01 novembro, 2011

O fim da lei do menor esforço


Após definir um país como a soma dos defeitos e qualidades dos seus cidadãos, o Almada Negreiros não resistiu a um exercício de ironia certeira e apelou : "Coragem portugueses, só faltam as qualidades".

No capítulo do trabalho, temos seguramente muitas qualidades, mas quase sempre escondidas, só se revelando quando emigramos ou somos geridos por multinacionais que nos balizam o comportamento com uma gramática rígida de regras a observar no dia a dia laboral.

Esta incapacidade para sermos naturalmente honestos e produtivos no trabalho é filha da cultura de uma nação que se habituou a viver dos recursos dos outros - e entrou em crise sempre que perdeu uma mama.

A perda do trato da Índia teve como consequência a União Ibérica. A independência do Brasil, que pôs termo ao fluxo de ouro, café e madeiras preciosas, foi a causa remota da queda da Monarquia e gerou mais de um século de turbulência.

No século XX, a incapacidade em mantermos as colónias africanas foi o fermento do desmoronar do Estado Novo, deixando-nos a vaguear até descobrirmos em Bruxelas uma nova fonte a jorrar dinheiro.

A lei do menor esforço foi a regra que nos regeu ao longo de seis séculos. Os poderosos enriqueciam roubando, um hábito lamentável que os casos Oliveira Costa, Duarte Lima e Isaltino nos fazem suspeitar que chegou aos nossos dias.

Os mais espertos das classes baixas tornaram-se comerciantes com lábia suficiente para vender aquecedores aos guineenses e frigoríficos aos esquimós, inspirando Hergé na criação do Oliveira da Figueira, o impagável personagem português do Tintin.

E os que não conseguiam sair da cepa torta, vingavam-se, com manha e ronha, fazendo o mínimo possível.
Agora, chegámos ao fim da linha. Já não vai mais ser possível viver ao abrigo da lei do menor esforço.

Os poderosos corruptos têm de ir para a cadeia - e os incompetentes têm de ser varridos para o desemprego. Os empreendedores têm de subir na escala de valor, passarem a ser mais Belmiros do que Oliveiras da Figueira. E aqueles que, como eu, optaram por trabalhar por conta de outrém, em vez de arriscarem criar o seu próprio emprego, têm de ser mais produtivos para fortalecer e tornar competitivas as empresas - e a nossa economia.

A dez horas a mais por mês que vamos trabalhar, o fim da rigidez da legislação laboral, o subsídio mais baixo e de menor duração que vamos receber se formos despedidos, são o preço a pagar por termos distribuido mais riqueza do que a produzimos.

Do ponto de vista dos trabalhadores, as novas e draconianas regras significam trocar mais horas e algum dinheiro pela preservação do emprego. Do ponto de vista dos empresários, significa um trunfo mais (os ganhos de competitividade derivados baseados da flexibilidade e redução dos custos) na luta pela sobrevivência.

Os sindicatos terão de perceber que nesta curva apertada em que fomos apanhados, os interesses dos trabalhadores e dos empresários podem ser os mesmos.


9 comentários:

  1. ruifarinas01/11/11, 19:24

    Os sindicatos portugueses estão ainda na era da pedra lascada, não sei se porque lhes convem, se porque ainda não perceberam que o mundo está em veloz mutação.

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  2. não me parece que a instituição da escravatura (trabalho forçado não remunerado) seja a solução. a competitividade e a produtividade tem pouco a ver com alargamento de horários de trabalho e abaixamento de salários. a menos que a bitola seja a china.

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  3. "Ou seja, metade dos trabalhadores portugueses aufere rendimentos brutos abaixo dos €10.000, e cerca de 4 em cada 5 portugueses recebe menos de 2000 euros por mês. Em contrapartida, só 1,1% dos trabalhadores portugueses auferem mais de 100.000 euros por ano. Por outras palavras, e como as estatísticas da OCDE (que já aqui falei várias vezes) demonstram, Portugal permanece um país extrememente desigual. E as políticas dos últimos anos pouco ou nada fizeram para contrariar esta tendência."

