29 maio, 2011

O terrível fantasma da abstenção

Tento compreender, sem contudo evitar alguma estupefacção, com a ideia, quase obsessiva, que certa gente continua a ter  contra a abstenção. E não se pense que se trata de  quaisquer pessoas, são pessoas com alguma notoriedade social, e até política, como aquelas que hoje no JN deram a sua opinião sobre a evolução abstencionista em Portugal, desde o 25 de Abril.

Antes de explicar a minha estranheza, interessa revelar o ponto em que concordo com essas pessoas. Tem a ver com a importância de manter bem vivo o hábito de votar, e de o transmitir às novas gerações, lembrando-lhes pedagogicamente os  50 anos de ditadura em que o povo foi impedido de o fazer livremente. Partindo deste "preâmbulo", depois, caberá a cada um, decidir o timing em que deve, ou não, votar. E essa decisão, incluirá, naturalmente, o voto em branco e... a abstenção. E por quê? Porque, o voto em branco, para constituir um efectivo sinal  de protesto, do género "eu quero votar, mas não me revejo nos partidos concorrentes", teria de ser consequente. Isto é, teria de desencadear uma série de acções/reacções conducentes a uma outra iniciativa, a um resultado concreto. Ora, não é nada disso que acontece. O voto em branco, é apenas um gesto, um registo, bem menos dissuasor que um sinal de sentido proibido no trânsito rodoviário ! Nestes casos, quando o infractor é apanhado pelas autoridades, ainda arrisca uma coima, agora votar em branco não tem qualquer consequência para os maus governantes.  

Perante tamanha inocuidade democrática, o cidadão [como já tem acontecido comigo], tem todo o direito de se sentir coagido com a prática de uma acção [votar] para a qual frequentemente não vislumbra qualquer sentido, com a agravante de até se sentir usado por preconceitos políticos.

É por estas e muitas outras razões, que discordo completamente de pessoas, como o Arqº. Alcino Soutinho que chegou ao cúmulo de considerar a abstenção "falta de inteligência" e [cito] "um acto estúpido!". Como assim? Não será o contrário?

Enquanto certas figuras falam da Democracia como se de um bicho de estimação se tratasse, procurando assim, parecer mais democratas que os outros, eu não me canso de argumentar sobre a premência de a aperfeiçoar e fortalecer. Mas, para isso, é preciso fazer algo mais que votar. A Democracia não pode ser tratada como o motor de um automóvel que para funcionar basta ligar a ignição. E o que os eleitores têm andado a fazer com a Democracia, votando em pessoas, partidos políticos, ou em branco, é tratá-la como um carro cuja ignição já não trabalha, mas que se insiste em ligar. Digam-me, será isto inteligente? Quantos de nós já não teriam afastado Sócrates [e outros] do poder? E, quem sabe, quantos prejuízos para o país não teriam sido evitados, se isto fosse possível?

Além de mais, se o voto do cidadão é fundamental para o bom funcionamento da democracia, e serve para eleger governos, também devia existir um processo célere e económico de os demitir, sempre que  se revelassem incompetentes ou corruptos. Se o cidadão pode e deve votar, porque acredita num determinado programa de governo confiando ao respectivo líder os destinos do país, devia igualmente poder votar, para lhe retirar confiança, quando e sempre que tal se justificasse. Isso, sim, seria votar democraticamente, e em segurança, com enormes vantagens para a economia do país.

Quando pessoas fazem declarações públicas, apenas porque gostam de ser politicamente correctas, sem pensar devidamente, acabam por dizer futilidades pouco convincentes. A ideia que fazem passar, é que votam porque parece bem votar. No fundo, parecem querer dizer que, apesar de tudo, de todas as crises e más governações, a coisa não os afecta muito. Mas, talvez fosse bom lembrarem-se que a Democracia foi concebida para estar ao serviço de toda a população, e não só de uns poucos...

2 comentários:

  1. Quando os partidos escolhem maus candidatos e governam mal ou fazem uma oposição sem qualidade, como querem que os eleitores estejam satisfeitos com a sua "democracia" partidária. Se um cidadão não se revê numa qualquer lista de deputados, muitos dos quais nem sequer conhece, é compreensível que prefira abster-se. Só que, assim, não pode influenciar o futuro do país, tal como se votar nulo ou em branco. Depois temos os que votam sempre no mesmo partido ou votam contra um determinado candidato a primeiro ministro para ver se o conseguem tirar do poder. O que Portugal precisa é de melhores políticos que sirvam o País e não, como grande parte deles, se sirvam da sua eleição para se "encherem" e enriquecerem à nossa custa. Exemplos não faltam.

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  2. A "democracia" em Portugal acabou. Hoje não passa de uma farsa dominada por uma oligarquia que nos permite alguma liberdade política e de expressão. Se ultrapassarmos os parâmetros que os político-banqueiros definiram como "liberdade", estaremos fritos, tal como no tempo do Botas.
    Num regime assim A ABSTENÇÃO É O VOTO ÚTIL.

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...