18 outubro, 2010

Podia ser sobre o Orçamento



Vejo-os na televisão e nos jornais, ouço os seus débeis lamentos nas rádios. Filas espessas de gente submissa, resignada a pagar as estradas que os políticos tinham jurado "que se pagavam a si mesmas". Indecorosamente, o Estado força-os a longas esperas que fazem lembrar as filas que matizavam o Leste europeu antes da queda do Muro de Berlim para conseguirem comprar o aparelho, a única forma de pagar as portagens agora inventadas. Há gente que passou ali a noite. Outros revelam que já lá têm ido dias e dias seguidos mas em vão. E ainda há os que dizem ter chegado ali de madrugada para poderem conquistar as senhas que, ao entardecer, lhes presentearão o privilégio de serem esbulhados electrónica e quotidianamente pelo Estado. Recordo, envergonhado, a imagem de um homem que saiu da loja da Via Verde ostentando um riso que escancarava desmesuradamente a dentadura e agitando o aparelhinho diante das televisões como se tivesse ganho uma medalha de mérito - não percebeu, nem nunca alcançará, certamente, que o seu gesto apenas despertou escárnio por parte de quem manda ao contemplarem como os seus desmandos mais arbitrários são tão pronta e alegremente obedecidos.

O Estado nem se preocupou em disfarçar a sua imensa falta de respeito pelas pessoas. A muito anunciada venda de aparelhos nas estações dos CTT só aconteceu na sexta-feira. Os dispositivos electrónicos esgotaram, desmentindo as profusas declarações prévias dos comissários que o Governo enfiou nas múltiplas entidades que foram cúmplices nesta charada. Um desses "boys" teve até o topete de afirmar que "não estavam a contar com tanta afluência de público"! Ou seja, após anos de ameaças e de muitos meses de preparação ainda não sabiam, nem sequer aproximadamente, quantos automobilistas iriam precisar dos malfadados dispositivos?...

Os políticos da região, mesmo os que ainda protestaram em Junho, abstiveram-se agora de liderar as reclamações. A Comunicação Social nortenha apenas conta com este jornal e com a RTPN como representantes nacionais - o resto, apesar dos seus méritos, é totalmente ignorado de Aveiro para baixo. Os movimentos de protesto contra as portagens ignoraram, canhestramente, que a base de todo o problema nas Scut entre Aveiro e Caminha reside na proverbial falta de consideração do poder por tudo o que não afecte a pacatez dos interesses de Lisboa - cada vez que ouvia falar num buzinão na A28 /29 ou na rotunda dos Produtos Estrela era-me difícil conter uma paradoxal e sofrida vontade de rir. Como se aqueles que mandam se importassem com as barafundas e o trânsito emperrado a centenas de quilómetros dos seus roteiros habituais. Querem eles lá saber disso! Se, ao contrário, os buzinões e as marchas lentas acontecessem na capital, se os protestos furiosos sucedessem em frente aos gabinetes dos decisores, aí sim, eles temeriam os efeitos do seu desprezo pelo país. E bastaria que existisse uma recusa massiva a pagar as portagens para que os planos governamentais aluíssem como um castelo de cartas...

Mas não, os protestos esgotaram-se numa lógica enclaustrada , lesando prioritariamente os cidadãos que já estavam a ser alvo da injustiça das portagens. Foi tudo em vão - e o centralismo obteve uma espantosa vitória.

As pessoas entre Aveiro e Caminha acabaram por aceitar a sua imerecida punição de forma apática, quase bovina. Ninguém sabe ao certo quanto vai pagar. Mas o Poder ficou a saber que pagaremos o que eles quiserem e quando e como eles o definirem. Primeiro no Norte e no resto do país depois. Desembolsaremos taxas, impostos, multas, portagens, coimas, impostos sobre impostos, emolumentos, e tudo o mais que ocorrer na prodigiosa imaginação dos políticos e dos tecnocratas. Pagaremos sem rebuço, dóceis, de chapéu na mão, como eles tanto gostam.

A multidão anestesiada que matinalmente se amontoava nas filas para conseguir pagar aquilo que nunca lhes deveria ser exigido, espelha, infelizmente, o país que somos e já sem hipótese de remédio à vista. É a ilustração perfeita para o adágio com que o rei D. Carlos nos definiu há mais de um século: "Um país de bananas governado por sacanas".

8 comentários:

  1. Não será que estamos a ser tolerantes demais com estes predadores do povo do Norte?

    Muitas vezes (se calhar, maus pensamentos), apetecia-me, depois de tanto nos terem roubado, foder as bentas a um destes filhos da senhora. É que o ódio deles por nós é tão evidente que fico enojado e com ganas...

