25 fevereiro, 2011

O desperdício nacional

Queixamo-nos de falta de recursos, mas mal damos conta do nosso grau de desperdício. Por exemplo, o país tem escassas fontes próprias de energia, mas a eficácia energética de Portugal é das mais baixas da Europa.

A maioria dos estádios construídos para o campeonato europeu de futebol em 2004 não consegue hoje sequer pagar a sua manutenção. E boa parte dos fundos europeus é gasta por privados e entidades públicas apenas para aproveitar o dinheiro em empreendimentos sem viabilidade.

É o caso de muitas auto-estradas. Hoje temos uma densidade de auto-estradas 25 % superior à média europeia, sem tráfego que justifique boa parte da rede. Uma desastrada aplicação de recursos escassos.

É a pressão dos empreiteiros e a obsessão nacional pelo automóvel, símbolo de estatuto social. 20% dos portugueses com menos de 30 anos compram carros novos, contra apenas 11% na UE, onde a preferência dos jovens vai para os usados. Somos o terceiro país europeu com mais carros por cem habitantes e Portugal é o membro da UE onde se compra um automóvel novo mais cedo: aos 43 anos, contra os 50 da média europeia.

Entretanto, o caminho-de-ferro foi desprezado, apesar das críticas que os socialistas dantes faziam à política do betão . Entre 1988 e 2009 os comboios portugueses perderam 43% dos passageiros, enquanto em todos os outros países da Europa ocidental o tráfego de passageiros no caminho-de-ferro subiu consideravelmente. Agora o Governo insiste no TGV, que promete ser um sorvedouro de dinheiro na construção e na exploração. Isto, quando o Porto de Sines ainda não dispõe de uma ligação ferroviária a Espanha digna da sua importância estratégica.

E tem sido criminoso o desperdício no sector da habitação. Salazar congelou as rendas em Lisboa e Porto. Em 1974, após o 25 de Abril, o congelamento foi estendido a todo o país. Seguiram-se anos de inflação alta, mas as rendas não mexeram. E, quando finalmente começaram a ser actualizadas, partia-se de uma base tão baixa que inúmeros senhorios continuam hoje a não ter hipótese de financiar obras nos prédios, que assim vão apodrecendo.

Compreensivelmente, o mercado de arrendamento quase desapareceu. E como, com a entrada no euro, as taxas de juro baixaram muito, a solução (para quem podia!) foi comprar casa com empréstimo bancário. Ora, para uma sociedade com o poder de compra médio da portuguesa, a opção predominante, porque mais racional, deveria ser alugar e não comprar casa. Mas nenhum governo se atreveu a mudar a sério a lei das rendas (com excepção do executivo de Santana Lopes, que não teve tempo para pôr em vigor uma lei que o governo de Durão Barroso receou publicar).

O resultado foi a desertificação do centro das cidades como Lisboa e Porto e o afastamento dos moradores para as periferias. É brutal o que isso significa em matéria de custos privados (no carro, na gasolina, no título de transporte, no stresse dos congestionamentos de trânsito) e custos públicos, nas rodovias e no urbanismo selvagem.

Agora, com o crédito caro e difícil, mais gente quer alugar casa. Mas a oferta é escassa, ficando aquém da procura. Por falta de casas? Pelo contrário, temos cerca de três casas por cada duas famílias (outro absurdo, havendo gente ainda a viver em barracas ou quase). E há mais de meio milhão de habitações devolutas.

O retraimento dos potenciais senhorios tem a ver com a actual e ineficaz lei do arrendamento, com um tratamento fiscal desfavorável e com o estado calamitoso da Justiça portuguesa. Parece que está a tornar-se hábito alugar casa, deixar de pagar a renda ao fim de um ou dois meses e esperar, continuando a habitar a casa, que o senhorio consiga um efectivo despejo, o que demora largos anos.

A irracionalidade destes enormes desperdícios sai cara ao país, embora alguns lucrem com ela. Mas quem se importa?

[Francisco Sarsfield Cabral, in Sol] 

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