25 março, 2009

Façam o favor de ler

Entrevista Aldo Naouri
"Os maus pais são os que acham que a criança tem direito a tudo"
Pediatra francês e autor de 14 livros sobre educação, Aldo Naouri defende uma educação ditatorial para ter filhos democratas.
Já está reformado, mas antes de ter deixado o exercício da pediatra ainda observou os netos de uma das suas primeiras doentes, orgulha-se. Sabe dizer "não tenhas medo" em 48 línguas, tantas quantas as nacionalidades de doentes que recebia no seu consultório, em Paris. Escolheu ser pediatra porque acreditava que não ia lidar com a morte. Enganou-se. Agora dedica-se à escrita de livros. Em Educar os Filhos: Uma Urgência nos Dias Que Correm, Por Bárbara Wong
publicada pela Livros d'Hoje, defende uma educação sem relações democráticas, onde as crianças são postas no seu lugar, que é o de obedecer sem questionar. Eles não têm direitos, porque não são o centro do mundo. Conservador? "Sim, mas no bom sentido da palavra", admite.
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Defende que os pais são muito permissivos e que devem exercer mais a autoridade. Como é que chegou a essa conclusão?

Quando os bebés vêm ao mundo, passam por um processo muito violento que é o da expulsão do corpo da mãe. Desde o primeiro dia que os pais procuram ajudá-los a adaptar-se e quando o bebé chora, a resposta dos pais é imediata na procura do seu conforto. Os pais acorrem imediatamente e o bebé compreende-o. O que defendo é que o bebé precisa de regras desde cedo, porque se estas não lhe forem ensinadas, ele permanecerá um bebé para o resto da vida.
Não é um cenário exagerado?
Não. A sociedade será constituída por indivíduos que estão centrados sobre si próprios, para os quais as regras e os outros não interessam. O problema da educação é não é só de cada uma das famílias, mas diz respeito directamente a toda a sociedade.
É por isso que defende que uma ordem, dada pelos pais, não deve ser explicada, mas executada?
Os pais e os filhos não estão no mesmo nível geracional, entre o pai e a criança a relação é vertical. Ao educarmos a criança, queremos elevá-la, fazê-la ascender ao nosso nível, ou seja, partimos do bebé para fazermos um adulto. Quando damos uma ordem e a explicamos, a relação vertical torna-se horizontal porque permitimos à criança que possa negociá-la. No entanto, ela precisa de saber que há limites.
Mas se aplicarmos este princípio, não estaremos a criar adultos sem pensamento crítico, que executam ordens sem perceber, nem contestar?
Este é um conceito que deve ser aplicado em qualquer idade: os pais dão a ordem e a criança executa. Claro que a ordem pode ser explicada, mas só depois. Dizer "não" a uma criança é como o parapeito de uma ponte, em cima da qual ela se encontra. Se não houver esse parapeito, a criança cai para o vazio e nenhum pai quer que isso aconteça. O "não" é uma protecção.
Os pais nunca pedem desculpa, nem mesmo quando erram ou são injustos?
Nunca! Os pais nunca pedem desculpa. Devem falar com firmeza e ternura. Nunca temos de nos justificar, nem de dar argumentos à criança. Podemos explicar, mas não justificar. O limite entre ambas é ténue, por isso defendo que na maior parte das vezes nem se explique.
O modo como os pais educam, por vezes, não é em reacção à forma como foram educados? Ou seja, eles tiveram pais rigorosos e autoritários, logo, são mais democráticos?
Justamente, quando os pais se tornam pais, por vezes, recordam que há algum ressentimento em relação aos seus pais e não querem repetir, nem querem que os seus filhos o sintam mais tarde. O que digo a esses pais é que as crianças estão condenadas a amá-los, porque foram eles que as educaram. É inútil entrar no jogo da sedução, esse é que é perigoso. Quando dizemos "não", estamos a impor limites, estamos a dizer à criança: "O teu percurso é por cima desta ponte e esta tem parapeitos para que não caias à água." Se os pais disserem "não" com tranquilidade, a criança não vai contestar.
Não haverá uma altura em que a criança quer espreitar por cima do parapeito ou por-se em cima dele?
A criança vai querer abanar a ponte, transgredir para ver se a ponte é sólida. Essa transgressão vai ajudá-la. As crianças são extremamente sensíveis aos limites, porque têm medo. A autoridade não é nociva, porque dá-lhes boas indicações sobre como é que devem seguir o seu percurso.
Por isso defende que é preferível educar as crianças de uma forma ditatorial a uma democrática?
