23 fevereiro, 2009

Já não são precisos, os cantores de intervenção?

O país estagnou - andaram anos a dizer-nos -, por causa de Salazar. Cinquenta anos de fascismo, foram o tempo e a razão, do atraso de Portugal na Europa e no Mundo. A culpa era, diziam-nos, da ditadura. Salazar tinha as costas largas. Tão largas, tão largas, a ponto de poderem albergar, num só homem, as culpas de todos os males do país, mesmo depois do seu tempo e da sua morte...
O que Salazar não sabia (nem o povo), é que passados 35 anos do fim do seu regime, de um regime que tantos males provocou aos portugueses, outros Salazares bem piores que ele, se dariam ao luxo de continuar a dominar o país, escondidos atrás da máscara da Democracia. Essa, é a nova forma de fazer ditadura.
Um ditador, é um ditador, mas (na minha opinião), pior que um ditador é um falso democrata. Portugal, fez do 25 de Abril, e com ele, não uma oportunidade para progredir de forma equilibrada e sustentada, mas sim um pretexto para lavrar o terreno ideal para semear a bandalhice de forma quase institucionalizada. Aqui faz-se tudo com dois rostos.
Ninguém, neste rectângulo de oportunistas, está acima de qualquer suspeita. Os indivíduos detentores dos mais altos cargos públicos e civis, estão praticamente todos sob suspeita. Ninguém, confia em ninguém, porque os dados estão à vista. O povo, sente-se acorrentado por um regime político, cuja única virtude foi a Liberdade, mas que até dela já começa a duvidar. A democracia que lhe devia conferir a soberania, está plena de vícios e contradições, limitando-lhe a acção. É como se víssemos alguém a assaltar-nos a casa, e não tivessemos nenhuma autoridade para nos ajudar a prender o ladrão. Portugal é um país em perigo de rotura e prossegue essa correria fratricida, como um ébrio em carro desgovernado.
A comunicação social, orgulha-se de se ter constituído num poder (o 4º.), e como todos os outros poderes, abusa dele, e abusando dele, abusa do público à custa do qual vive e sobrevive. A nível da informação desportiva, transformaram um organismo público (RTP) num braço protector de um clube de futebol (o Benfica). Os "jornalistas", manipulam, teatralizam, aldrabam, provocam, caluniam, "moralizam", polemizam, incendeiam nas barbas de todos, sem que uma única voz respeitável (nem a do Presidente da República) os faça travar essa política de terra queimada e de provocação miserável. Limitam-se a assistir, como aquela figurinha do macaco que não quer ver, ouvir e falar. As «autoridades reguladoras», pragmatizam o que de pior existe na tradição nacional, criam as regras para logo as ignorar, ou seja, não regularizam coisa nenhuma.
A este propósito, nunca me hei-de esquecer das palavras de um homem que já exerceu funções governativas e que ainda hoje consegue gozar de razoável reputação. Foi ministro da Agricultura e Pescas, no 1º Governo Constitucional, chama-se António Barreto. Foi já há alguns anos, num desses programas «pseudo-pedagógicos» da Televisão. Dizia ele então, que a Suiça (onde tinha estado exilado), era um país demasiado organizadinho, muito certinho, uma chatice, enfim. Lembro-me, como se fosse hoje, como ele enfatizou a sua simpatia pelo espírito improvisador do português, do desenrascanço luso. A partir daí, eu, que até gostava de ler os seus artigos nos jornais, desinteressei-me da personagem.
Isto já foi há alguns anos, não posso precisar quantos, mas para o caso também não interessa, porque naquele tempo, como agora, os hábitos dos portugueses para desprezar as regras eram os mesmos, e, como tal, achei completamente inoportuno que um homem com as suas responsabilidades tivesse achado piada a uma das piores facetas do português: o desprezo pelo rigor. Um político não pode dizer isto publicamente, num povo que sempre se notabilizou, negativamente, por considerar que as leis são válidas para todos, menos para si próprios. E o resultado, é o que se vê, com os políticos a darem-nos, ainda hoje, os «melhores» exemplos...
Por outro lado, actualmente, sectores relevantes da sociedade, ligados à arte e à cultura, vivem semi paralizados com a situação do país. O regime de Salazar, inspirou cantores de intervenção, onde a sátira e a crítica ao regime funcionou como um tónico para a revolta, chegando mesmo, duas dessas canções, a servir como código para o avanço do movimento dos militares de Abril que conduziu ao derrube do regime (o "Depois do Adeus", do Paulo Carvalho e o "Grândola Vila Morena" do Zeca Afonso).
Passados todos estes anos, e puxando o filme atrás, chega-se à conclusão que há hoje tantas ou mais razões para intervir e ridicularizar politicamente o regime através da cultura (da música, por ex.), como no tempo do Salazar. Contudo, onde estão esses senhores? Alguns, coitados, já cá não estão, mas muitos ainda andam por aí, e não estão tão velhos quanto isso. Os Vitorinos, os Sérgios Godinhos, os Janitas Salomés, os Faustos, os Pedros Abrunhosas, os Josés Mários Brancos? Já se esqueceram do Adriano Correia de Oliveira e do José Afonso? Acham que eles merecem tanta apatia? E a juventude, onde estão os seus ideais? Terão eles, ideais?
Ou, o equívoco será meu, e nada destas iniciativas se justificam hoje, porque dispomos de «ferramentas» suficientemente funcionais, para as substituir?

