27 setembro, 2008

A "FILOSÓFICA" TEORIA DA MERDA

Caro amigo b):
Aqui vai o meu lado discordante do seu curioso comentário.
Não quero ser fastidioso com os nossos leitores e por isso tentarei ser o mais sintético possível para me fazer entender. Mas desculpem-me, porque nem sempre é possível resumir em poucas palavras o que pensamos e porque pensamos assim e não de outra maneira.
Achei pertinente o comentário do leitor b) - assim se denominou - e como não pude responder-lhe ontem, vou fazê-lo neste momento.
No primeiro parágrafo do seu comentário, o senhor (ou senhora) b), fez uma co-relação muito curiosa e realista entre a SIC e a prostituição. Concordando embora com o diagnóstico, não no todo, mas em grande parte, faltou-lhe acrescentar um elemento: uma ideia terapêutica. Mal comparando, soou como alguém que sabe que está doente e recusa tratar-se porque pensa que sabe o que tem. Algo parecido com isto: "estou doente, fumei e bebi demais, alimentei-me mal, logo, se tenho uma úlcera duodenal, a culpa é só minha, porque não fui capaz de resistir às tentações do "mercado". E não vai ao médico!
Vistas assim as coisas, podem revelar uma invulgar consciência do "eu", um tanto masoquista até, mas demasiadas vezes ausente também. O princípio, não deixa de ser algo introspectivo e responsável, mas pouca valia tem se não tentarmos sobrepor-lhe uma reacção, uma resposta. Tentar, pelo menos... A sociedade é também, o que nós permitimos que ela seja. Por isso, não posso aceitar completamente o diagnóstico aqui traçado pelo nosso amigo b), e porque não há um só culpado. Há vários. No caso caricaturado por b), há um só responsável: o cliente. Eu tenho ideia que há dois: o cliente e a prostituta. Não podemos ilibar a "prostituta" e condenar "o cliente" como se fossem partes de um Mundo diferente, são realidades do mesmo. Ambos são responsáveis.
Descendo agora à terra, ao concreto do tema, não me parece sensato condescendermos com os meios para justificar os fins. Dizermos que a SIC dá "merda" ao povo porque o povo gosta, e a prefere a outras "iguarias", pode até ser um facto, mas é também admitirmos passivamente e com excesso de fatalismo que o estado de embriaguês do povo é algo de irreversível. Experimente-se dar arroz e só arroz a uma criança durante anos a fio sem lhe dar a provar mais nada e vejamos se depois ela gosta de outra coisa. Pergunte a qualquer governante se não sabe que é assim? Eles, melhor do que ninguém o sabem. E Pinto Balsemão, acha que não sabe?
Mas, vamos lá a ver. Não se diz (e eu aceito), que todos somos responsáveis pelo nosso destino? Que o contributo de cada um é importante para consolidar a mudança conjuntural? E o contributo de um ex-primeiro Ministro, não devia ser ainda maior, mais coerente, mais sério, mais exemplar? Estamos disponíveis para branquear estas vulgaridades a pretexto da manutenção da ignorância e das taras (fraquezas) do povo? Não temos todos um dever de encaminhar, sem moralizar? Então, ao menos, tenhamos a seriedade de acabar com todos os valores se já não precisamos de restaurar e renovar os poucos que restam. E que viva a anarquia!
Mas, não me parece que seja isso que o Dr. Pinto Balsemão (e outros como ele) defende quando precisa de vestir a terceira máscara da sua esquisita personalidade, como seja, falar como ex-primeiro Ministro, ou até, como simples chefe de família... Apesar da multifacetada personalidade, reconheçamos que, ainda assim, ele consegue (para muitos papalvos) fazer passar o seu lado de homem "respeitável". E se é verdade (é aqui que concordo consigo) que ainda há papalvos com fartura neste espaço mimíco de país, nós não podemos nem devemos (nem na aparência) integrar esse pelotão, sob pena de um dia nos acusarem também de apreciarmos "merda".
Termino fazendo esta afirmação pública, à laia de resumo: eu não respeito alguns produtos da SIC, mas não respeito de todo, o ex-Ministro Pinto Balsemão.

