A problemática do TGV assumiu particular relevo com a necessidade de os países da Península Ibérica uniformizarem as suas redes ferroviárias com a rede ferroviária existente nos restantes países que constituem hoje a U.E.
De facto, os países da U.E. além - Pirenéus possuem uma rede ferroviária com uma “bitola europeia” ou “bitola UIC” (cuja distância entre carris é de 1435 mm), e que é diferente da nossa “bitola ibérica” (distância entre carris de 1668 mm) adoptada há um século pela Espanha, e que Portugal, para não ficar então isolado daquela, decidiu adoptar também. A livre circulação de mercadorias e bens que constitui um dos princípios do grande mercado criado pela U.E. não acarretou qualquer obstáculo na sua movimentação, por ferrovia, entre os países Além – Pirenéus, o que lhes permitiu aproveitar em muito o grande alargamento do que passou a ser esse novo “mercado interno”. Não necessitando assim de grandes investimentos e sendo países densamente habitados, limitaram-se, aproveitando os progressos tecnológicos, a apostar na construção de linhas de Alta Velocidade (o célebre TGV) ligando grandes centros urbanos a velocidades entre 250 a 300 Km/h, com a vantagem acrescida de que tais comboios poderão sempre circular em toda a restante rede electrificada, já que possuem a mesma bitola, se bem que a velocidades inferiores.
A nossa vizinha Espanha compreendeu rapidamente que, se queria obter maiores vantagens perante tão grande espaço económico assim aberto, necessitaria não só de remodelar a sua rede ferroviária como de a uniformizar com a dos seus restantes parceiros europeus, para assim melhorar e incrementar a sua actividade económica. Decidiu, pois, adoptar um plano ferroviário global, cobrindo radialmente todo o território espanhol e sendo o centro desta teia localizado na cidade de Madrid, plano este que foi designado por PEIT 2005 - 2020 (Plano Estratégico de Infra-estruturas de Transporte), adoptado após um amplo debate que permitiu chegar a um grande consenso nacional, quer a nível do governo central quer dos governos das diversas regiões autónomas de Espanha.*
Este plano, hoje em pleno desenvolvimento e execução, tem uma ligação pela costa atlântica (Irun) a abrir ao tráfego em 2012 e uma ligação pela costa mediterrânica, com um enorme túnel através dos Pirenéus, já concluído e previsto abrir ao tráfego já em 2013, e tem ainda projectada uma terceira ligação a França atravessando por túnel os Pirenéus na sua zona média. Esta “rede espanhola” assim planeada e delineada deixou na nossa fronteira 4 portas de ligação, localizadas em Vigo, Vilar Formoso, Badajoz e Huelva, que foram aceites por Portugal na Cimeira Ibérica da Figueira da Foz, à falta de qualquer outra sugestão da parte portuguesa.
Ora, comparando a estratégia espanhola plasmada na criação do seu PEIT 2005 – 2020, através de uma visão de futuro e de uma ampla consensualização interna, com aquilo que se foi passando em Portugal, a que é que assistimos ? A que, não tendo feito nada do “trabalho de casa” que lhe competia, ao Governo português só restou ter de aceitar aquelas mesmas 4 “portas” definidas por Espanha. Passaram-se os anos e à medida que Portugal ia definhando economicamente, ia-se também eximindo a realizar grandes investimentos e a proceder à construção da nova Rede Ferroviária, em bitola europeia, nem sequer colocando em debate nacional qualquer Plano Estratégico para tal Rede.
Com o aparecimento e aprovação pela U. E. das grandes redes trans-fronteiriças ferroviárias, dispondo de um elevado montante financeiro gratuito posto à disposição dos vários países, o governo português decidiu então aproveitar a “oportunidade”, recorrendo às famosas Parcerias Público-Privadas e criando para tal uma entidade pública, a RAVE, encarregada de estudar e colocar em execução um projecto governamental , absolutamente desgarrado e constituído apenas por duas linhas avulsas de Alta Velocidade, a Porto - Lisboa e a Lisboa - Madrid, sem qualquer debate nacional, sem a existência de qualquer Plano Estratégico global para o País que articulasse e integrasse quer toda a nova Rede quer a parte da velha rede ferroviária nacional a ser reconstruída, e que conjugasse tal projecto com as já referidas 4 “portas” de entrada em Espanha, com o tráfego de mercadorias e consequente desenvolvimento dos nossos portos atlânticos, com as Plataformas logísticas, existentes ou a criar, e ainda com os Pólos Industriais existentes (como é o caso particular da Auto-Europa).