4 comentários:

  1. Caro Rui Valente,

    Mais um excelente texto, a dar aso a muita reflexao.

    Mas o problema é precisamente esse, os ideais ou a falta de eles. Perderam-se por causa do comodismo.

    De todos os paises do oeste europeu, tendo a dizer que Portugal (e aqui excluo a Inglaterra), foi aquele que mais foi colonizado pela MTV e pela Nike.

    Os jovens nao estao preocupados com as questoes de fundo e pior que isso, parecem nao terem tido uma educaçao em casa que lhes potencie o espirito critico e construtivo.
    Uns nem critica fazem, tal é a ignorancia, outros criticam por criticar, mas soluçoes nem ve-las.

    Assim a geraçao que hoje domina (os cidadaos nos seus 50 e 60), corrompe a seu bel-prazer. Lembro-me de ter tido as "pernas cortadas" muitas vezes quando queria implementar projectos que todos viam como dinamizadores e decisivos para o futuro. Eram "chumbados" porque davam muito trabalho, porque, iam contra o "status quo". Muita gente teria que começar a trabalhar. Nao queriam.

    Olhava à minha volta e so via apatia. Os comentarios de tipos da minha idade, eram aqueles que voce se calhar muito ouve ai em Portugal: "ah, agora vou-me chatear com isso, ainda me lixo."

    O que acabou por acontecer foi, quem se lixou fui eu sozinho, muitas vezes. Como nao tinha nem tenho vocaçao para martir, cansei-me e fui-me embora.

    Hoje vivo num pais com um grau de corrupçao muito menor, onde as ideias inovadoras e novas mentalidades sao recebidas de braços abertos e vistas como decisivas para construir o futuro.

    Muitos jovens, falo por mim, que tenho 30 anos e por outros que conheço (dezenas) que também se encontram a trabalhar no estrangeiro, sairam de Portugal pelas razoes descritas acima. Sao formados, gente com muitas capacidades. Massa humana que nao se devia perder.

    Os que ficaram sao os do tunning e das calcinhas da Levis. Com esses a palas estao bem montadas e o tal ridiculo "hip-hop portugues" vai ser um sucesso dentro de portas.
    Entretanto o Vitorino come uns chouriços de porco preto, que sao bem bons e o Rui Veloso bebe umas "bicas" em Cascais.

    Um abraço.

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  2. Caro Soren,

    Deixe-se estar por aí, não hipoteque o seu futura por uma pátria de governantes oportunistas. A vida está difícil em todo o lado, mas aqui, pode ter a certeza, será o último lugar onde as «melhoras» se farão sentir.

    Um abraço e muita sorte para si.

    Ah, e não cometa a asneira de transferir para cá o seu dinheiro. Não gratifique quem o obrigou a sair daqui para fora. Eles não merecem.

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  3. Está tudo anestesiado. Ninguém se quer chatear...se alguém aparece a lutar contra esta anestesia, lá vem os do costume dizerem, que nunca estamos bem com nada, somos uns eternos insatisfeitos, só criamos problemas, etc.

    Isto meu caro Rui, está para os cínicos, hipócritas, maneirinhos, que riem pela frente e dizem mal por trás. Eu - atrevo-me a dizer nós -, como não consigo rir quando tenho vontade de chorar, estou - estamos -, como diz o outro, feitos ao bife.

    Um abraço

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  4. Caro Soren,

    Ao clicar no seu blogue, vi que o país que escolheu para viver era o Canadá! Grande país! Boa escolha!

    É frio, mas é um grande país. Deixe-se estar por aí, porque de ceteza que não se vai arrepender. Isto aqui, só serve para ladrões de colarinho branco e para políticos corruptos.

    Boa sorte

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