Para quem tenha dúvidas, informo que ainda sou do tempo da(s) outra(s) senhora(s), o que significa que pude viver a experiência dos regimes de Salazar e Caetano. Tinha 26 anos quando os capitães de Abril promoveram a revolução que, supostamente, deveria conduzir Portugal à Liberdade, à Democracia e ao dito Progresso. Destas três ambições, apenas conquistámos uma: a Liberdade. Só, a Liberdade, sim.
Gostaria então de colocar algum rigor sobre a ideia que hoje, muitos fazem da falta de Liberdade vivida no antigo regime. De facto, não havia eleições livres, nem liberdade para discutirmos de forma pública e explícita, determinados assuntos, mas também não tínhamos um polícia em cada esquina a espiar-nos, como alguns inventam. Como muitos jovens na altura, eu pertenci àqueles que passaram algumas noitadas, na rua, com os amigos a falar de tudo, incluindo, de política. Sim, de política (mais idealista que partidária) e do nosso país.
O regime salazarista tinha tanto de opressor, como de estúpido, e como tal, não conseguiu impedir-me a mim, e a muitos outros, de sair (com passaporte de turista) de Portugal, mesmo em plena época de guerra colonial e com idade para apresentar os sinais para a tropa.
Com um pai profundamente anti-salazarista, também aprendi a torcer o nariz ao ditador, mas não foi o regime que me fez partir, foi a minha grande paixão pela aventura. De tal modo que, enquanto uns pagavam para fugir do país e da guerra colonial, eu, regressava do estrangeiro, para pouco tempo depois ingressar no exército e ir parar a Moçambique, para a guerra colonial.
Não me censurem, porque fi-lo com a ingenuidade de um jovem relativamente politizado, mas algo influenciado pelo orgulho pátrio da época (e pelo meu avô), pensando estar a prestar um grande serviço ao país. Se, hoje, me perguntassem se estava arrependido, diria claramente, que estou. A minha experiência militar no chamado Ultramar não trouxe nada de importante à minha vida, a não ser o refinamento da consciência do racismo que alguns portugueses praticavam em África. Eu vi.
Mas, por que é que estou a falar-vos da minha vida? É só para que entendam, que, como a minha, há outras vidas e experiências com pontos intermédios com as contemporâneas, que nos autoriza a estabelecer comparações. Como tal, estou à vontade para dizer sem qualquer hesitação que, apesar dos regimes fechados e cinzentões de Salazar e Caetano, não tenho memória de ver com os meus próprios olhos tanta bandalhice e desonestidade intelectual como agora. Podem-me dizer que naquele tempo as sacanices já se faziam, mas às escondidas. Pois bem, dou de barato esse argumento. Mas, que importância tem isso? Será somente, pelo contraste entre ocultar e exibir a hipocrisia política (e social), que está a grande vantagem da "Democracia" em relação à Ditadura? Se é, então ainda estamos pior. Eu prefiro não ver o que me repugna se me for negada a possibilidade de intervir. E foi só para isto que se fez o Portugal de Abril?
Pensando bem, vivemos hoje uma outra espécie de Ditadura. Não, como a de outrora, mas ainda mais cínica, porque através do mito da nossa liberdade de opinião, criou-se no povo uma falsa ideia de democracia que lhe castra a capacidade de revolta e lhe tolda a lucidez. A Ditadura dos novos tempos, reveste-se da máscara perigosa da Democracia, e é exercida pela comunicação social, e de forma habilidosa. De tal modo que, frequentemente, parece constituir-se numa forte oposição aos poderes públicos e económicos, mas está neles estrategicamente incorporada.
No "tempo da outra senhora", a televisão era mais hermética, cinzentona, tecnicamente menos sofisticada, tinha menos programas, mas nunca nos fez sentir discriminados. O que se fazia, era igual para todos. Os de Lisboa, ouviam os mesmos "sermões" e as célebres conversas em família de Marcelo Caetano que ouviam os do Porto, Braga, Guimarães ou Coimbra. Hoje, em "Democracia", o discurso é de Lisboa para Lisboa, tomando-a como o todo nacional. Nós, no Porto, sabemos que não estamos a ser tratados por igual. Há facciosismo, há intriga, há conspiração contra o Porto, e a "Democracia" não nos serve para nada, ri-se da nossa impotência. Os cães de fila do regime fazem o que lhes apetece.