Optou-se assim por um puro voluntarismo, assente na lógica do “quero, posso e mando !”, completamente avulso por desgarrado de qualquer Plano Estratégico global, numa manifestação de um puro "novo-riquismo", utilizando erradamente os fundos europeus agora disponibilizados, sem qualquer debate sobre as diversas questões relevantes e com total desconsideração dos interesses estratégicos do País. Tem sido, pois, uma enorme FALÁCIA querer convencer os portugueses de que a construção da linha do TGV Lisboa - Madrid nos irá ligar à Europa, pois, pelo tempo de percurso, tal só nos ligará mesmo é, quando muito, à centralidade espanhola de Madrid, já que para qualquer outra cidade ou capital Além - Pirenéus, face à distância e ao tempo de viagem, o avião é o meio de transporte mais competitivo ! Ao invés, o que de facto, nos ligará à U.E., da qual somos um dos países mais periféricos (ver anexo 2), será uma rede ferroviária, MISTA, construída em bitola europeia, destinada a desenvolver a competitividade da nossa economia pelo incremento do tráfego das mercadorias, contentorizadas e a granel, entre todos os nossos portos e todos os países Além - Pirenéus da U.E., e que tem como linha principal de escoamento o " pipe-line " que atravessa a Espanha ligando Vilar Formoso - Salamanca - Irun, ao qual teremos acesso não só por uma linha da Beira Alta (portos de Leixões e Aveiro) como também pela linha da Beira Baixa (portos de Lisboa , Setúbal e Sines). Por seu turno, o chamado “Eixo Atlântico”, que inclui a ligação Lisboa - Porto, permitirá a inter-ligação entre estes nossos 5 principais portos.
Por isso mesmo, reduzir a política de transportes ferroviários à concentração do investimento, por parte do Estado português, num TGV exclusivo de passageiros e com traçado para Madrid representa um erro estratégico grave, de consequências absolutamente ruinosas para o País, e que por isso se impõe evitar ! Em particular numa época de crise financeira acentuada, os investimentos públicos – cuja existência claramente defendo, não apenas como factor criador de emprego e de rendimento, mas sobretudo como instrumento/alavanca de transformação e melhoria da competitividade económica do nosso País, convertendo-o numa grande plataforma de entrada e saída da Europa de mercadorias e passageiros, utilizando os nossos 5 principais portos atlânticos de Leixões, Aveiro, Lisboa, Setúbal e Sines, o que exigirá, para além da criação de infra-estruturas portuárias adequadas em Sines, Lisboa e Setúbal, ainda o Grande Aeroporto Internacional de Lisboa, na Margem Esquerda do Tejo – devem ser objecto de uma ponderação e uma decisão criteriosas, de molde a evitar que o País gaste recursos de enorme dimensão e depois não apenas não tenha deles o devido retorno como, por ignorância ou arrogância política, haja hipotecado de forma irremediável a possibilidade de corrigir os erros entretanto cometidos.
Todavia, o que é facto é que o Governo tem tratado deste tema da Alta Velocidade Ferroviária através da RAVE de um modo idêntico ao que utilizou quando decidiu a construção do NAL na OTA utilizando a NAER. Ou seja, tenta impor ao País uma "política do facto consumado", nunca tendo feito qualquer debate aberto e amplo, no Parlamento e fora dele, e desprezando por completo as diversas forças económicas e sociais da chamada “Sociedade Civil”. Assim e antes de mais, impõe-se dizer que em matéria de estratégia de política de transportes terrestres, há que fazer uma aposta e uma opção clara no transporte ferroviário, por ser um transporte rápido, eficaz, seguro, mais amigo do ambiente e que permite não apenas a deslocação em condições inigualáveis de comodidade e de baixo custo como também de cargas de grande dimensão e peso. Com tudo o que isso implica de diminuição do consumo de combustíveis fosseis (consumo esse que, com o constante aumento previsível do preço do barril de petróleo fará os custos dos transportes rodoviários crescerem exponencialmente) e de emissões de CO2 ( cuja factura estará para breve a chegar) , de alívio da pressão sobre as vias rodoviárias, de atenuação de factores de sinistralidade viária, etc., etc..
