26 fevereiro, 2009

Um Estilo de Ser Português

extraído do Blogue Amar o Porto+
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As cidades, por toda a parte, tornaram-se insuportáveis. Só algumas muito raras escapam à danação: terão que ser pequenas e de província, naturalmente. O Porto, além das privilegiadas residências cercadas de muros espessos como muralhas, tem ainda um ou outro jardim, uma ou outra rua a lembrar aquela em que me refugiei há mais de trinta anos, por não poder exercer a profissão que tinha nesse tempo em Creta ou em qualquer ilha dos Açores. Mas a cidade o que tem, sobretudo, é carácter – um carácter que faz do cidadão do Porto o mais belo estilo de se ser português.
Esta cidade, cujo espírito exasperado e viril fez do granito escuro das suas pedras espelho da própria alma; esta cidade, cuja gente tem uma rudeza de fala e de gestos que lhe vai a matar com o seu ódio à futilidade e à hipocrisia; esta cidade, que herdou da aspereza do solo e do carão duro do rio uma solidez que leva às coisas da arte e do coração; esta cidade, deixai-me repeti-lo, com o seu carácter eminentemente democrático e popular, torna, por comparação, o resto do país, com excepção do Alentejo e do Alto Douro, completamente amorfo.

Eugénio de Andrade,
À Sombra da Memória

3 comentários:

  1. Desgraçadamente hà 17 anos quando conheci o Porto estaria completamente de acordo com o grande poeta; o Porto tinha um carácter único, um povo solidário, uma afabilidade rude e um orgulho humilde em ser quem era. A descaracterização provocada pela demanda do interior, pelo caciquismo político, pela traição dos seus filhos ao Deus dinheiro, pelo desagregar do seu tecido social manchou irremediavelmente um dos últimos redutos de portugalidade. Quando estará de novo o Porto confiado ao destino daqueles que o amam?

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  2. Este é o preço a pagar pelo tão "desejado" cosmopolitismo. Não é isso que todos ambicionam?

    Não quero exagerar, mas tudo o que agora se esté a passar no Porto, não creio que fosse possível há uns 20 anos atrás. Agora, há "portuenses" e tripeiros...

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...