Depois da notícia sobre a fusão dos portos, sabe-se agora da intenção do Governo de sujeitar o Teatro Nacional de São João a idêntico modelo. Neste caso, está prevista a sua integração, juntamente com o Teatro D. Maria II, no Opart, que gere o São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado, em nome da lógica da contenção da despesa do Estado por razões mais que consabidas, e que, por isso mesmo, vão sendo invocadas e aceites pela população como consequências inevitáveis do mal geral que afecta o país.
Já se sabe que os equipamentos culturais, por não servirem as necessidades primeiras, são olhados com suspeita e, por isso, são um alvo fácil para os políticos. Pior ainda quando se situam na periferia. Ora, não se podendo ignorar a necessidade de reduzir os custos de funcionamento do Estado, a verdade é que os cortes na despesa não podem ser feitos, apenas, à custa da "província", por mero e cego instinto centralizador. Mesmo sendo curta a manta, e estando o Governo em Lisboa, o que o recomenda a destapar o país distante para poder continuar a aconchegar a excelsa capital, há um momento em que os súbditos longínquos se devem revoltar, e recusar esse aconchego. O que sucede no caso do TNSJ, porque a decisão é iníqua, porque se trata de um equipamento indispensável para a cultura na cidade, e porque a sua gestão, ao longo dos anos, tem sido muito melhor do que a de outros equipamentos similares. O TNSJ, que também tutela o Teatro Carlos Alberto e São Bento da Vitória, tem 94 trabalhadores, acolherá, este ano, 80 mil espectadores, e recebe 4,9 milhões de euros anuais do Estado, enquanto a Opart, que inclui a Companhia Nacional de Bailado e o São Carlos, tem 413 trabalhadores para 100 mil espectadores mas custa 18,4 milhões de euros ao Estado.
Para além disso, e porque os números não reflectem todas as realidades, lembre-se ainda que o TNSJ tem um impacto externo na cultura porque apoia companhias independentes e contrata muitos actores locais, sendo também responsável pela exportação artística, o que é caso único entre todos os organismos do Estado. A título de exemplo, "Sombras", neste momento em exibição, tem já assegurada uma digressão por Santiago, Vigo, Corunha, Madrid e Paris, e deverá também vir a ser apresentada no Brasil, onde o "Turismo Infinito", com textos de Fernando Pessoa, teve um êxito assinalável em 2009. Na sua produção própria destacam-se as produções contemporâneas de peças clássicas, de autores como Tchekhov, Gil Vicente e Shakespeare, que têm grande acolhimento junto do público.
Diz a ministra da Cultura, que aliás nunca assistiu a uma produção própria do TNSJ, que se não ocorrer esta fusão, o TNSJ não terá dinheiro para fazer face às despesas. Mas não nos iludamos. A fusão terá como única consequência a dissolução da sua unidade técnico-artística, já que, em contrapartida, gerará, "ceteris paribus", uma poupança pouco significativa, com a redução de dois administradores e com a concentração dos serviços de contabilidade. E se mesmo essa poupança é necessária, então que se faça à custa do Ministério, de automóveis e de assessorias.
A gestão autónoma do TNSJ, elogiada pelo Tribunal de Contas, tem sobrevivido a cortes sucessivos e à perda do seu mecenas, e sobreviverá decerto a uma redução de orçamento. Só não sobreviverá ao rolo compressor do centralismo. E, por isso, saúdo todos aqueles que esta semana deram as mãos para darem um abraço ao edifício do teatro, e apelo às forças da cidade para que não consintam neste desmando, permitindo manter vivo o TNSJ.
Rui Moreira
Fonte: JN
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