19 outubro, 2008

O jornalista que escreveu sobre Portugal sem sair de Lisboa

Há uns dias atrás este blogue transcreveu um artigo datado de Lisboa, escrito por um jornalista espanhol, intitulado "Portugal visto de Espanha" onde eram feitas considerações suscitadas por um relatório da OCDE que focava a situação social e económica em Portugal. O nosso amigo e prezado colega bloguista Dragão Vila Pouca postou um comentário em que dizia que nem havia necessidade de comentar o artigo, ao que eu contrapuz dizendo que pensava que na realidade ele merecia alguns comentários. Porque não tive ocasião de fazê-lo atempadamente na caixa de comentários, e entretanto se passaram uns dias, entendi ser preferível transformar os comentários em post.

O artigo é arrasador, verdadeiro e factual em muitos pontos, mas sofre por ter sido escrito por alguém que obviamente não saiu de Lisboa, que não se deu ao incómodo de visitar pelo menos a segunda cidade do país e aí auscultar os seus protagonistas económicos e políticos. Deste modo limita-se a veicular opiniões alheias que são nitidamente o modo como em Lisboa se vê o Norte: sob um prisma faccioso e até mesmo insultuoso, a traduzir ignorância e desprezo. E assim é que o jornalista transmite aquele cliché que é caro a Lisboa e que diz que, decerto por curiosa aberração da Natureza, os empresários nortenhos são todos boçais, novos-ricos, incompetentes e vaidosos. Supõe-se que por igual aberração, mas de sentido contrário, em Lisboa e no sul se concentra a totalidade dos empresários dinâmicos, esclarecidos, eficientes e honestos. Como corolário, segue-se aquela afirmação falaciosa, nunca provada e impossível de o ser, que o Norte tem mais Ferraris por metro quadrado que Itália (qual Itália, a do sul?). Porque será que os Ferraris fazem tanta confusão aquela gente de Lisboa? Um empresário de sucesso que compra um Ferrari está legitimamente a gastar o que é seu e ninguém tem nada com isso. E os ex-ministros e altos dirigentes de empresas do Estado ou com participação estatal, que vivem com ordenados exorbitantes ademais de toda a espécie de mordomias (incluindo carros topo de gama tão caros como os Ferraris) pagos a maioria das vezes com dinheiro dos contribuintes, para esses não há críticas dos mesmos que apontam o dedo aos empresários nortenhos? E alguém se terá esquecido de explicar ao jornalista espanhol que a maioria dos empresários do Norte luta sozinho contra tudo e contra todos, tantas vezes contra o próprio Estado que em vez de ajudar só atrapalha, enquanto os de Lisboa beneficiam de ajudas e quantas vezes de cumplicidades oficiais que os levam ao colo?

Mas há mais. Aqueles iluminados lisboetas com quem o jornalista falou, esqueceram-se, ou ignoraram deliberadamente , de mencionar que no país há pelo menos duas indústrias que têm singrado victoriosamente, com assinaláveis progressos em mercados estrangeiros: o mobiliário e o calçado, curiosamente indústrias que "por coincidência" são fundamentalmente nortenhas. A própria indústria têxtil tem unidades (especialmente de têxteis-lar) que resistiram ao terramoto das importações baratas do Oriente, e que com maior ou menor dificuldade lá se vão aguentando, continuando a contribuir para a forte vocação exportadora do Norte Industrial.

Nada que seja novo, no fundo. Já estamos habituados a que aos olhos de Lisboa o país termine para os lados das Caldas, e tudo o que está para além é simplesmente paisagem.

3 comentários:

  1. Caro Rui Farinas,

    Eu estive para fazer a mesma observação que acaba de postar. Do artigo, a parte dos Ferraris e dos empresários do Norte, era que estava viciada, sem contudo lhe retirar realismo.
    O "fenómeno" dos Ferrari, é só mais um dos muitos estigmas que o centralismo se encarregou de semear, localizando-o descriminada e provocatoriamente no Norte, e o Apito Dourado, o mais mediático.

    Concordo com a sua observação.

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  2. Meu caro Rui Farinas, eu quando disse que nem merecia comentários, era porque tudo que vem lá já é muito velho e mais que conhecido.
    Nada daquilo é novidade.
    Fundos comunitários, ordenados dos gestores, profissões liberais, é novo?
    Quanto à segunda questão: empresários e Ferraris.
    Se por um lado é normal, um empresário que tem sucesso, cumpre com as suas obrigações, paga a tempo e horas, tem empresas saudáveis, compre um Ferrari, já não é normal, alguns que levaram empresas à falência, mandando milhares de trabalhadores para o desemprego, andem em carros topo de gama, isso é uma vergonha.
    Claro que há desses em todo o país, mas porque não aparece ninguém a dar cara contra o centralismo?
    Por mais entusiasmo, dedicação e espírito de missão, que tenhamos - este movimento é interessante e louvável - , se não houver figuras...não há hipoteses!
    Um abraço

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  3. pois essa dos ferraris.

    como o povo do sul, os "mouros" (que na verdade até o são) nao tem predisposição genetica para formar empresarios, nao vêem os tais ferraris.
    Depois enfiam-nos essa desculpa para dizer que o atraso do Norte é de 20 empresarios que decidiram comprar ferraris ou porches e nao investiram na regiao ou em infra-estruturas (algo que seria o governo regional a fazer, caso tivesse autonomia e dinheiro).

    Onde ha mais investimento privado, mais empresas, mais empresas privadas fortes ou em fase de crescimento, mais inovação, etc é no norte.
    Braga é a cidade com mais empresarios ou empresas por habitante. Já se sabe que a maior parte das empresas de inovaçao, sao do norte, (por ex: Ndrive, Bial). Os grandes empresarios privados sao do Norte (Belmiro, Amorim, etc). Os maiores bancos privados foram feitos no Norte.
    Enfim... fossemos independentes e podessemo-nos governar e seriamos bem mais ricos que os mouros.

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