09 outubro, 2008

O "arco do poder"


O ministro dos Negócios Estrangeiros explicou finalmente por que assobiou para o lado no caso dos voos da CIA que terão feito escala em território nacional. "Seria totalmente irresponsável o actual Governo ter levantado a questão quando em causa estava o próprio presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que à data era primeiro-ministro português", afirmou anteontem.
Luís Amado tem toda a razão. Durão, provisoriamente rebaptizado de José Manuel Barroso, deve ser poupado a incómodos. É o ponta-de-lança luso na União Europeia e nós enchemo-nos sempre de orgulho quando vemos um emigrante singrar na vida. Reabrir feridas antigas seria um tiro no pé. Tão grave como desenterrar as aventuras nocturnas de Cristiano Ronaldo, outro emigrante de sucesso, em terras de Sua Majestade - para usar o jargão do jornalismo desportivo.
Não é apenas uma questão de elegância o que está em causa, não senhor. Assegura Luís Amado que em política externa se conserva uma "tradição de consenso entre os vários partidos do arco do poder". Algo traduzível nestes termos: em casa andamos todos às turras, mas mal pomos o pé na rua eliminamos quaisquer vestígios de violência doméstica e até damos as mãos, assim exibindo uma união de que há-de brotar força. Faz sentido esse consenso nas opções de fundo, que não podem flutuar nas ondas da circunstância. Na política de alianças ou na integração em espaços plurinacionais, como a União Europeia. No entanto, não há "consenso" que possa servir de justificação para impedir o esclarecimento cabal de casos como o dos voos da CIA, que manifestamente não se circunscreve ao campo da política externa.
Como cidadãos, assiste-nos o direito de saber se o Governo teve conhecimento da passagem pela base das Lajes de pelo menos um voo de Guantanamo para o Cairo, com um prisioneiro a bordo, como revela um relatório do Ministério da Defesa espanhol que acaba de ser divulgado. Temos o direito de saber se o Governo autorizou - e em que condições - o trânsito de aviões da CIA ou se as operações ocorreram à sua revelia.
Luís Amado, que se irrita sempre que o assunto volta à baila, entende que isso é dispensável. O melhor mesmo é deixar correr o marfim de "uma investigação em curso". Não determinou a realização de um inquérito (ao contrário do Governo de José Luís Zapatero, que também prezará o "arco do poder") porque respeita uma espécie de "pacto de não-agressão". Seria "feio" - palavra de ministro - escarafunchar o Executivo de Durão em busca de indícios de colaboração no esquema que, garante Amado a pés juntos, não existem de todo.
(Paulo Martins/JN)

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