20 janeiro, 2009

Ser portista no Porto é estar de bem com as origens

Não estivesse o país cada vez mais centralizado (que é o mesmo que dizer, dirigido de forma irresponsável), o futebol e toda a clubite que ele encerra, seriam encarados pela opinião pública com outro fair-play. Mais. Num outro contexto, falar da regionalização, podia ser um completo despropósito, quase uma provocação. Mas, como Portugal não foi descentralizado, bem pelo contrário, ambas as coisas (futebol e regionalização), constituem factores de difícil compatibilidade entre si.

Somos um povo altamente despolitizado. A única ocasião em que supomos ter alguma consciência cívica, é quando somos chamados a votar, e mesmo assim, sem grande convicção. A pouca adesão popular que ainda explica alguns votos (cada vez menos) em actos eleitorais, é devida a uma fidelidade subserviente dos elementos dos aparelhos político-partidários, consoante as fases de oposição ou de governo em que os partidos de poder (PS e PSD) se encontrem, que mais não são que uma forma militante de pagar benesses passadas ou futuras.
Esta situação, não reflecte a posição da maioria dos cidadãos, que cada vez se sentem menos atraídos (e com razão) pela actividade política. A politização dos cidadãos passa, essencialmente por um outro grau de exigência e conhecimento, em relação aos eleitos e também por um mais efectivo controlo sobre o seu respectivo desempenho político. O cidadão, não tem esse controlo. A partir da eleição, o eleito, é o único que conserva, efectivamente, o Poder. O eleitor, terá de esperar, pelo menos mais quatro anos por novas eleições para ter, através do voto, uma única ilusão de Poder. Ora, isto, é muito pouco para ser credível, mas é exactamente a isto que muitos persistem, sem pudor, em chamar: Democracia...

Com a aproximação das eleições, os políticos tendem a mostrar sinais (não mais do que isso) daquilo que seria suposto realizarem durante todo o seu mandato (e não realizaram), com obras de fachada, que é a maior prova de hipocrisia que podem dar ao eleitor atento. Fazem-no também no discurso. Alguns, que durante anos a fio conservaram o mais ensurdecedor dos silêncios e o mais exibicionista dos anonimatos em relação à Regionalização, começam agora a sair das tocas e a abordar o tema com o oportunismo político do costume.

A concentração da riqueza num só ponto do país, conduz a um inevitável sentimento de injustiça das populações de outras cidades e regiões que, até então, não teriam razões demasiado graves para se sentirem discriminadas, levando-as agora a reconstituir factos antigos da sua história etnográfica com o desejo de regresso às origens, por não se sentirem devidamente integradas num país fracturado por uma governação salazarenta e centralizada em que não se vêem minimamente representados.
O centralismo, é por definição uma prática política egoísta e sectária e, como tal, tende a ser anti-democrática e desonesta. É por essa razão que arrasta consigo outras consequências, entre as quais se conta a paixão clubística desenquadrada do seu habitat natural. Todos os portuenses, os mais ferrenhos, os mais bairristas, sentem na pele a prepotência deste fenómeno. Os portistas, leixonenses, boavisteiros, e salgueiristas, sentem melhor a cidade/região e, como tal, sentem mais a discriminação, do que aqueles outros que, absurdamente, sendo daqui, são adeptos dos clubes da capital.
Os outros (benfiquistas e sportinguistas), estão e estarão sempre deslocados do binómio clube/cidade, porque defendendo clubes cuja identidade nada tem a ver com a terra em que nasceram, logicamente, não seriam os interlocutores mais fiáveis para a defender. Quer queiram ou não, encontrariam sempre um ponto de não retorno (e de contradição) no dia em que assumissem a defesa da cidade do Porto.
Os benfiquistas do Porto odeiam tanto Pinto da Costa como os de Lisboa. Odeiam-no, não pelos rótulos de malfeitor que lhe tentam colar, mas porque sabem que é forte e competente, que é um ganhador, e temem-no. Não é por acaso que quase todos os partidos políticos já tentaram (sem sucesso) recrutá-lo para conquistar a Câmara do Porto, mas teria sérias dúvidas que dessa provável vitória contassem muitos votos de benfiquistas do Porto. Os benfiquistas do Porto estão-se a marimbar para a cidade do Porto se o sucesso económico e social da cidade tiver de conviver com o sucesso do Futebol Clube do Porto.
Os portistas, fundem-se naturalmente com cidade do Porto. Os outros, nem por isso.
Nota:
Imagino que alguns estejam a pensar que me esqueci do crescente número de adeptos portistas em Lisboa e noutras regiões do país, mas não é assim. De facto, houve um assinalável fluxo de imigração, nestes últimos anos, de portuenses para a capital e, em muito menor número, da capital para o Porto. Os motivos podem ter a ver com o empobrecimento do Norte. O facto, não altera em nada o que acima escrevi.

4 comentários:

  1. F.C.Porto/Regionalização. Publiquei no meu blog, uma entrevista de Fernando Gomes de 1996 em que ele fala disso. É extraordinário, mas passados tantos anos continua tudo na mesma ou pior.

    Um abraço

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  2. Estou de acordo na generalidade mas gostaria de acrescentar o seguinte:
    Dos cerca de 350 sócios da casa do FCP em Setúbal, que eu saiba só eu sou natural do Porto.Com efeito o FCP não é um Clube Regional, donde tem adeptos em todo o lado, quer sejam Portuenses, tripeiros se quizerem, ou Ucranianos como o Yuri, que é mais Portista que o muitos que por aí andam.
    Com efeito o FCP neste momento transcende largamente a sua região original
    Um abraço
    Carlos Guimarães

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  3. Carlos Guimarâes:

    Pois, a questão não se deve colocar em parâmetros iguais. Enquanto o FCPorto cresce para além das suas "fronteiras" fruto dos seus êxitos desportivos, sem a ajuda da comunicação social, o Benfica, por exemplo, descontando os velhos tempos do Eusébio, cresce por efeito de anos sucessivos de propaganda centralista, quer perca ou ganhe. Ninguém ignora a influência que a Televisão e demais media exercem no público. Depois, quando (como todas as outras coisas) a política se cruza com o futebol, os benfiquistas do Porto sentem-se divididos e quase sempre optam pelo clube. Há, é evidente, excepções, mas, como disse no post, cedo se deparam com grandes contradições.

    Um abraço

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  4. Vila Pouca,

    Aquela história que andaram a vender durante esses anos que não se devia "misturar o futebol com a política" estava muito mal contada mas mesmo assim deu a volta aos menos atentos.

    O futebol, como quase tudo na vida, é político, mas às vezes dá jeito dizer o contrário.

    Um abraço

    PS-Já li a entrevista do Fernando Gomes. Tudo está pior.

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...