    Abaixo a ditadura socialista!

    O PORTO É GRANDE VIVA O PORTO!

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  2. O que chamamos a um indivíduo que nos rouba a carteira, sem mostrar a cara?
    Ladrão, não é? E o que merece este indivíduo? Prisão, não é?

    E o que chamamos a indivíduos que nos metem a mão ao bolso e tiram indevidamente centenas de euros, todos os meses, mas ainda nos sorriem na cara e dizem "tem de ser"!?
    .....
    E o que merecem!?
    .....

    Eu tenho cá a minha opinião, mas não os chamaria nem Ladrões nem os condenaria a prisão...
    Talvez esse dia esteja mais próximo do que julgam...

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  3. O D Carlos não foi assassinado?
    Qualquer dia acontece-lhes o mesmo. Cá o espero com uma garrafa de champanhe.

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  4. a ilustração perfeita para o adágio com que o rei D. Carlos nos definiu há mais de um século: "Um país de bananas governado por sacanas".
    Tinha toda a razão o rei

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  5. J.Ferreira18/10/10, 15:09

    É a realidade, estamos a ser enxovalhados na nossa dignidade por estes Neo-colonialistas.
    Vejam o que fazem os franceses...

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  6. Ou, um país de morcões, governado por ladrões...

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  7. Caro Rui Valente,

    Antes de mais os meus parabéns pelo excelente blog.

    Peço desculpa pela intromissão, mas vale a pena fazer referência a esta "investigação" com a maior celeridade (antes que a PIDE centralista ataque):


    Do blogue:

    http://cinemadafebre.blogspot.com/2010/10/luis-filipe-orelhas-vieira-o-caloteiro.html

    A vida empresarial do cadastrado e penhorado presidente das gertrudes encornadas, também conhecidas acima do Mondego por mouros vermelhos de vergonha (com a devida vénia ao consócio Infinito Azul) ou Camarões Cozidos (data venia ao Dragãoporto66) é como uma daquelas velas de aniversário endiabradas (não tem nada a ver com certos adeptos) que por muito que se lhes sopre, a ver se apagam, estão sempre a reacender. Pensava eu que já tinha descrito que chegasse o brilharete que o Luis Kadhafi dos Pneus andou a fazer na Ediverca (sim, porque nesta ele não pode alegar que renunciou em 1998, uma vez que foi administrador dela até ao fim), quando me salta aos olhos que afinal os calotes da dita empresa começaram há oito anos e que são pelo menos dois os credores a quem o Ventoinha nunca pagou (ou seja, a quem tentou passar o calote). Senão, veja-se mais este complemento no N.º 69 do DR de 22 de Março de 2002 - III SÉRIE:

    ------------------------- // ------------------------------
    Processo n.º 64/2002.
    Falência (requerida).
    Requerente: Preceram - Indústrias de Construção, S. A.
    Requerida: Ediverca - Projectos e Construções, L.da
    ------------------------- // ------------------------------

    Convém recordar que o pedido de insolvência que eu referi no artigo anterior, é da Schindler, (iniciado em 2008, sentenciado em 2009 e a ser resolvido em 2010) ou seja, não é o mesmo.

    ------------------------- // ------------------------------
    Processo: 1193/08.4TYLSB - Insolvência (Requerida)
    Requerente: Schindler-Ascensores e Escadas Rolantes Sa
    Insolvente: Ediverca - Projectos & Construções, Lda
    São administradores do devedor:
    Mário Fernando Dinis
    Luís Filipe Ferreira Vieira
    Alberto José Vieira Martins (o tal que está morto e enterrado desde 2000, mas que estranhamente ainda aparece aqui em 2008)
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    Pelo visto, o homem mais sério lá de baixo, "honesto pai de familia" (vale tejana), arauto da verdade desportiva do regime, não é um mero caloteiro, é um ENORME caloteiro, ou seja, um caloteiro "à bemnuncafica". É que nem sequer pode alegar que foi da crise, uma vez que em 2002 ainda não havia nenhuma e não satisfeito por já ter tentado dar um calote à Preceram na altura, ainda foi tentar dar outro à Schindler, seis anos mais tarde, ou seja, é um caloteiro reincidente.

    (...)

    Publicada por cinemadafebre

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  8. Rui, tinha lido o artigo no JN e só posso dizer: ainda bem você fez este post. O C.A.Amorim merece uma grande chapelada. É isso mesmo, somos um país de bananas, governados por sacanas, que gozam connosco, por isso mesmo.

    Um abraço

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