1 comentário:

  1. Prezado Rui Valente

    Desde já lhe agradeço a amabilidade da publicação do meu post e da educada resposta que me forneceu. O seu blog faz parte das minhas visitas diárias e é com prazer que dou a minha pequena contribuição para um blog que leio com prazer.

    Se bem compreendi a sua tese, você defende que deveria haver uma espécie de contenção da parte das estações de TV por forma a moderar os conteúdos e contribuir assim para a educação da população. Avança que a minha tese do livre mercado não isenta a SIC de culpa em função de uma "responsabilidade social" da empresa.

    Compreendo a sua posição e dou-lhe até toda a razão. De facto, uma vez que o mercado televisivo não é livre em Portugal (dado que as emissoras carecem de alvará, que são atribuídos por motivos políticos) também não poderemos deixar o funcionamento do mercado ao jogo das forças da oferta e da procura. Por outro lado, tendo em conta o impacto dos media na sociedade actual, dou-lhe inteira razão na responsabilidade social que estas empresas têm de promover certos objectivos sociais - nomeadamente a educação do povo - no seu escopo lucrativo. Aliás, até se costuma dizer que antigamente as pessoas apareciam na TV porque eram importantes e hoje são importantes porque aparecem na TV.

    Todavia, mantenho a minha divergência da sua opinião em alguns pontos, nomeadamente:

    (1) o papel da RTP: a RTP deve, a meu ver, ter essa função de contrapreso, de educação do povo. Deve ser a RTP a mostrar a alternativa a esses canais de TV. Para isso é que existe um serviço público de TV. Aliás, vou mesmo ao ponto de defender que não deveria poder passar publicidade lucrativa na RTP, para demarcar ainda mais a distância da estação relativamente aos grupos económicos.

    (2) o papel da ERC: por muito louvável que seja a ERC, não a poderemos transformar numa moderadora de conteúdos sob pena de a querermos transformar numa espécie de Diácono Remédios que surge nas alturas abusivas a promover a moral e os bons costumes. Daqui a pouco regressamos ao tempo da "velha senhora", onde os serviços de censura vetavam toda a literatura que "não merecesse ser lida" por perturbar a moral pública lusitana. Acredite que prefiro ser bombardeado todos os dias com programas rascas até à saturação em vez de ter um bando de iluminados a controlar o que devo ver. Até porque a saturação pode ter efeitos pedagógicos. Se me permite fazer um paralelismo com a Internet, durante anos a palavra mais procurada foi "sexo"; hoje em dia foi substituída por "hi5" e "FCP" e outros termos semelhantes. Isso deveu-se à saturação dos utilizadores dos conteúdos sexuais - que durante mto tempo foram proibidos em Portugal. Quando era miúdo lembro-me de toda a gente ter ficado escandalizada por causa de um filme onde uma actriz mostrava as mamas. Não quero regressar a esse tempo.

    Mas apontar problemas é facil: qual é a alternativa. A meu ver, a alternativa consiste em virar o feitiço contra o feiticeiro e usar as armas deles. Uma agência independente deveria promover um código de conduta voluntário sobre os conteúdos televisivos e os limites do entretenimento. Esse codigo deveria resultar de uma negociação tripartida entre os agentes do sector, a ERC e a agência. As estações que colaborassem com ele e não se desviassem mereceriam um selo de qualidade; as que não colaborassem seriam denunciadas como TVs sem qualidade. Neste caso, todos poderiam saber o que escolher e o que ver. E acredite que o peso da sanção social (ser marcado como TV sem qualidade) pode ter efeitos muito mais eficazes do que uma multa da ERC: dado que estas TV dependem da publicidade, as marcas não quererão ser associadas a TVs sem qualidade e as suas receitas ficarão em perigo. Creio que esta é a maneira mais adequada de regular o sector.

    Atenciosamente,

    B.

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