24 março, 2008

Tolerância ou permissividade?

Podemos dar as voltas que quisermos, mas a bandalheira de que sofre a nossa sociedade tem o seu epicentro na forma como nos foi incutida a essência da democracia. Não é só por cá, já sabemos, mas particularmente em Portugal, o regime democrático tem falhado em quase todas as frentes e, é talvez, por termos apreendido erradamente a sua essência que todas as outras derivantes fracassaram.

Apesar de me ter cansado de ver o Dr. Mário Soares a associar, por tudo e por nada, a democracia à tolerância, nunca me deixei embalar muito por esse canto de sereia. As liberdades que se seguiram ao 25 de Abril de 1974, com todos os excessos que se lhes seguiram, foram reacções perfeitamente compreensíveis num país cujo regime musculado e repressivo, manteve durante quase meio século, o povo amordaçado , mas o discurso avulso e repetitivo da tolerância sobre outros valores não menos nobres, acabou por redundar na irresponsabilidade que hoje vemos em quase todas as áreas. O respeito pelo cumprimento das regras é só um deles, mas talvez constitua a verdadeira essência da liberdade e da democracia.

Como dizia um dia destes o Director do JN, José Leite Pereira em editorial, a democracia não soube aproveitar o que de positivo existiu no regime anterior e à força da necessidade de mudança, acabou por se mudar aquilo que não era necessário. O pertinente discurso da tolerância não foi devidamente acompanhado pelo discurso da manutenção do respeito e pelas boas maneiras, e esse erro, esvaziou completamente o verdadeiro sentido da tolerância.

De facto, como disse José Leite Pereira, que mal vinha ao mundo por os alunos levantarem o rabinho do banco sempre que o professor entrava na sala de aulas? E que violação poderia ser feita à democracia com o dever dos alunos se manterem em silêncio enquanto o professor falava?
O que terá então sucedido para que estes princípios fossem alterados de modo tão radical?

A memória às vezes, é curta. Ainda há dias escrevi aqui mesmo que, ouve muita coisa mal interpretada no pós 25 de Abril, porventura por nunca ter sido devidamente explicada à população. Falei no mito do "bufo" que se instalou no subconsciente de muitos portugueses que os levou a abdicar de um direito cívico importantíssimo, que é o direito de denunciar o que está mal. E o que está ou se faz mal, poderá ter vários graus de gravidade, mas nunca o devíamos ter como cumplíce, senão seremos implicitamente parte desse mal.

Nas escolas, os alunos bem comportados, por medo, omitem as grossas asneiras dos colegas, os professores, talvez por não se sentirem apoiados, silenciam comportamentos menos éticos de alguns dos seus colegas e por aí fora.

Este mal está enraízado até na própria Justiça. Quando ouço falar dos males de que também vem padecendo a Justiça e depois vejo os senhores juízes argumentarem com o "obrigatório" dever de reserva dos orgãos da magistratura e fazerem apelos à dignidade da função, fico sem saber bem como querem então mudar a situação, quando é a própria dignidade do cargo que mais está em causa na confusão em que se encontra. Ficamos sempre com a ideia de que as pessoas querem a mundança mas sem se envolverem muito, sem assumirem riscos e rupturas. Assim, não se pode dizer que estejam a dar uma grande ajuda a quem tem de governar.

É apenas aqui, e só neste ponto concreto, que concordo com os que, por vezes, de modo abusivo, defendem que se o país está mal, "a culpa é de todos nós". Calma aí, porque é perigoso deixarmo-nos levar nesta corrente generalista de atribuir e misturar responsabilidades. Não entro nessa, mas também não aprovo aqueles que não ousam dar a cara e denunciar o que está mal.

Lembro-me de um dia ter ouvido Mário Soares dizer uma daquelas suas bonitas frases, que calam bem fundo mas que sentimos utópicas: "a tolerância não tem limites!". O que me ocorreu pensar naquele momento, foi questionar-me se o reputado político (um dos felizardos que tem boa imprensa) não estaria com aquelas lindas palavras a fazer de modo inconsciente a apologia da permissividade.

Hoje, começo a pensar que cá tinha as minhas razões...

3 comentários:

  1. Como compatibilizar, liberdade, tolerância, permissividade, quando neste país se é preso por ter cão e por não ter?
    Há escolas que recrutam ex-polícias para evitarem excessos( ouvi hoje na rádio)dos alunos e para eles se portarem melhor e não acontecerem situações como infelizmente têm acontecido. Veio logo uma associação de estudante dizer que era para os denunciarem ao ministério da educação,que os ex-polícias, eram os novos pides?! Mais, o PCP juntou-se ao coro: só lhes falta dizer que vão passar outra vez à clandestinidade.
    Meu caro é muito díficil ser Prior nesta freguesia.
    Um abraço

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  2. Um dia ficará bem patente o mal que os tecnocratas do "eduquês" estão a fazer ao país.

    É na idade em que se frequenta a escola que se criam os hábitos necessários para ser-se um cidadão de "corpo inteiro": disciplina, hábitos de trabalho, esforço, persistência, ginástica intelectual, conhecimentos...

    Infelizmente a "geração rasca" continua, e assim é sem surpresa que se lia nos jornais, há dois ou três dias, que dois grupos de estudantes portugueses foram expulsos de hotéis catalães, em dois incidentes separados, em cidades diferentes.

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  3. Meus caros,

    É preciso mudar mentalidades. É preciso sermos mais exigentes, é preciso darmos o poder apenas a quem o merece, é preciso não nos deixarmos encurralar nos cortejos dos partidos. Primeiro, temos de conhecer as pessoas e bem. Sem isso, o voto é completamente inútil.

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...