Notemos que a construção de uma linha férrea de via dupla é exactamente semelhante à construção de uma auto-estrada mas que, em vez de ser coberta com asfalto, nela são colocados carris. Tem porém uma grande vantagem económica nos seus custos/Km já que uma auto-estrada, com 3 faixas em cada sentido, obriga a uma largura tripla da ocupada pela linha férrea de via dupla, com a consequente tripla devastação ambiental. O que tudo demonstra, desde logo, o completo erro do actual plano estratégico de transportes – o chamado PET 2008-1010, com obras previstas de cerca de 30 mil milhões de euros (assentes aliás numa previsão, claramente errada, de crescimento anual do PIB de 2%) – que claramente privilegia o transporte rodoviário (o qual representa 38% de todo o valor do orçamento), e que pura e simplesmente não contém qualquer visão integrada para os transportes, em particular sob o ponto de vista ferroviário, no que diz respeito às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto e, que entre outras coisas, também não inclui, e muito menos considera devidamente, o transporte de mercadorias, utilizando algumas das chamadas “plataformas logísticas” como zonas de verdadeira disrupção na continuidade ferroviária, como parece estar planeado no Poceirão, quanto à utilização do porto de Sines, e para a Plataforma Logística de Aveiro, para o mesmo porto. Por outro lado, a aposta na ferrovia como um PILAR estratégico dos transportes terrestres em Portugal , significa muito mais e coisa muito diversa, da mera construção de um TGV exclusivo para passageiros, entre Lisboa e Madrid ! Significa a total inversão do que foi a completa política de abandono até aqui seguida pela REFER e que, só nos últimos 20 anos, conduziu ao encerramento de cerca de 500Km de via férrea, tudo isto enquanto a mesma REFER atingiu os mínimos em investimentos na rede, mantém linhas sem automotoras e, com as obras que vai efectuar, irá deixar 232 km sem qualquer comboio !?). Significa, isso sim, todo um esforço nacional na criação - que não existe ainda - de um Plano Estratégico Nacional Integrado, destinado a construir e/ou reconstruir toda uma nova rede ferroviária nacional adequada, em bitola europeia, que ligue todo o país do Sul ao Norte e, sobretudo, o Litoral ao Interior (reconversão da linha da Beira Baixa, por exemplo).
Tal criação representa, de facto, uma aposta numa única Rede nacional de transporte ferroviário de alta velocidade, em bitola europeia, TOTALMENTE MISTO (comboios de passageiros e comboios de mercadorias) e com 4 eixos principais. Desde logo, um Eixo Atlântico, correndo perto do litoral e paralelo à costa, do Algarve até à Corunha, permitindo assim fazer da cidade do Porto a grande capital do Noroeste da Península Ibérica que ela pode, e deve, ser. E outros 3, perpendiculares a este Eixo Atlântico, para ligação à Europa: o primeiro destes, entre Aveiro e Vilar Formoso (percurso da linha da Beira Alta) continuando já em Espanha pelo traçado da rota tradicional dos emigrantes, ou seja, Vilar Formoso, Salamanca, Valladolid, Burgos, Vitoria, Irun, Bordéus, que é aliás o caminho mais curto para todo tráfego de mercadorias para a Europa além-Pirenéus, seja qual for o nosso porto, incluindo mesmo o de Sines, que seria altamente beneficiado pela reconversão para bitola europeia da nossa velha linha da Beira Baixa ! (NOTA: - A reconversão desta linha da Beira Baixa para bitola europeia adaptada para Velocidade Elevada até 250 Km/h, além de aliviar o tráfego dos comboios de mercadorias na nova Lisboa - Porto, iria beneficiar o desenvolvimento, pela sua aproximação à zona de Lisboa, das cidades interiores de Castelo Branco (apenas a 1H09), Covilhã (apenas a 1H29) e a Guarda (apenas a 1H47) e beneficiaria em geral toda a região das Beiras, hoje em grave risco de despovoamento). O segundo eixo perpendicular estabeleceria a ligação transversal do Algarve entre a zona de Lagos a Huelva em Espanha, passando por Faro naturalmente. (NOTA: - Na fase final de implementação da nova rede, com a finalidade de se desenvolver o interior do Alentejo, haveria de considerar-se a construção dum eixo ferroviário vertical ligando Évora - Beja - Faro, o que melhoraria