27 outubro, 2016

O mercado a respirar

Rafael Barbosa
Os representantes do capital não estão interessados, por exemplo, nos mecanismos de regulação que os representantes do povo, de vez em quando, lhes tentam impor. E se não conseguem evitá-los, tratam de os contornar. Até porque a regulação é sempre tímida e a maioria das vezes incompetente. É o caso da nova Lei das Comunicações Eletrónicas, que sofreu alterações há cerca de dois meses, mas foi imediatamente subvertida pelos mercados.

O objetivo era acabar com o monopólio das fidelizações nos contratos com as operadoras de telecomunicações, ou seja, permitir que os consumidores pudessem optar, a preços justos, por contratos sem amarras temporais. No fundo, garantir-lhes o acesso a um mercado livre. Acontece que o capitalismo não tem por finalidade garantir a liberdade de escolha, apenas o lucro. E as operadoras cumpriram a lei, porque a isso as obriga o jogo democrático, mas rapidamente arranjaram forma de a transformar em letra morta.

Por exemplo, de forma concertada (ainda que as autoridades da concorrência nunca o consigam provar), as três principais empresas, que até aí avaliavam os custos de instalação e ativação do serviço entre 80 e 150 euros, passaram a avaliá-los entre 350 e 410 euros. Do serviço que se está a falar é o daqueles senhores que vão a casa esticar uns cabos e ligá-los ao router e à box. Um serviço que, em simultâneo nas várias operadoras, quadruplicou de preço. Resumindo, voltou tudo à estaca zero. Se o consumidor quiser um contrato sem fidelização, tem de estar disponível para pagar umas largas de centenas de euros a mais (pode chegar a mais 800 euros ao longo de um período de dois anos, nos pacotes de serviços mais comuns).

Perante isto, o que dizem os nossos representantes democráticos? Alguns classificam a manobra como "chico-espertismo" e a maioria parece inclinar-se, ainda que a medo, para voltar a mexer na lei. Quem mais destoa é, curiosamente, o partido que está no poder. O deputado Luís Moreira Testa, em nome do PS, recusa precipitações. E usa um argumento que deixa qualquer um a hiperventilar: "é preciso deixar o mercado respirar".

(do JN)

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