    Sabem quem escreveu isto? Álvaro Santos Pereira o actual ministro da "economia". É fantástico, não é? Aqui: http://desmitos.blogspot.com/2011/06/escaloes-de-rendimento.html

    O Jorge Fiel pode escrever o que quiser e demonstrar a sua fidelidade ao PSD (a maioria dos plumitivos a Norte é-lhe sempre fiel) mas eu não estou disposto a salvar a banca com o meu dinheiro e empobrecendo-me. Os bancos especuladores que se encheram de produtos tóxicos têm que falir o que só fazeria bem ao mundo. Eles e não o Estado e as pessoas. Essa conversa da aceitação bovina dos sacrifícios para que os que verdadeiramente andaram a viver à custa da "pimenta" se salvem não cola.

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  4. (...) Concluindo e resumindo somos uma merda!? - como assim!.. E os "gringos" franceses, alemães são o quê?..

    O PORTO É GRANDE VIVA O PORTO.

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  5. Já tenho dito isto àqueles que comigo convivem regularmente:

    há muitas figuras públicas, das quais aprecio a linha de raciocínio,aparentemente bem estruturada e realista,e que, de repente estragam tudo, fazendo-me lembrar os velhos brinquedos de corda que acabavam invariavelmente por se estampar descontrolados contra uma parede.

    Aprecio muito os artigos do Jorge Fiel, porque sabe-lhes introduzir como poucos muito sentido de humor. Neste, a parte que menos apreciei foi a do último parágrafo, por ser uma grande utopia:

    "Os sindicatos terão de perceber que nesta curva apertada em que fomos apanhados, os interesses dos trabalhadores e dos empresários podem ser os mesmos."

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  6. Prefiro ler o Manuel António Pina. Tem mais substância intelectual.

    O medo da Democracia

    Bastou o primeiro-ministro grego anunciar que consultará o povo, através de referendo, sobre as novas e gravosas medidas de austeridade e perda total da soberania orçamental impostas ao país pelos "mercados" e seus comissários políticos em Bruxelas e nos governos de Berlim e Paris para cair a máscara democrática desta gente.

    Na pátria da Democracia, o Governo decide-se por um processo democrático básico e Sarkozy fica "consternado" e considera a decisão "irracional" enquanto alemães e FMI se mostram "irritados" e "furiosos" com ela. E Merkel e Sarkozy assinam um comunicado conjunto dizendo-se "determinados" a fazer com que a Grécia cumpra as suas imposições e lhes ceda o que ainda lhe resta de soberania; só lhes faltou acrescentar "queiram os gregos ou não queiram" e mobilizar a Wehrmacht e a "Force de Frappe"...

    Até Paulo Portas, ministro de uma coligação eleita com base em compromissos eleitorais imediatamente rasgados mal tomou posse, está "apreensivo".

    O medo que esta gente, que tanto fala em Democracia, tem da Democracia é assustador. Aparentemente, o projecto de suspensão da Democracia por 6 meses (ou por 48 anos) estará já em curso. Pinochet aplicou no Chile as receitas de Milton Friedman suspendendo sangrentamente a Democracia. Como é que "boys" de Chicago como Gaspar ou Santos Pereira, que chegaram a ministros sem nunca antes terem governado sequer uma mercearia, o fariam em Democracia?

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  7. Caro António,

    Tencionava publicar essa crónica do António Pina, mas já que se antecipou, tudo bem.

    Quanto ao Jorge Fiel, tenho de concordar consigo. Você já conhece a opinião que tenho dos jornalistas. São demasiado voluveis...

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  8. http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/opiniao/ditos-e-mitos

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  9. A verdade seja dita!existem muitos empresários que já andam com o mesmo ferrari há um bom par de anos!
    Temos todos que ajudar para que possam trocar!

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...