Os pais são permissivos porque a ideia da democracia e dos direitos está muito espalhada. Ao criar as crianças de um modo ditatorial e autoritário, estas vão aprender a reprimir. A partir desse momento, compreendem que os outros também existem e, no futuro, serão democratas. Mas, se os criarmos em democracia, como se fossem iguais aos pais, vão crescer centrados sobre si mesmos, vão crescer como fascistas. O que é um fascista? É um indivíduo que pensa que tem todos os direitos.
Os pais têm mais direitos do que os filhos?
Hoje os pais procuram o prazer da criança e devia ser ao contrário. Os pais têm mais direitos, mas também mais deveres. O direito de saber o que é que lhes convém e às crianças e o dever de o impor à criança.
Não é isso a ditadura?
Não! Não é ditadura, mas autoridade. Se os pais continuarem a dar todos os direitos à criança, começam a pedir-lhe autorização para sair à noite, para fazer esta ou aquela compra. Em França, 53 por cento das decisões sobre que produtos comprar são decididas pelas crianças. Alerto para o risco de estarmos a criar tiranos.
Que tipo de adultos estamos a criar?
A mensagem do marketing insiste na importância dos filhos, o que paralisa os pais. A mensagem tem como objectivo aumentar o consumo. E estamos a criar crianças tiranas, autocentradas, perversas, que só pensam nelas.
São crianças que não sabem reagir à frustração? Que efeitos pode a actual crise económica ter sobre elas?
A crise económica é já um resultado de uma educação irresponsável.
Isso significa que as duas gerações anteriores já foram educadas nesse paradigma de que a criança é o centro do mundo?
Sim. As coisas começaram a mudar a partir do momento em que entrámos numa sociedade de abundância. Antes disso, dizíamos: "Não se pode ter tudo." A partir dos anos de 1955/1960, passámos a dizer: "Temos direito a tudo." A partir desse momento, começou a crescer a importância do "eu, eu, eu".
Sempre pensou assim, ou, à medida que foi envelhecendo, foi mudando?
As crianças vão ao meu consultório e não têm problemas. Porquê? Porque trato rapidamente desta dimensão da educação com os pais. Quando estes falam com outros pais, recomendam-me: "Vai falar com Naouri." E eles vêm. Preciso de duas ou três consultas para resolver os problemas com eles. Porquê? Porque dou este tipo de explicações.
Quais são as principais queixas dos pais?
Falta de disciplina, mau comportamento, desobediência nas horas de comer, tomar banho ou de dormir. Os pais pedem socorro, porque não conseguem reprimir as pulsões das crianças. Seja uma criança de um, três ou sete anos, procedo sempre do mesmo modo. Falo com os pais, escuto o que se passa, agradeço à criança por me ter vindo ver e ter trazido os pais e digo-lhe ainda que me vou ocupar dos pais. Em 80 por cento dos casos, as coisas ficam em ordem.
Como é que os pais sabem que são bons pais?
Os bons pais são os que permitem à criança poder desejar. Os excelentes não existem. Todos os pais têm defeitos, os maus são os que acham que a criança tem direito a tudo.
Qual é a sua opinião sobre as novas famílias, as monoparentais, as homossexuais, as divorciadas que voltam a casar... Podem ou não ser boas educadoras?
Em nome do egoísmo pessoal tomamos decisões que são prejudiciais para as crianças. As crianças filhas de pais divorciados divorciam-se mais rapidamente. As crianças de famílias monoparentais são crianças sós. Quanto aos casais homossexuais, a criança é como que um produto. Temos direito à felicidade, à saúde, a tudo o que queremos e também a uma criança. Isso é desumanizante.
Deviam existir escolas de pais, para estes aprenderem a educar?
Pessoalmente acho que a escola de pais vai ainda paralisá-los mais. Eles recebem demasiadas mensagens, algumas contraditórias e que paralisam. Defendo que os pais devem ser pais, que não tenham medo de o ser e de ter confiança. Se assim agirem, saberão o que fazer.
NOTA DO RoP
Dada a extensão da entrevista de Aldo Naouri ao jornal PÚBLICO, não tenciono escrever hoje qualquer outro post, ou artigo. O tema da Educação, é na actualidade, o mais importante a nível mundial.
Os métodos ditatoriais das gerações da classe política actual, são um pouco o espelho do que o pediatra francês nos fala nesta entrevista. São os primeiros herdeiros de uma educação mimada, pouco repressiva, cujos resultados são a síntese do que é brilhantemente descrito na entrevista.
Recomendo veementemente a sua leitura, porque o seu conteúdo, ao contrário do que parece, tem tudo a ver com o futuro do Porto, e da nação que queremos ser.

