PEDRO IVO CARVALHO
O centrão, esse fantasma que António Costa jurara ter guardado de vez no armário, juntamente com a roupa velha e bafienta dos invernos de má memória, voltou a assomar à janela do regime. Desta vez, para nos mostrar quão sagazes e coordenados conseguem ser os representantes dos dois maiores partidos quando chega a hora de acautelar os seus direitos e de cobrar à nação os sacrifícios que tão patrioticamente fizeram em seu nome. PS e PSD conseguem entender-se sobre mercearia. Sobre economia é que é mais difícil.
Recuemos a novembro de 2014. Depois de apresentarem e aprovarem na especialidade uma proposta para repor o pagamento das subvenções vitalícias a antigos políticos, Couto dos Santos (PSD) e José Lello (PS) decidiram retirá-la. "Em nome do bom-senso", justificaram. Da decência. Basicamente, e para sermos menos românticos, porque havia muita gente dentro e fora dos dois partidos a não entender as ¬- vamos chamar-lhes assim - urgência e justeza do pedido. Sobretudo quando tão violentos golpes tinham sido aplicados nos bolsos de quase todos os portugueses. Ainda assim, houve quem, em particular na bancada socialista, tivesse engolido em seco este desfecho e prometido avançar para o Tribunal Constitucional (TC). Assim foi.
Pouco mais de um ano depois, ficou a saber-se que 30 deputados (21 do PS e nove do PSD), entre os quais Couto dos Santos e José Lello, para quem o bom-senso é, afinal, um bocado de plasticina, pediram a reposição da atribuição daquele apoio financeiro sem limitações de rendimentos. Invocando uma parafernália de razões jurídicas e acobertando a imoralidade política que lhe está subjacente.
A alteração ao regime imposta em janeiro de 2014 era ponderada: os ex-deputados com rendimentos superiores a dois mil euros (excluindo a subvenção) perderiam essa prestação. Nos restantes casos, o rendimento ficaria limitado à diferença entre os dois mil euros e o rendimento (subvenção excluída).
Mas isso não chegava. Porque trabalhar 12 anos como deputado deixa marcas para a vida em qualquer um e fecha, como todos sabemos, demasiadas portas profissionais. Como, de resto, é evidente no percurso de vida dos 30 deputados para quem não ser prejudicado pelo exercício de um cargo público só é aceitável se isso significar ser beneficiado pelo exercício de um cargo público.
De um lado, PCP, BE e CDS. Do outro, PS e PSD. Provando que as notícias sobre a morte do Bloco Central foram manifestamente exageradas. Não só não está morto, como ainda por cima vai ter direito a uma pensão vitalícia.
Nota de RoP:
Depois digam que não tenho razão, quando para votar ponho, como primeira condição aos candidatos garantias pessoais. As únicas condições que eles "respeitariam", mas não aceitam, claro, eram as de ordem pecuniária, ou patrimonial. A palavra de honra não funciona, porque para funcionar tinham de saber o que isso é, e está provado que não sabem, nem querem sequer pensar nisso.
A propósito, vi ontem na RTP1 aquela fantochada a que chamam debate. Uns, tiveram direito a 8 minutos, outros a 12 ou 15... Curiosamente, Paulo Morais que apontou baterias para o problema mais sério da actualidade (a corrupção), foi tratado como se estivesse a falar de ovnis, ou de tremoços. Acho é piada à tese dos comentadores que enchameiam a cabeça dos eleitores com a credibilidade do Marcelo, sem a conseguirem fundamentar minimamente. Podem-me dizer: então, por que não votas no Paulo Morais? A resposta já a conhecem, mas eu repito: porque não posso certificar a genuidade das suas intenções. Senão, votava. Porque sei que nada do que ele afirma é surreal, infelizmente para nós. Haverá alguém que tenha dúvidas?
Ah, e que ninguém me venha com a treta do costume, que ele precisa de provar o que diz. Não é a ele que compete provar, é à polícia de investigação e ao Ministério Público. Ele denuncia, e isso já não é pouco. O duplo-problema, é que se calhar (para não dizer, decerto), também essas autoridades têm os rabinhos entalados...
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