o general Figueiredo, o tal que dizia "eu prendo e arrebento" em relação aos adversários de que não gostava.

A velhinha era uma senhora idosa, crédula, que vivia nessa cidade do interior paulista, sozinha com os seus gatos, e que tinha uma característica única : era o último brasileiro que acreditava nas afirmações do governo . Em consequência, ela era cuidadosamente monitorizada pelos Serviços Secretos, que transmitiam ao governo as reacções da velhinha. Por sua vez o governo, antes de qualquer dos seus membros fazer declarações públicas, tentava responder à pergunta " será que a velhinha vai acreditar nesta?". É que no dia em que a velhinha deixasse de acreditar no governo, era o fim!

Imagina-se a minha comoção quando por mero acaso descobri a existência de uma equivalente portuguesa da velhinha de Taubaté. Não consegui os detalhes da sua localização, apenas sei que vive algures na região saloia de Lisboa. Julgo até saber que a recente demissão do responsável pelos Serviços de Informação da República, se ficou a dever a divergências com o governo quanto à melhor forma de gerir o relacionamento com a velhinha.

Seja como for,o certo é que os Serviços de Informação verificaram que quando Sócrates explicou que tinha tirado o curso de engenheiro na Independente da maneira mais normal possivel, a velhinha nem por um instante duvidou. Quando afirmou que não estava envolvido no licenciamento do Freeport, a velhinha achou que só podia ser verdade, tal como no caso da Cova da Beira. Quando Sócrates disse que nada tinha a ver com as escutas da Face Oculta, a velhinha nem sequer pestanejou. Do mesmo modo quando Sócrates anunciou que a crise tinha terminado e que Portugal tinha sido o primeiro país a sair dela, a velhinha esfregou as mãos de satisfação. Idêntica alegria manifestou quando o governo lhe garantiu que não aumentaria os impostos.

Mas o problema surgiu agora, quando Sócrates anunciou que a política de educação que o seu governo vem implementando, é um êxito reconhecido em toda a Europa, que os nossos alunos "sabem mais", sendo que uma das provas é que a percentagem de reprovação (oops, perdão, de retenção) tem diminuido.

Aí, nem a velhinha acreditou, e todas as campainhas de alarme começaram a tocar em S. Bento. Reuniões de emergência do Conselho de Ministros vão realizar-se, para estudar como restabelecer a a confiança da velhinha e permitir a continuação de declarações oficiais que mostrem ao país que que tudo está sob controle.

O nervosismo reina nos gabinetes ministeriais. Se a velhinha voltar a acreditar, o país está salvo!

5 comentários:

  1. História deliciosa, Farinas!

    A realidade, é que ainda há por aí muitas velhinhas... Não de Taubaté, mas talvez de Ranholas, não sei.

    ResponderEliminar
  2. Esta velhinha na história de Sócrates, para além de ser crédula
    tinha Alzheimer.

    O PORTO É GRANDE VIVA O PORTO.

    ResponderEliminar
  3. Meu caro Farinas, somos um povo envelhecido...

    Um abraço

    ResponderEliminar
  4. Esta história, que adorei, fez-me lembrar uma outra situação, que conto em poucas palavras...
    Para fugir à tropa, fui para os EUA, estudar e trabalhar, em Boston... Cursei Economia e Finanças, e tinha um colega, Sirio, com quem fiz uma serie de trabalhos... Expliquei-lhe a situação Portuguesa, entusiasmou-se com a dimensão da Metropole e das Colónias, falamos de Salazar e mais tarde de Marcelo. Recebiamos os magnificos Relatórios do Banco de Portugal, trabalhavamos com eles, e defendemos tese sobre a relação do Ouro com o barril de crude... e o trigo !!! Valemo-nos dum trabalho do Salazar, sobre o trigo num ponto de vista económico. O nome do Salazar era o BOTAS, como sempre em familia de reviralho (a minha), nos referiamos ao ditador. Eu achava que a tacanhês do beirão era culpada de tudo de mal que a Pátria passava...
    Mais tarde trabalhamos juntos, e nos negócios que realizamos, ele para medir o risco, perguntava-me "- Achas que o Botas, não julgaria isto arriscado? "
    Muitas e muitas vezes, repetimos esta interrogação, "- Que diria o Botas? "
    Com o 25 de Abril, regressei à Pátria, com gosto e paixão... Continuo de esquerda, como sempre, mas muitas e muitas vezes, penso "que diria o Botas?"
    Claro que o que defendo, é o rigor nas contas, a seriedade e o cuidado...Nunca o dito Botas...

    a terminar, Alin, o meu amigo sirio, é dono duma Gestora de fundos, e ganha dinheiro quando o Mundo está bem, e quando o Mundo está mal... É um dos que nós por aqui apelidamos " os fdp dos mercados "...
    Que diria o Botas ?

    ResponderEliminar
  5. Anónimo 19:17,

    como o entendo! Eu também fui e continuarei a ser um anti-Botas militante, contudo, teríamos de lhe dar o direito de soltar uma sonoras gargalhadas caso pudesse assistir aos estragos que os políticos estão a provocar na Democracia.

    Parecece que o estou a ouvir: «e o Ditador era eu?»

    ResponderEliminar

Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...