4 comentários:

  1. Já me referi a este assunto noutro blog e o que disse foi que passamos em tudo, no que respeita à educação, do 8 para o 80.

    Ontem a propósito deste assunto, enviaram-me um mail que partilho com todos e que é este:

    «Situação: O fim das férias.

    Ano 1978:
    Depois de passar 15 dias com a família atrelada numa caravana
    puxada por um Fiat 600 pela costa de Portugal, terminam as férias. No dia
    seguinte vai-se trabalhar.

    Ano 2008:
    Depois de voltar de Cancún de uma viagem com tudo pago, terminam
    as férias. As pessoas sofrem de distúrbios de sono, depressão, seborreia e
    caganeira.


    Situação: Chega o dia de mudança de horário de Verão para Inverno.

    Ano 1978:
    Não se passa nada.

    Ano 2008:
    As pessoas sofrem de distúrbios de sono, depressão e caganeira.

    Situação: O Pedro está a pensar ir até ao monte depois das aulas, assim que entra no colégio mostra uma navalha ao João, com a qual espera poder fazer uma fisga.

    Ano 1978:
    O director da escola vê, pergunta-lhe onde se vendem, mostra-lhe a
    sua, que é mais antiga, mas que também é boa.

    Ano 2008:
    A escola é encerrada, chamam a Polícia Judiciária e levam o Pedro
    para um reformatório. A SIC e a TVI apresentam os telejornais desde a porta
    da escola.

    Situação: O Carlos e o Quim trocam uns socos no fim das aulas.

    Ano 1978:
    Os companheiros animam a luta, o Carlos ganha. Dão as mãos e
    acabam por ir juntos jogar matrecos.

    Ano 2008:
    A escola é encerrada. A SIC proclama o mês anti-violência escolar,
    O Jornal de Notícias faz uma capa inteira dedicada ao tema, e a TVI insiste
    em colocar a Moura Guedes à porta da escola a apresentar o telejornal,
    mesmo debaixo de chuva.

    Situação: O Jaime não pára quieto nas aulas, interrompe e incomoda os colegas.

    Ano 1978:
    Mandam o Jaime ir falar com o Director, e este dá-lhe uma bronca
    de todo o tamanho. O Jaime volta à aula, senta-se em silêncio e não
    interrompe mais.

    Ano 2008:
    Administram ao Jaime umas valentes doses de Ritalin. O Jaime
    parece um Zombie. A escola recebe um apoio financeiro por terem um aluno
    incapacitado.

    Situação: O Luis parte o vidro dum carro do bairro dele. O pai caça um cinto e espeta-lhe umas chicotadas com este.

