03 dezembro, 2008

O aproveitamento abusivo de uma política falida

A intenção nunca foi oficialmente proclamada, nem sequer admitida, mas é certo que a concentração dos centros de decisão, oficiais ou semi-oficiais (e dos privados por arrastamento) em Lisboa, e os investimentos maciços nessa região, são a tradução prática duma decisão tomada há muitos anos pelo governo, e que tinha como pressuposto a necessidade de criar em Portugal uma cidade que mercê do seu tamanho e da sua importância financeira e económica, pudesse opor-se à importância hegemónica de Madrid e Barcelona. Foi dentro deste tipo de raciocínio, por exemplo, que o ex-ministro Cravinho se fartou de proclamar que era imperioso um novo e enorme aeroporto em Lisboa " porque Espanha ia fazê-lo na região de Madrid e era necessário captar o tráfego transatlântico que de outro modo seria captado por Madrid".

Penso que sempre foi evidente, mesmo para os não economistas como eu, que a existência de uma mega-Lisboa nunca impediria a conquista económica de Portugal pela Espanha, e que pelo contrário nos enfraquecia como nação. O nosso país é uma presa fraca e pequena face a uma Espanha que mesmo não pertencendo ao G8, nos é incomparavelmente superior em todos os capítulos económicos e até na capacidade empreendedora dos seus agentes económicos, bem como na concepção prática do que entendem por patriotismo. Enquanto no nosso país o patriotismo parece medido exclusivamente pelo número de bandeiras nacionais colocadas nas janelas, ou pelo "orgulho nacional" de termos o melhor futebolista do mundo, a Espanha segue outros critérios. A única consequência prática do conceito de uma mega-Lisboa foi o exaurir do resto do país. É uma comparação nada original, no entanto verdadeira: Lisboa comporta-se como um eucalipto que lança as suas raízes tão longe quanto necessário para absorver cada vez mais água, deixando morrer à sede, se necessário for, toda vegetação que o rodeia.

Sendo mais do que óbvio que a finalidade original do conceito de mega-capital não será atingida, porquê continuar então a insistir numa política de centralização sem limites cujo resultado é o oposto aquele que inicialmente seria desejado? Só vejo duas explicações possíveis: ou estupidez, ou o desejo incontido de benefício próprio, em detrimento dos restantes 70% da população nacional. Pessoalmente, acredito nesta segunda hipótese.

Gostaria de ver o Presidente da República, que é dito ser o presidente de TODOS os portugueses, exprimir publicamente uma condenação desta política destrutiva da chamada coesão nacional. Claro que seria pedir demasiado, especialmente nas presentes circunstâncias em que Cavaco Silva deve estar mais preocupado com os seus problemas no BPN e com a sua convicção de que perderá poderes se o Estatuto dos Açores for finalmente aprovado na AR. Não me parece que sejam problemas muito relevantes para os portugueses, mas ele lá sabe... Deste lado, então, nada a esperar. Dos políticos profissionais, também não. Restamos nós próprios.
Conseguiremos travar a nossa destruição?

3 comentários:

  1. Em Democracia, era suposto termos outros recursos de cidadania. Instrumentos de defesa suficientes para pôr termo a esta garotada, mas pelo que se constata pouco mais podemos fazer que protestar...

    ResponderEliminar
  2. "Gostaria de ver o Presidente da República, que é dito ser o presidente de TODOS os portugueses, exprimir publicamente uma condenação desta política destrutiva da chamada coesão nacional."

    Condenar publicamente? Mas se foi ele que mais promoveu o concentracionismo... (chegando mesmo a defender uma estratégia unipolar para o país).

    ResponderEliminar
  3. Caro Rui,

    Efectivamente o Pedro tem razão: Cavaco terá dito no final dos anos 80 que se devia apostar unicamente em Lisboa. Foi um director da ACPorto que me confidenciou há uns anos.

    ResponderEliminar

Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...