em muito a flexibilidade ferroviária nesta zona do Sul do país). O terceiro eixo perpendicular, a partir de Lisboa, servindo nomeadamente o NAL na Margem Sul, fazendo a ligação a Madrid. (NOTA: - A ligação a Madrid por Badajoz, seleccionada por Espanha e erradamente aceite por Portugal, favorecendo embora a Estremadura espanhola não é a que melhor serve Portugal. Preferível fora que, aquando das Cimeiras Ibéricas, se lutasse pela ligação através do vale do Tejo, ligando-se a Plasencia em Espanha, ligação essa que, encurtando a distância a Madrid em 80 Km, nos permitiria, à velocidade de apenas 250 Km/h, atingir Madrid em 2H30).
A não construção desta nova rede em bitola europeia, tal como a não remodelação ou substituição das nossas velhas linhas de bitola ibérica por novas linhas em bitola europeia , sempre para tráfego misto, implicará a prazo o completo isolamento ferroviário do nosso País relativamente a todos os países da União Europeia, levando ao aumento do nosso isolamento e a uma dependência quase total relativamente a Espanha. Como se poderá constatar pelo quadro do Anexo 3, até ao tempo de hoje, se exceptuarmos o movimento de mercadorias com a vizinha Espanha dotada da mesma bitola, o tráfego de mercadorias com os restantes países da U. E. é praticamente ZERO ! (Ver anexo 3) E, por outro lado, um TGV só de passageiros e com passagem por Madrid servirá apenas para desviar o turismo das praias do Sul de Portugal para as do Sul de Espanha e nunca conseguirá ser competitivo com o transporte aéreo entre aqueles dois destinos.
Mesmo que pudesse ser – a seguir-se o actual caminho através de Madrid – posteriormente “adaptado” para comboio misto, e a verdade é que não pode, esse percurso traduzir-se-á sempre no aumento do custo e sobretudo num atraso de muitas horas no transporte de mercadorias para o Centro da Europa, o que diminuirá drasticamente a competitividade dos portos portugueses como portas de entrada (e também de saída) no espaço da União Europeia e comprometerá de forma irremediável um programa de desenvolvimento estratégico de Portugal assente na máxima rentabilização da sua excelente posição geográfica.
Insistir em encaminhar as mercadorias chegadas aos nossos portos, mesmo ao de Sines, por Badajoz e Madrid e daí então para a Europa, significará impor um percurso muito mais longo, quase todo em território espanhol, e que ainda por cima tem de atravessar a já saturada zona de Madrid (a qual é o centro da teia da nova rede de bitola europeia espanhola), com as consequentes taxas de utilização ferroviária, que reverterão sempre num maior lucro para Espanha (visto que a esmagadora maioria do percurso se fará no seu território), e o agravamento do tempo de transporte e do custo final daquelas mesmas mercadorias. E já nem abordaremos aqui em pormenor a utilização da chamada “Plataforma Logística do Poceirão”, propriedade da Mota-Engil, que – se for para a frente a decisão governamental de se fazer a ligação ferroviária em bitola ibérica no troço Poceirão-Sines – OBRIGARÁ AO TRANSBORDO DOS CONTENTORES E DOS GRANEIS nessa plataforma logística, a qual passará a representar uma espécie de “taxa aduaneira” para se passar as mercadorias da bitola ibérica para a nova bitola europeia, com os consequentes custos e atrasos de tal disrupção, a qual, embora beneficiando enormemente tal empresa, arruínam contudo a competitividade do porto de Sines e da nossa economia. Acresce que, como quase toda a gente parece saber excepto os nossos grandes decisores políticos, as “pendentes” (“inclinações ”, em linguagem leiga) do traçado das linhas construídas para comboios só de passageiros são, dado o seu peso muito inferior, estruturalmente diferentes das vias construídas para composições mistas ou só de mercadorias. Para se ter uma ideia, importa referir que as regras técnicas de construção impõem que as “pendentes” das linhas para comboios só de passageiros podem ir até 35 metros por quilómetro, enquanto que as linhas dos comboios mistos somente podem comportar “pendentes” até ao máximo de 18 metros por quilómetro (e sendo certo que as linhas mistas espanholas estão a ser construídas com “pendentes” inferiores, de 10 a 12 metros/km).