Sinceramente, acho que por muito menos se fez o 25 de Abril. A Liberdade do homem, em qualquer circunstância, tem de ter limites. Eu estou preparado para assumir os meus, o que não estou é com muita paciência para continuar a assistir a esta pouca vergonha. Esta gente é um nojo. Quando é que nos dispomos a metê-los na ordem?
Meu caro Rui eu compreendo a sua revolta por tudo o que se tem passado e pela forma como nós, os cá de cima, temos sido tratados, mas meu caro, todos - eu assumo a minha cota parte - temos grandes responsabilidades no assunto. Somos um povo passivo, que não reage, que deixa que os outros tomem todas as decisões por ele, subserviente, hipócrita, invejoso, com falta de coragem...enfim, a culpa de tudo estar assim é nossa que deixamos as coisas chegar a este ponto e agora, cada vez mais é difícil mudar.
ResponderEliminarInfelizmente não temos quem cá em cima, seja capaz de soltar o grito do Ipiranga.
Um abraço
Desculpe caro Vila Pouca, mas eu não embarco nessa, da "culpa ser também nossa".
ResponderEliminarEsse, é o discurso da tanga que convém fazer passar a quem tem de facto responsabilidades governativas sobre o destino do país.
O que é você não fez e pode fazer para mudar as coisas?
Diga-me: que culpa tenho eu que haja outros a dar crédito a estes bandidos? A votar nestes inaptos vigaristas? A ir às urnas, colocar o voto como se esse fosse um acto sério de cidadania? Você,Vila Pouca, ainda acha que é?
Que culpa tenho eu (ou você) que o JN tenha sido comprado por um oportunista do Norte que cuspiu nas suas origens e se marimbou para a região e agora se marimba para quem trabalhou para ele?
Que haja pessoas capazes de vender as mães para subirem na vida?
Você acha que podemos fazer mais do que fazemos? O quê? Uma revolução? Diga-me, porque não me contento com os desabafos que aqui deixo para lavar a alma.
Por favor, não entre por aí. Se mais pudesse fazer, faria, pode ter a certeza.
A cota parte que posso assumir de responsabilidade, é sobre a minha própria vida, dessa sim, não da vida dos outros.
A madre Teresa de Calecutá já morreu e, coitada,apesar do bem que fez, não deixou grandes herdeiros e o Mundo não mudou lá grande coisa...
O grito de Ipiranga, são gritos, e já temos dado alguns aqui...
Abraço
Permitam-me o desabafo.
ResponderEliminar"A culpa não é deles. É nossa!"
Eu dou alguma razão ao Rui Valente...Também passei pelos tempos da "outra senhora" - não pude fugir, nasci aqui na época errada- senti a exploração desses tempos, a crueza de ter que dar com o corpo - no momento em que atingia o auge da minha Juventude- numa Guerra que não era minha, porque não acontecia aqui no meu País, porque eu não fiz nada para que ela acontecesse, de ter que abandonar a minha vida ascensional de descoberta do Mundo, na idade em que era mais necessário e urgente viver e zás, recolher aos calabouços Obrigatórios do Serviço Militar, onde afinal havia de tudo como na Farmácia...Escondido claro, mas mal escondido. Três longos anos de agonia lenta, três longos anos de Prisão Efectiva, pelo único crime de ter nascido no País errado, na época errada num tempo em que tudo o que era agradável estava para me acontecer...Havia no entanto, nessa época, realmente, um sentimento -talvez devido à nossa inconsciência- que era assim para todos. Hoje porque tudo é mais transparente, ou pelo menos é pior realizado, tudo se sabe e percebe-se que o dia a dia dos nossos dias, é um lufa-lufa de corrupção quase constante, em que o Justo faz o papel de grandessíssimo Tolo e o Oportunista o papel de enorme Inteligente...Como eu fui ensinado dentro de certos parâmetros Morais, ainda me sinto um pouco surpreso com certas situações, mas isso acontece porque talvez eu seja ainda muito ingénuo...Mas não acredito que algo vá mudar a não ser que o Ser Humano mude também. É preciso que Todos nós mudemos o nosso posicionamento perante a Vida e perante os Outros. Quando soubermos renunciar à maioria das coisas e à maioria dos Bens, quando nos preocuparmos fundamentalmente em progredir como "Seres Humanos", então sim, poderemos sonhar em sermos Felizes.
ResponderEliminarPorque o Homem será tratado como um Irmão e não como um Inimigo.
Porque gostar do Outro será mais importante que amar os bens Materiais e estes -cada vez tenho mais essa nítida sensação- estão em constante corrupção, tal como nós, o que é novo agora, amanhã já não o será e depois de amanhã estará velho, gasto e a necessitar de substituição urgente.
