23 outubro, 2008

A renovação do Porto

Rui Valente, o administrador deste Renovar o Porto, lançou há pouco um novo blogue chamado "As Casas do Porto". Pleno de oportunidade, constitui uma espécie de catálogo de prédios do Porto, os bons e as ruínas. Dos primeiros não pretendo falar já que hoje o meu objectivo é referir-me às incontáveis ruínas que juncam a nossa cidade. Impõe-se uma prévia declaração de interesses para não ser acusado de “bota-abaixo” ou de “selvagem e inculto destruidor das belas antiguidades do nosso Porto”. Não que muito me incomodasse qualquer desses epítetos, mas apenas para deixar clara a minha posição na medida em que tornará mais compreensível a minha opinião.

Sou um viciado em povoações antigas e os casarios típicos encantam-me como se fossem uma obra de arte. Suponho conhecer tudo ou quase tudo o que há de interesse em Portugal, e em Espanha já visitei um grande número de antigas e belas aldeias que, tenho verificado, nem muitos dos espanhóis conhecem.

Tenho todavia bem presente um conceito que ouvi há uns anos na TV, da boca de um renomado arquitecto portuense, salvo erro Souto Moura. Disse ele que em Portugal parece haver uma confusão muito grande entre o “velho” e o “antigo”, donde resulta que muitas vezes entendemos conservar prédios, ou conjuntos deles, que são simplesmente “velhos”, no sentido em que para além de estarem degradados, não têm beleza, nem valor arquitectónico, histórico ou de qualquer outra natureza. A conclusão, e essa é de minha responsabilidade, é que a demolição deveria constituir uma solução mais vezes adoptada na renovação da cidade. Demolir muito, sem medo e sem remorsos, o que pressupõe que esta ferramenta fosse manipulada com todo cuidado. Na primeira metade do século passado, o Porto foi vítima de destruição incontrolada e irresponsável, do qual o símbolo máximo é o infeliz Palácio de Cristal. Mas não só, basta consultar as revistas antigas, como o Tripeiro, para encontrar testemunhos de belíssimos prédios ( os tais “antigos” na acepção de S. Moura) que foram demolidos e substituídos por edificações sem qualquer interesse arquitectónico. Não é isso que advogo. Mas, em sentido contrário, será que o estado das quatro freguesias centrais do velho Porto nos dignifica? Será que seremos capazes de levar visitantes ao Porto, nacionais ou estrangeiros, e percorrer qualquer delas, sentindo orgulho do que mostramos? Para mim a resposta é não. Os meus amigos visitantes a quem quero acompanhar em visita ao nosso passado, levo-os a Guimarães onde, aí sim, me sinto orgulhoso de mostrar o que os vimaranenses fizeram no centro histórico.

Tive esperança que aqui as coisas começassem a mudar quando L.F. Menezes quis derrubar as construções na encosta da Serra do Pilar. Pensei que, por arrastamento, o próximo presidente da câmara do Porto ( do actual não espero nada ) fizesse o mesmo do nosso lado. Poderia ser o início de uma nova mentalidade. Aconteceu que uma intempestiva intervenção da Governadora Civil do Porto, em nome não sei de quê, o impediu. Mais uma vez o governo veio meter o nariz onde não era chamado.

Esta questão da renovação urbana do Porto constitui um dos maiores desafios que se põe à cidade, e como tal deveria ser discutido a todos os níveis. A questão do casco antigo da cidade é por si só um problema de grande magnitude e transcendente importância. A resposta a estes complicados problemas é tão difícil que todas as opiniões seriam bem vindas. Não me lembro que esta discussão tenha ocorrido e o que acontece é uma situação confusa e aparentemente inoperante, em que se mudam organismos responsáveis pela renovação, sem critérios objectivos que o justifiquem, parecendo que a principal motivação é uma birra de um autarca que muda apenas por questões de baixa política.

Tenho duas esperanças. A primeira é que os eleitores do Porto (onde já não voto) tenham um assomo de clarividência e se livrem de Rui Rio. A segunda é que o seu substituto(a) consiga terminar um período de oito anos de imobilismo e seja capaz de dar um forte impulso à reabilitação de que o Porto tanto carece para se transformar numa cidade verdadeiramente atractiva .

4 comentários:

  1. Outro instrumento importante seria estudar a expropriação e demolição de alguns "patos bravos". Obviamente que será polémico, como o está a ser o Coutinho.

    Assim de repente lembro-me de pequenas nódoas fáceis de resolver como o prédio da cabeleireira no gaveto da Av. Boavista com Agramonte, que deve ter uns 5 andares e uns 8 a 10m de lado, estando rodeado de casas "antigas" (algumas delas também velhas) estragando bastante o enquadramento da casa da música. Na Baixa deve haver pelo menos meia dúzia destes em cada rua.

    ResponderEliminar
  2. Essa nódoa de prédio é, como muito bem diz, um dos mais chocantes do Porto. Talvez pelo seu enquadramento e dimensões absurdas, entre aquelas casas antigas, chame mais a atenção, mas há muitos mais por aí.

    O autarca que permitiu uma construção (aberração) destas devia ter sido preso (fosse lá ele quem fosse), mesmo retroactivamente.

    É intolerável!

    ResponderEliminar
  3. o pior nisto tudo é o continuar a deixar apodrecer e cair por si próprias as casas antigas e deixar construir ai prédios com mini apartamentos que se vendem por preços exorbitantes.

    outro escândalo é o do bairro da Sé feito pelo Sisa Vieira e aquando da inauguração o Dr. Rui Rio viu que os últimos andares eram um luxo pois tinham uma vista espectacular para o rio e até hoje estaõ por habitar (se calhar não tem tantos amigos como os tipos de lisboa)

    ResponderEliminar
  4. Caro Miguel,essa nódoa que refere no gaveto da av. da Boavista,com a implicação no enquadramento da Casa da Música,traz-me à memória a minha convicção que esta espectacular peça de arquitectura (há quem não goste)tem um enquadramento muito longe da dignidade que merece.O meu optimismo acha que um dia este problema será rfsolvido...

    ResponderEliminar

Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...