O que tudo isto significa é que, uma vez construído um traçado de linha férrea para composição apenas de passageiros, não é depois possível aproveitá-lo e utilizá-lo para composições mistas ou só de mercadorias ! Assim, o que todas estas circunstâncias determinarão é que, a manter-se a errada aposta governamental do transporte e movimentação de mercadorias, quer contentorizada, quer a granel, nas nossas velhas e centenárias linhas férreas de bitola ibérica, se romperá, de forma completa e irremediável, o tráfego de mercadorias não apenas entre o Norte e o Sul do país mas também, para não dizer sobretudo, entre os nossos principais portos e a Europa, já que a actual rede de bitola ibérica, a partir de 2020, deixará pura e simplesmente de poder ligar-se à rede AV/VE nacional, bem como a qualquer ponto da rede ferroviária de Espanha e, logo, a todo o resto da Europa ! Mas há mais ainda ! É que os dados disponíveis do tráfego total ferroviário o que demonstram é que ele rondou, no período de 1990 até 2007, os 10 milhões de toneladas, enquanto o tráfego ferroviário internacional representou apenas 1 milhão, ou seja, 1/10 daquele total. Mas, mais relevante ainda que isso, mesmo esse tráfego ferroviário internacional teve praticamente como único destinatário, a Espanha, situação que, decorrente em larga medida da nossa permanência na “bitola ibérica” e estando muito directamente ligada com a nossa actual condição “periférica” no quadro da U.E., se tornará irreversível para o próximo meio século se se insistir no erro da aposta no TGV só para passageiros e para Madrid e na manutenção de uma insuficiente e desadequada rede ferroviária de bitola ibérica.
Tudo isto enquanto a nossa política de transportes, conforme já se referiu, mantém o centro de gravidade do actual tráfego de mercadorias na rodovia, cujo volume total é significativamente 27 vezes superior ao ferroviário (270 milhões de toneladas !) Mas, para além das razões ambientais, de custos de combustíveis e de sinistralidade rodoviária, importa ter também presente que toda a tendência na Europa (vejam-se os exemplos da Suíça e da Áustria e, mais recentemente, da própria França) tem sido a de impor medidas cada vez mais restritivas à circulação de pesados nas estradas, que já vão ao ponto de, nalguns desses países, obrigar a camionagem de longo curso a operar, não por circulação viária, mas por utilização de comboios exclusivos para o transporte desses mesmos camiões TIR. O que significa que as mercadorias produzidas ou entradas em Portugal só circularão em transportes portugueses até à fronteira com Espanha e a partir daí apenas farão a circulação com os meios e pelos percursos que Espanha entender, mesmo que sejam os mais morosos, distantes e custosos, liquidando assim qualquer competitividade, para não dizer qualquer viabilidade, dos nossos portos. E – porque não dizê-lo também ? – pondo seriamente em causa a independência económica e também política do nosso país !