Às vezes olho-me como se já estivesse condenado, como se fosse um Morto-Vivo e ao meu lado apenas condenados e Mortos-Vivos se acotovelam.
Rui, eu, você e muitos outros, até podemos ter menos culpas - vamos fazendo alguma coisa dentro das nossas posibilidades -, mas a grande maioria, não quer saber de nada aceita tudo passivamente.
ResponderEliminarVou-lhe contar uma história verdadeira que se passou comigo: trabalhei numa empresa cujo dono era francês. A empresa tinha todas as condições para funcionar bem - dominava o mercado naquilo que produzia: máquinas para a indústria de plásticos. Tinha encomendas, tinha excelentes trabalhadores em todas as áreas, etc. O problema é que era mal gerida. O dono tinha grandes capacidades para vender, mas muito poucas para gerir. Começaram a haver problemas tinhamos dificuldades em recebermos os salários a tempo e horas, faltava matéria prima e tudo o mais que é necessário, para um bom funcionamento de uma empresa. Eramos cerca de vinte peesoas, mas o único que questionava o homem era eu, os outros não só estavam mudos e quedos, como criticavam o facto de eu o questionar. Concluindo: um dia estavamos a trabalhar com várias máquinas prontas a sair - máquinas de dezenas de milhares de contos na altura -, quando entraram funcionários do tribunal, fecharam a empresa e fomos todos para o desemprego. Foi uma grande surpresa para todos menos para mim... depois já me davam razão, que deviamos ter feito isto e mais aquilo...
Este exemplo significa que muita gente é completamente passiva, não quer saber, não reage e assim, é fácil, foi fácil, chegar a este ponto.
É este o sentido do meu comentário anterior. Se todos cada um no seu sítio, claro que de uma forma correcta, questionasse e fizesse valer os seus direitos, as coisas acredito eu, estavam bem melhores. Isto não tem nada a ver com sindicalismo - eu nunca fui sindicalista -, mas sim com consciências das obrigações, mas e principalmente, dos direitos.
Um abraço
Caro Vila Pouca,
ResponderEliminarO exemplo que dá, apenas confirma a minha opinião. O facto de, a grande maioria das pessoas em Portugal ter, perante os problemas, uma atitude passiva e pouco crítica, não significa que eu e você, tenhamos que arcar também com as suas responsabilidades.
Há pessoas diferentes, que dão a cara, que se assumem e correm riscos, e é uma enorme injustiça metê-las no mesmo saco das medrosas e medíocres.
Concorda, ou nem por isso?
Abraço
Caro Armindo,
ResponderEliminarDesabafe à vontade amigo, mas fundamente melhor a generalização dessas "culpas".
Caro Meireles,
ResponderEliminarVocê, disse tudo. Hoje , para sobreviver, vale tudo. Mas, pior do que isso, é também "valer tudo" para aqueles que já vivem muito bem, mas como meninos mimados, gordos e esclerosados, querem mais, até aquilo que não precisam.
Há gente assim na Banca e nos Governos, todos temos a certeza disso. Não será assim?
Abraço
Vi hoje correr no ecrã de um Centro Comercial "muito nosso" -Dolce Vita- duas máximas interessantes:
ResponderEliminar"Muitas vezes ao lavarmos as mãos, sujamos a nossa consciência..."
"Sonha como se pudesses viver para sempre, vive como se fosses morrer ainda hoje!..."
Não sei quais os autores de tais pensamentos, mas achei muito interessante dá-los aqui a conhecer.
Caro amigo,
ResponderEliminarSonho? Aqui tem o sonho do "homem moderno".
Isto:
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€!
ou isto:
$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$!
Posso dizer-lhe sem me enganar que tendo em conta a nossa mundividência qualquer cidadão deste país se sentiria mais português na "minha" Lisboa que no "seu" Porto o que lamento, pois tudo isto é Portugal que sofre de Norte a Sul com a democracia podre implantada. Valorize, engrandeça, combata pelo seu Porto mas não à custa de maldizer o seu país e muito menos Lisboa, senão cairá na mediocridade que tanto o repugna. Votos sinceros de sucesso.
ResponderEliminarSr. Eduardo Gomes,
ResponderEliminarVá chamar medíocre à sua avó!
Esses tiques nojentos de quem tem o rei na barriga caracterizam bem a mentalidade dos centralistas.
Não gostou do que leu? Obrigado. Isso dá-me animo para repetir a dose.