    Ano 1978:
    O Luis tem mais cuidado da próxima vez. Cresce normalmente, vai à
    universidade e converte-se num homem de negócios bem sucedido.

    Ano 2008:
    Prendem o pai do Luís por maus-tratos a menores. Sem a figura
    paterna, o Luís junta-se a um gang de rua. Os psicólogos convencem a sua
    irmã que o pai abusava dela e metem-no na cadeia para sempre. A mãe do Luís
    começa a namorar com o psicólogo. O programa da Fátima Lopes mantém durante
    meses o caso em estudo, bem como o Você na TV do Manuel Luís Goucha.

    Situação: O Zézinho cai enquanto praticava atletismo, arranha um joelho. A sua professora Maria encontra-o sentado na berma da pista a chorar. Maria abraça-o para o consolar.

    Ano 1978:
    Passado pouco tempo, o Zézinho sente-se melhor e continua a correr.

    Ano 2008:
    A Maria é acusada de perversão de menores e vai para o desemprego.
    Confronta-se com 3 anos de prisão. O Zézinho passa 5 anos de terapia em
    terapia. Os seus pais processam a escola por negligência e a Maria por
    trauma emocional, ganhando ambos os processos. Maria, no desemprego e cheia
    de dívidas suicida-se atirando-se de um prédio. Ao aterrar, cai em cima de
    um carro, mas antes ainda parte com o corpo uma varanda. O dono do carro e
    do apartamento processam os familiares da Maria por destruição de
    propriedade. Ganham. A SIC e a TVI produzem um filme baseado neste caso.

    Situação: Um menino branco e um menino negro andam à batatada por um ter chamado 'chocolate' ao outro.

    Ano 1978:
    Depois de uns socos esquivos, levantam-se e cada um para sua casa.
    Amanhã são colegas.

    Ano 2008:
    A TVI envia os seus melhores correspondentes. A SIC prepara uma
    grande reportagem dessas com investigadores que passaram dias no colégio a
    averiguar factos. Emitem-se programas documentários sobre jovens
    problemáticos e ódio racial. A juventude Skinhead finge revolucionar-se a
    respeito disto. O governo oferece um apartamento à família do miúdo negro.

    Situação: Fazias uma asneira na sala de aula.

    Ano 1978:
    O professor espetava duas valentes lostras bem merecidas. Ao
    chegar a casa o teu pai dava-te mais duas porque 'alguma deves ter feito'

    Ano 2008:
    Fazes uma asneira. O professor pede-te desculpa. O teu pai pede-te
    desculpa e compra-te uma Playstation 3.»

    Um abraço

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  2. Vila Pouca,

    É mais ou menos esse, o «filme».

    Abraço

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  3. Caro Rui,


    Muito boa esta entrevista!

    Concordo com quase tudo o que Aldo Naouri fala, e não me arrependo de ter criado meus filhos sòzinha, na "linha dura" e com bastante firmeza, porém, sem perder a ternura.

    Hoje estão todos criados, e ainda são muito meus amigos!

    Só acredito que quando erramos, devemos sim, pedir desculpas aos filhos.
    Não é necessário que sejamos pais tiranos.

    Nem 8, nem 80!

    Uma palavra de desculpas na hora certa, estreita os laços entre pais e filhos.



    Vila Pouca, gostei muito deste
    e-mail que você recebeu e que colocou aqui!

    Infelizmente ele aplica-se ao meu país também!

    Um abraço carinhoso aos dois!

    Neli

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  4. Olá Neli,

    Claro que o bom senso é "quem mais ordena".

    Eu quando estudei na primária, levei algumas palmatoadas da minha professora (poucas), mas não foi isso que impediu de lhe reconhecer grandes méritos.

    Houve quem entendesse Democracia como bandalhice, e hoje, isso aqui está a pagar-se caro no ensino.

    Abraço e obrigado pela visita

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Abrimos portas à frontalidade, mas restringimos sem demagogia, o insulto e a provocação. Democraticamente...