Em suma: não precisamos de todo de um TGV só para passageiros e de Lisboa a Madrid, o qual nunca poderá ser economicamente viável e apenas interessa aos operadores turísticos espanhóis. Como não precisamos de uma estratégica de transportes que continue a privilegiar o transporte rodoviário e a duplicação e até a triplicação de estruturas viárias entre os mesmos destinos como forma de procurar obviar ao inevitável congestionamento das mesmas vias. Precisamos, isso sim, de uma rede ferroviária assente em 2 pontos essenciais: Uma rede ferroviária nacional, de bitola europeia, que ligue de modo efectivo o Norte ao Sul, e o Litoral ao interior, com particular destaque para a interligação entre os principais portos, aeroportos do país, plataformas logísticas e pólos industriais. Uma rede de Alta Velocidade ou Velocidade Elevada, TOTALMENTE MISTA (passageiros e mercadorias) desde já com 2 eixos essenciais, eixos esses que devem ser colocados e considerados como “projectos transeuropeus” e logo não apenas sendo financiados na sua maior parte com fundos da U.E., como sendo por esta imposta a Espanha a construção das vias de ligação que aqueles pressupõe: - 1 Eixo Longitudinal, ligando o Algarve à Corunha. - 1 Eixo Transversal (perpendicular àquele) ligando Aveiro a Vilar Formoso (na zona da linha da Beira Alta) que permitirá o tráfego das mercadorias entre os portos de Leixões e Aveiro, conectando esta ligação em Vilar Formoso com a travessia de Espanha, por aquele linha, que será o nosso”pipe –line”, ligando Vilar Formoso - Salamanca - Irun. A que haverá que aditar outros 3 eixos, como são o Eixo na diagonal – Lisboa - Entroncamento - C. Branco - Covilhã - Guarda, utilizando a nossa velha linha da Beira baixa, que terá de ser reconvertida para bitola europeia, ligação esta essencial para movimentar as mercadorias com os nossos portos do Sul, isto é, Lisboa (designadamente com um novo cais, eventualmente na Trafaria), Setúbal e Sines, que evitará a travessia por Madrid das mercadorias trafegadas com os países da U.E. Além - Pirenéus e permitirá o desenvolvimento da região da Beiras; bem como um novo Eixo ligando Évora - Beja - Faro que irá de igual modo incrementar o desenvolvimento do Alentejo, reduzindo o seu actual afastamento de Lisboa; e, enfim, um eixo fazendo, esse sim, a ligação de Lisboa a Madrid (preferencialmente por Plasencia, e não por Badajoz).
Assim, evitar investimentos dispendiosíssimos e estrategicamente errados, decididos de forma autocrática e tecnicamente incorrecta, e impostos politicamente nas costas do Povo, e exigir que se decida bem e rapidamente aquilo que verdadeiramente serve os interesses do país e do povo português, constitui, pois, e hoje mais do que nunca, um autêntico imperativo nacional ! Este amplo debate nacional é absolutamente indispensável, antes que, ao pior estilo do “facto consumado”, se tomem decisões que ninguém percebe em nome de que princípios foram negociadas e aceites junto de Espanha. E é por isso que é tão imperioso e urgente, a nível nacional, impor a discussão política desta questão e, a nível comunitário, levá-la quanto antes a Bruxelas e conseguir a classificação dos eixos fundamentais do Plano estratégico ferroviário como projectos transfronteiriços europeus (designadamente de ligação entre portos europeus), com condição não só do respectivo financiamento com fundos comunitários mas também da imposição pela U.E. a Espanha da realização das travessias em território espanhol que eles necessariamente implicam. E esta questão é tanto mais relevante quanto, por um lado, foi recentemente tornado público que Espanha não prevê, até ao horizonte de 2020, a construção de qualquer via ferroviária de Alta Velocidade entre Salamanca e Vilar Formoso, assim inviabilizando o eixo estratégico (para Portugal) Vilar formoso – Salamanca – Irun. E, por outro, que, prevendo-se já para Dezembro a realização da próxima Cimeira Ibérica, se impõe que nela o Governo português adopte uma posição de firme defesa dos nossos interesses e apresente ao Governo espanhol a exigência da fixação de uma data precisa e próxima para a conclusão daquela mesma ligação.
Lisboa, 13 de Novembro de 2009 António Garcia Pereira
Nota de RoP
O negrito é meu. O artigo é longo, mas a leitura recomenda-se. Antes, já o António Alves abordou aqui e noutos espaços este tema que, por inerencia à sua actividade profisssional, domina como poucos.
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