11 fevereiro, 2011

Entrar no armário

Bater na Justiça, em Portugal, já se transformou numa espécie de desporto nacional não federado. Batem os políticos, batem os agentes da Justiça, batem aqueles que, anonimamente, e todos os dias, têm de confrontar-se com os caprichos e devaneios de uma máquina voraz que, como bem notava, recentemente, Marinho e Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, parece viver mergulhada na Idade das Trevas.

Entre a ingenuidade de acreditar que há uma justiça igualitária, que não discrimina em função da condição social e do capital de influência de quem se senta no banco dos réus e a recorrente contenda sobre a ténue fronteira que separa o universo judicial do da política (caldinho regado por juízes arvorados em super-heróis e políticos que se pintam de coitadinhos) há uma dimensão terrena que, não raras vezes, nos escapa.

Falo das coisas de todos os dias, de não haver funcionários, de não haver computadores, de não haver cadeiras nas salas de espera, de não haver respeito pelos horários e pela vida de quem se desloca a um tribunal. De não haver, enfim, armários para guardar os processos.

Pois é esse precisamente um dos aspectos peculiares do julgamento do caso BPN, tão-só o mais importante processo de crimininalidade económica ocorrido em Portugal. Não há armários para guardar os 70 volumes e os 700 apensos do processo numa área de fácil acesso aos intervenientes do caso, o que permitiria uma consulta mais célere e uma óbvia agilização no desenlace do julgamento.

A alternativa é esta: de cada vez que uma das partes quer consultar um calhamaço, é obrigada a deslocar-se a outro andar, ao arquivo geral, o que significa interromper a audiência durante, pelo menos, meia hora. De sublinhar que toda esta rábula tem como pano de fundo o Campus da Justiça, esse monumento envidraçado à modernidade.

E, afinal, o que pediu Luís Ribeiro, o juiz-presidente? Pediu 180 armários novos para instalar na sala de audiência e a ajuda de um funcionário judicial para dar apoio no acesso a tão vasto manancial de papéis. Obteve um redondo "não" como resposta. "A justiça está dependente do Poder Político. Só faz o que a deixam fazer", desabafou o magistrado, com uma eloquência que, não me surpreendendo, não deixa de ser assustadora.

Sobretudo porque o mesmo Poder Político que não hesitou em injectar quase cinco mil milhões de euros para salvar o BPN (maldita robustez do sistema bancário!) não é capaz de dispensar uns trocos para melhorar o funcionamento da máquina judicial e, com isso, ajudar a punir aqueles que engordaram a conta bancária à custa de esquemas criativos de contabilidade.

Já que não pode dar-se ao luxo de adquirir 180, que o Governo abra uma excepção e compre ao menos um armário. Para se fechar bem fechadinho lá dentro.

[Pedro Ivo Carvalho/in JN]

Obs. do RoP
Para memória futura declaro que o facto de continuar a publicar artigos de opinião de jornalistas ou colaboradores do JN - jornal que deixei de adquirir -, não expressa a minha sintonização com o seu alinhamento editorial e a opinião de alguns jornalistas. Há sempre excepções...

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