Já se movimentam alguns quadrantes associativos republicanos, em relação ao centenário da implantação da República, que ocorre em 5 de Outubro de 2010 e deveria (deverá) ser uma comemoração de amplo significado e visibilidade nacional. Ao mais alto nível das instituições, também e pedagogicamente, na rede fina das associações democráticas e republicanas e no sistema de ensino e cultura.
No Porto, a Câmara podia e devia aproveitar a oportunidade para associar esta data a outra que está ligada ao republicanismo democrático e liberal da cidade, o 31 de Janeiro, e ampliar o programa comemorativo de tal centenário aos 120 anos daquela revolta, a comemorar em 2011, ou seja, poucos meses após o epílogo do 5 de Outubro.
A malograda revolta do 31 de Janeiro de 1891 foi a semente da República e, sem necessidade de grandes detalhes agora para a crónica, foi um movimento e constitui uma data que expressa com clareza o mais intrínseco da alma portuense, inconformismo e insubmissão e um ideário liberal de valores de liberdade e justiça que sempre marcaram o Porto. Sei que já lá vão muitos anos e há quem diga, às vezes com demasiada ligeireza, que a lembrança destas datas se resume ao agrupar de memórias de "meia-dúzia de nostálgicos", pois, à cidade real isso pouco interessa.
Pensamento ligeiro, embora talvez realista, mas, nesta questão de valores, nem sempre as memórias cumprem o seu dever, dando preferências a esquecimentos que pouco abonam do estado de conhecimento da História e da Cultura colectivas. Cumpre, por isso, às instituições mais directamente ligadas a estes valores promover o seu conhecimento e divulgação, associando-os à História de uma cidade ou de um país, como será neste caso o 31 de Janeiro para o Porto e a que a sua Câmara não deve ficar indiferente.
Por que associar o centenário da República, comemoração nacional, com o 31 de Janeiro, facto local e de desfecho desastroso, quando o momento será para exaltar a vitória do movimento republicano e a consolidação do seu ideário na governação e vida do país?
Porque tal associação faz todo o sentido, nacional e, sobretudo, portuense, uma vez que foi daqui, do resultado de tal desaire, que foram lançadas as ideias que haveriam de triunfar na "Revolução da Rotunda", quase 20 anos depois. Também, por ter sido na Câmara de então que foi hasteada pela primeira vez a bandeira republicana e aí perdurou algumas horas, num sacrifício generoso de cidadania que Alves da Veiga protagonizou ao lado dos revoltosos e do povo da cidade.
Nada a que o Porto não estivesse historicamente habituado; daí, como lembra Basílio Teles, "quem se mostra em primeiro plano são os paisanos desconhecidos", ou seja, o povo portuense, que, ainda segundo o mesmo autor, "foi o intérprete dos sentimentos de todo o povo português". É precisamente para honrar estas memórias e lembrar que a cidade existe e não as esquece que aqui se propõe à Câmara portuense e ao seu presidente tal associação do 31 de Janeiro ao centenário da República.
O Porto precisa de causas e de encontrar objectivos e esta pode argumentar-se não ser uma causa tão galvanizadora como seria desejável, mas até pode ser se a embalagem nacional do centenário da República for aproveitada para lhe imprimir a justa marca portuense. O 31 de Janeiro foi a nossa República, quando o país ainda não estava preparado para ela e, também é preciso dizê-lo, a capital não via com bons olhos que tal revolução se viesse a concretizar a partir do Porto. É preciso lembrá-lo e assumi-lo e ninguém melhor que a Câmara portuense para o fazer e, com isso, unir a cidade numa grande causa, sustentada e sustentável. Causa histórica e cívica, causa cultural e identitária de temperamento e alma de uma cidade.
Gomes Fernandes
Arquitecto
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Caro Arqº. Gomes Fernandes,
ResponderEliminarA ideia é boa e mais do que justa, mas terá o aurarca do Porto vontade e genica para a concretizar? Sinceramente não me parece.